18 de junho de 2015

A arte de não escrever



Como é, após o hábito adquirido, ficar tanto tempo sem escrever? Abdiquei da minha carreira ou talento ou mera aspiração de escritor? É provável que sim. Este texto é apenas um último suspiro, uma dispensável reflexão sobre a arte de não escrever. Digo arte porque quando há vontade de fazer algo, mas que não se cumpre por algum motivo, acaba brotando sentimentos e representações, e expô-los é justamente meu intento no derradeiro post deste extinto blog. Mas como essa vontade é frágil, sigo o conselho do velho Buk: “se tens que estar horas sentado a olhar para um ecrã de computador ou curvado sobre a tua máquina de escrever procurando palavras, não o faças”.
 Esclareço: estou há cerca de seis meses sem escrever, sem botar ideias no papel; foram apenas alguns parágrafos, versos e esboços, nunca mais de uma página. Ficar sem ideias é impossível, não paro de pensar, porém o antigo afã está esmorecido, como se as palavras represadas não fizessem mais falta ou diferença. Ao menos no que se refere a textos autobiográficos como este ou então aqueles metafóricos que acabam transparecendo parte de mim. Estou numa fase em literatura semelhante à minha persistente fase de suspensão criativa em música. Não é simplesmente bloqueio, é renúncia de fato. O que realizei dos 17 aos 24 anos, aproximadamente, com guitarra e composição, foi o que eu realizei dos 24 aos 29 anos, na área da escrita. É claro que não tive sucesso em nenhum dos dois campos, contudo houve produção de algo, e valorizo muito meu processo criativo, mesmo na ausência de repercussão e boa recepção – não nego que algum feedback é capaz de me envaidecer ligeiramente.
Como acredito em justificação estética da existência, na vida como estilística da existência, é preciso criar obras, valores e significados, daí a importância fundamental da arte, maior que qualquer outra área do conhecimento. Porém, como estou num período sabático, ando mais refletindo, antes deglutindo, ruminando e aprimorando meu gosto pessoal que ansiando por mostrar ao mundo minhas impressões acerca dele. Faz alguma falta essa pausa? Até faz, mas sei que dela sairá algo grande. É como o impulso que o saltador necessita dar antes de pular, é como a preparação que qualquer outro atleta faz para poder voltar a vencer. Não esquento a cabeça, nem sofro pressão, estou ciente do que estou fazendo; eu só pararei de vivenciar a arte e de criar algo deveras idiossincrático quando sofrer algum acidente, o qual me transformaria em outra pessoa.
E o que quer dizer exatamente essa pausa? Resposta: minha monografia. Escolhi um tema grandioso e tive que reunir uma grande quantidade de material para ler para depois não escrever besteira nem algo insuficiente e descartável. Eu não quis fazer faculdade só para ter mais um diploma, mas sim para aprender e escrever algo útil e que me desse orgulho. E qual é o tema? Basicamente, a estética alemã de Kant a Nietzsche. Já são seis meses praticamente lendo apenas sobre assuntos relacionados a isso. Ainda não me cansei, até porque o tema é amplo demais para me aborrecer em tão pouco tempo. Vislumbro vários artigos, além da própria monografia, como filhotes desse período de estudo. Sendo assim, penso que parar de escrever casos pequenos, insignificantes e peculiares é um bom modo de começar a pensar grande, pelo menos em termos acadêmicos, a fim de passar a escrever coisas mais respeitáveis e universais. Se eu terei sucesso em mais uma empreitada? É possível que novamente ela naufrague. Ficarei frustrado? Se eu novamente me orgulhar do meu rebento, de forma alguma. Eu sou meu maior juiz, dane-se o silêncio ou até mesmo o escárnio alheio.
            Há seis anos eu comecei a escrever aqui como forma de me encontrar no mundo e de desprender angústias de dentro de mim, além de passar pelos processos de sublimação e autoconhecimento, os quais são inevitáveis a todo escritor. Esse ciclo foi completo, como aleguei anteriormente. Eu me tornei outra pessoa, não completamente diferente, mas sem dúvida estranha àquela mais jovem e patética. Não sofro dos mesmos complexos. Os problemas são outros. Os objetivos também. Tornei-me careta demais? Acelerei o processo de amadurecimento? É provável que sim. É provável que tenha apenas alterado a direção da chatice. Certo é que estou sereno e satisfeito com o que me tornei, apesar da lacuna das realizações profissionais e artísticas, por enquanto. Como eu disse, minha consciência está tranqüila, fiz o que estava ao meu alcance. Evito sempre sentir rancor e arrependimentos, pois isso dá úlcera e cancros. Sentimentos ruins devem durar pouco, apenas a angústia pelo vazio inerente de sentido do mundo é que deve perdurar.
Fico com esse último solilóquio, desta vez não foi muito soturno, e então me despeço, deixando-os com alguns versos de Leminski, meu poeta favorito: “Essa minha secura/essa falta de sentimento/não tem ninguém que segure,/vem de dentro./Vem da zona escura/donde vem o que sinto./Sinto muito,/sentir é muito lento.” Adeus.