30 de novembro de 2018

Uma compilação prolixa e despropositada


Imbatível 
O que você quer ser quando morrer?
Conjetura que um dia vai crescer
Mas o grande feito da sua vida
Foi o simples fato de ter nascido
Existência resumida ao umbigo
Nem sequer faz da derrota sua amiga.

Pensa que é sujeito imbatível
Bate a cabeça de porta em porta
Pouca coisa escapa da insolência
Insolúvel tolice contumaz.
Julga ser Hulk o incrível
Nem os fracassos você suporta
Até o pedinte o vê e dispensa
Teima, tenta, nunca se apraz.

Se crescer , considere isso vitória
Suas obras soam como anedotas,
Para nós será sempre vanglória ,
Vindas de um fanfarrão idiota.
Repete e relata a mesma estória
Que tanto nos farta, consome e esgota
Basta! Extinga de nós essa memória.
- - -
Já houve silêncio 
O IBGE divulga atual Censo
Notícias me deixam intenso
Passo os dedos nos dados e penso:
Se a chuva cai sob este céu tenso
E antes de existir a voz havia silêncio,
Logo evolução é um salto em suspenso
- - -
Antes de morrer
Ao saber que irei morrer muito em breve
decido cuidar dos últimos dias,
dos meus e dos que adoro mais que tudo,
pra que de mim se lembrem e sorriam.

Eu bem poderia chutar o balde ,
ligar o foda-se, virar do mal,
pois me encontro em estágio terminal ,
só que este fogo infernal em mim não arde.

Escolho o caminho do plantio,
cuido do terreno que me cerca
Eu sei que não verei o verde ou frutos ,
pensarão em mim como o que alicerça .

Não gasto o tempo que escorre com lágrimas
Há tanto a se fazer com o que resta
E poupo os meus queridos da moléstia
Desejo legar-lhes minha obra-prima. 
- - -
O que me cabe
Esta noite até parece que a lua ri pra mim
É como se me dissesse: ela não está afim
A derrota me persegue aonde quer que eu vá
A conquista é devaneio durante meu jantar.

Não importa não, o que se escreva ou diga
Só terei uma parte daquilo que me cabe
Idílico portal para mim nunca se abre
O meu companheiro é um frasco de pinga.

Vidrado ou inerte, nada muda no final
O que anseio muito, ficará para depois
Já estou acostumado a sempre me dar mal
Passado o lampejo, volta o feijão com arroz.

Devo desistir ou devo persistir?
Perguntas vãs martelam em meu peito
Ao redor ninguém se aflige a meu lamento
Adéquo-me, neste neutro leito.
- - -
Um tal misantropo
Uma típica mise-en-scène misantrópica
Nada que a sociedade proíba
Nada que um coração não aprove
É mais algo um tanto deselegante
É mais o de sempre aos dezenove

Cair tonto e abraçar um hidrante
Ou ignorar os ignorantes
Conversar todo dia com mortos
Só olhar nas pessoas seus corpos
Ativar o morto-vivo modo

Para quê fazer o bem?
Nunca é esse recompensado
Posso até fazer o mal
Desde que ele não seja revelado
É assim a vida de João-ninguém
- - -
O cume não é nada
Parto para o cume
O objetivo está claro em minha mente
Eu me julgo imune
Tô vidrado, imprevistos passam rente.

Vejo-me verdugo
Desdenho o valioso e o importante.
No trajeto bugo
Regresso a conceitos de tolo infante.

"Insista e descubra"
Diz a voz que mora dentro da gente
"Nunca aspire a Cuba"
Agora sei o que é uma ilusão somente.

Em pausas lucubro
Sobre o que gozarei dali em diante
E elevo ao cubo
meus talentos - Serei um novo Dante?

Foi isto o que me coube:
Espalhar pelo chão obsessões aos montes
Eis que o mundo me ouve -
Percebo uma alegria em cada fronte.
- - -
Daqui para o sempre
Eu penso, logo exilo
Em um pessoal paraíso
E deixo rastejar um coração
Incapaz de se erguer do chão

E alto grito: aleluia!
Quebro assim uma antiga jura
De não falar em esplendor -
É tempo de me recompor

É daqui para o sempre
E que nunca meu amor se lembre
De quem nunca se arriscou ,
Como tanto eu fiz sob amargor.
- - -
Aversão
Eu tento ser simpático
Retiro do rosto as marcas de expressão
Removo o ódio do coração
Mas ela sempre volta.

Eu tento entrar nas rodas
É um esforço discutir papo furado
Logo transpareço enfado
De súbito ela volta.

Parceira de longa data
Quando surge à frente idiotas
Coisa tão comum de se ver
Ela prontamente ataca.

Parceira, vamos juntos
Traz consigo o sarcasmo e a ironia
Formaremos sinistra companhia.
Brindemos, aversão!
- - -
Geração Nutella
Nossa geração Nutella
Dondoca que se acha fera
Fracassado que se exaspera
A nossa geração Nutella

A impaciência virou virtude
Tudo é motivo pra se reclamar
"Nada está bom" é comum queixume
Caiu um botão, vem logo apelar

Só na granola e Ovo Maltine
Não sabe de nada o sabichão
Se vê tênis novo na vitrine
Tem que comprá-lo, ou faz climão

Se faltou Danone ela se rebela
Se faltou creminho se descabela
Se faltou cerva o obsceno impera
É a nossa geração Nutella

Fica obcecada pela modinha em voga
Sente-se na obrigação de ostentação
Engabela a vítima, então a joga em cela
E se houver um erro haverá um enterro

Nossa geração Nutella
Dondoca que se acha fera
Fracassado que se exaspera
Pífia geração Nutella
- - -
Ela só me ferra
Ah, essa garota só me ferra
Eu cavei, ela cavou, nós cavamos
Mas tudo o que retiramos foi terra –
Depois não entende por que reclamo...

Tolice procurar por tesouros
Eu devia ignorar superstições,
Agora a minha sina agouro
E clamo por intromissões.

Sempre uma alegria juvenil
Do tipo “não tô nem aí” no rosto
Com meu edifício ela ruiu,
Fiquei com os destroços e o desgosto.

Pensar que havia em nós futuro
Pensar que não havia nela ardis
Pensar que era frágil o muro,
Ao menos ilusões perdi.
- - -
Picote (Paródia)
Eu quero é picotar
Picota até o couro
Me ensina a picotar
Do crânio até o ovo

Eu vou me lambuzar
Com o sangue do corno
Cotoco que sobrar
Eu dou para o corvo

Vem cá , te quero do meu lado
Coloca esse cutelo pra cantar
Vem aqui, te quero do meu lado
Esse defunto nós vamos retalhar
Vem cá , te quero do meu lado
Esse picote vai alucinar

Eu quero é picotar
Picota até o couro
Me ensina a picotar
Do crânio até o ovo
Eu vou me lambuzar
Com o sangue do corno
Cotoco que sobrar
Eu dou para o corvo

Como eu gosto assim
Tão perto de mim
Este velho rim
Como eu gosto assim
Tão perto de mim
Este velho rim
- - -
Ciclo da vida
A vida se engendra é na escuridão
A semente eclode em momento oportuno
Até onde ninguém podia ver sob o chão
Pensava-se no mistério do Uno.

No ventre materno ou no de Gaia
Há belos processos, fantásticos
Que a mãe a seu seio os filhos atraia
Mesmo os que se perderam no Ártico .

Morte é somente o fim de um ciclo
A Natureza assimila toda matéria
E não faz isso por tola pilhéria
Mas é como ela retoma seu brilho.

A irreversível entropia do núcleo vital
Dissipa inúmeros fragmentos por Terra,
Por ela o sangue sorvido é um sinal
De que o ciclo da vida nunca se encerra.
- - -
Inferno
Dizem que o capeta usa capa preta
Chamam o anjo Gabriel contra o lorde Azazel
Dizem que é senhor das trevas o sete-peles
Mas não há em seu nome um mísero alqueire.

Por falar em nome, preferem codinomes:
Maligno, tinhoso, coisa ruim
Pra não personificar seu inimigo
Como se isso fosse algum abrigo...

Eu falo na cara, o papo é reto e cru
Estes são alguns dos nomes do diabo:
Satanás, Lúcifer e Belzebu.
Pronto, e não houve descalabros

O demônio parece mesmo obscuro
Dentro de seus labirintos me aventuro,
Pois tenho um cão do inferno sem igual
Contra ele nenhum há de ser rival!
- - -
Tô Nem Aí (paródia)
De mãos atadas, de pés descalços
Você deixava vítimas de pernas pro ar
Sempre armado, ligeiros passos
Arrancava braços pra ninguém te dedurar

Ninguém lembra seu nome
Pancadas na cabeca faz neguinho apagar
Arrancou seis dedos, cansou daquilo , partiu em viagem
Agora busca outra

Tô nem aí, tô nem aí
Pode matar o seu vizinho eu não tô nem aí
Tô nem aí, tô nem aí
Pode ficar com sua algema que eu já vou sair

Boca fechada, com três cadarços
Raptou dez menininhas e até um bom rapaz
A sete palmos, foi para o espaço
Nosso vizinho enterrado agora descansa em paz

Ninguém lembra seu nome
Pancadas na cabeca faz neguinho apagar
Arrancou seis dedos, cansou daquilo , partiu em viagem
Agora busca outra

Tô nem aí, tô nem aí
Pode matar o seu vizinho eu não tô nem aí
Tô nem aí, tô nem aí
Pode ficar com sua algema que eu já vou sair
- - -
Só a revolução (Hino)
Eu só peço a revolução
E eles vêm com resolução

São os comportados reaças
Com brincadeirinhas sem graça
Vamos à guerra, é meu apelo
Façamos história a contrapelo

Eu só peço a revolução
E eles vêm com resolução

Pela causa não existe crime
Matar ou morrer nos redime
Há um grande plano, um intento
A quem não concordou eu lamento

Eu só peço a revolução
E eles vêm com resolução

Deixem-me chamar os companheiros
Que cheiram pó ali no banheiro
Todos experts em arapuca
Afinal, são uns filhos de putas

É pedir muito a revolução?
É que não creio na evolução 
- - -
Quase Canibalismo 
Condeno o consumo de algumas carnes
Se eu alego: é quase canibalismo,
Dizem não haver problema em comer gente!
Não há réplica para tamanho acinte.

Podemos viver sem matar mamíferos
Já houve tempo em que isto não era possível :
Ficar sem bife, costela ou hambúrguer;
A fase passou, só que o fato ignoram...

Por não ser cristão, é todo ser meu irmão
Que mama quando filhote indefeso.
Não é por pecado ou por violar almas,
Mas por julgar violência gratuita.

Precisamos de proteína, admito
Porém, não devo ser cruento a quem
Não aprendeu a somar ou vestir calças -
O abatido lega a sua aflição.

Se maior espécie nos dominar
Minha coerência e fala sagaz
Pode imp'di-la de consumir o corpo
Que por anos cuidei e transportei.
- - -
Meu rompante 
O ostensivo som a meu redor
Faz atormentar mentes sem dó
Exceto a dama de batom black,
Assim que a vi fiquei de pileque

Inebriado com o contraste
De sua pele alva, boca negra -
É semelhante à pin-up do pôster -
Meu coração se sobrecarrega

A coruja em seu ombro vigia
Indiscretos olhares cortantes ,
Esse delírio foi meu rompante

Ela some, bem como a alegria ,
Voltarei a beber o fel de antes
Com lembranças da bela passante .
- - -
Contraste 
A dama da pele alva e cabeleira rubra
Incita-me para que descubra
As suas intenções e inscrições
Mas permissão para decifrá-las
Eu não possuo, então perco a fala.

Clara como neve sob a lua
Fria feito mármore ao relento
Se não fosse o calor de suas tranças,
Contraste em uma evidente dança,
Seria gelo solto pelo vento.

Seu suor é a pele que derrete
Pelo calor que emana dos fios ,
Queimando-a de cima pra baixo
E iluminando feito amplo facho -
Me traz à mente um jardim, de lírios.
- - -
Uma companheira ordinária 
Se a natureza humana é boa ou ruim?
Coisa que não sei responder , ow meu chapa .
O homem não vem acompanhado de mapas
Eu sei é dos danos causados em mim.

Sem mestres, sem apoio, sem abraços
Preciso de algo, pois então, o que eu faço?
Descubro a companheira de uma vida
A cara mas ordinária bebida.

Uns tendem a beber para celebrar
Já outros, pra esquecer uns desprazeres
Da minha parte, é para ter um par
Com quem dividir uns vários dizeres .

Poucos sabem o que é solidão
Minha amiga conhece-a bem
Até que me encontrou , Zé Ninguém
Desde então ouve diário sermão.
- - -
De beber e bebês 
Desconfie sempre de gente abstêmia ,
Incapaz de xingar, proferir as blasfêmias ;
É saudável só quem diariamente
Libera os fantasmas do inconsciente.

É verdade, álcool mata e invalida ,
Mas também gera amizades e vida;
Para cada cachaceiro pé inchado
Há três bebês recebendo cuidados.
- - -
Vida em comum?
Uns defendem Vida em Comum
Só que este mundo, Mister Magnum ,
É um lugar insólito e hostil
Nele a esperança se extinguiu.

Difícil dizer o que houve primeiro:
O resoluto isolamento
Ou desconfiança de bandoleiro.
Apenas sei que desoriento

Quando não há viv'alma a quem
Se abrir, entregar , dedicar e inflectir
Fica a vida em comum sempre aquém
Dos sentimentos que outrora orientaram
As pessoas a se unirem e amarem -
Restou este mundo aquecido e gélido .
- - -
Coisa ruim 
A minha voz não se fez ouvir
Nem sequer a três metros daqui
Já que não adianta gritar
Notei que o negócio é surrar

Nesse ramo é preciso talento
Nem todos são capazes de dar
Um tiro com o carro a duzentos
E depois tirar sarro no bar

Nem parece que sou coisa ruim
Da família Damásio eu vim
Toda hora é hora de intriga
Pois carrego o rei na barriga

Vai, vai
Vai, seu merda
Vai, quero ver me aparecer aqui
Quando eu fizer o seu dente cair

Miro o meu shape no espelho
Ajeito esta gola com esmero
Dou um teco , bate-me forte
Comigo então ninguém pode

Quebro a cara do otário no taco
Furo um olho com chave de roda
Deixo o recinto espalhando mil cacos
E chutando o que mais incomoda

Nem pareço que sou tão ruim
Até a vizinha gostava de mim
Eu é que não fujo de brigas
Execro o carrasco que me fustiga

Vou, vou
Vou, sou merda
Nunca mais apareci por ali
Desde que eles me fizeram ruir
- - -
Plantar pra colher 
Se não cultivados, ainda que em ritmo lento,
o gênio mais nobre assim como o solo mais fértil,
não podendo contar com bons ventos,
fazem emanar as ervas daninhas ,
vícios e demais bichos pestilentos
E o que era pra ser afortunada colheita
dos frutos mais ternos e suculentos
se torna uma agourenta colheita
com os frutos mais podres e macilentos.
- - -
Em um dos três dias 
Por três dias vivi na cabana sob o céu azul
Com as mãos pra cima agradecia às graças enviadas
Nós colhíamos languidamente (eu, meu ser e o nada)
Abóbora, manga, cenoura, jaca, pequi e caju.

Precisei só de um daqueles três dias para saber:
A solidão é falsa amiga, vai nos deixar à mercê
Na hora mais sombria ela se torna alma do pesadume ,
Sem ter com quer dividir, o espaço torna-se um negrume.
- - -
Miquinho amestrado 
Não quero ser um miquinho amestrado
Como as outras pessoas que se depararam contigo
Não quero ser outro touro castrado
Como o teu ex-marido vivendo de castigo

Sei que você guardaria rancor
Passando seus dias a planejar vinganças
Pois não aceita que acaba todo amor
Eu é que não quero ser o par dessa dança

Quero que fique a meu lado uma amiga
Teu temperamento só produz confusões
Quando rompes, tu viras inimiga
Me conforta que nem sequer alimentei ilusões

Eu não serei teu miquinho amestrado
Eu não serei um bichinho adestrado
Eu não serei um saco de pancadas
Eu não serei algo menos que nada!
- - -

Nossa morte 
Minha cabeça está cheia
Ela a chacoalha bem forte
Nos destroços fogo me ateia
E jura não querer minha morte

Sabe que todos têm problemas
Mas os dela é que são emblema
Dos conflitos a dois -
A nossa vida se decompôs

Ninguém mais ganhará no grito ,
É o fim do coração aflito
E o começo da melancolia
Que lá de longe ela me sorria .

Enquanto aguardo me enterrarem
Penso que poderia ter feito
Coisas que amantes bem sabem
Mas não quis eu ser perfeito .
- - -
Insociável 
Não teve o efeito esperado
Praticar a sinceridade
Era para ser virtude
Mas quem não possui qualidades
Só poderá ver meu mundo
Através de muros e grades.

Quem nasceu pra ser solitário
Precisa de fases sozinho,
À parte a popularidade
Sigo no modesto caminho,
O preço de ser implacável :
Terei de ser insociável.
- - -
De unha sujaPasso dias a resolver problemas
E mesmo assim, ninguém de mim tem pena
Pensam que fico a coçar o meu saco
Em leituras e textos eu empaco

Dormir horas a fio é luxo
Se o lençol não me cobre à noite
Sem forças, eu nem mais o puxo
Despertar às quatro é meu açoite

A memória ficou na esquina
A dieta é comer só Trakinas
A viola inerte enferruja
Agora que vi, eu tô de unha suja

"Mas essa fase logo vai passar
Aguente o sacode da Bandeirante"
Não posso correr sequer para o bar
Não tenho mais o tempo que tinha antes 
- - -
Lar de japonês 
Em cada lar de japonês
Reverência é costumeiro ,
Só não diga que você fez
Entrar com o pé sujo inteiro!

Vai sair de lá a vassouradas
Eu sempre apoio os atos justos
Esse chumbo trocado é trunfo
Pra casa não ser desonrada.

O anfitrião deve tratar
Sua visita como um rei ,
Como tal se deve portar;
Desse costume eu bem que avisei .

Quem nunca liga para símbolos
Pula o enredo e logo lê epílogo.
- - -
Lar amargo lar 
Lar amargo lar
Velhas brigas de bar
Na parede as medalhas
No pescoço a navalha
Entre o bebê a chorar
O marido a agredir
A esposa a xingar
E um castiçal a brandir

Lar amargo lar
Com a vovó que só ora
As goteiras que molham
Tudo ausente de glórias
A família Goulard
Das inoportunas falas
Que não assume suas falhas
Justo agora se cala

Lar amargo lar
Onde o gás eu entrego
De fachada é seu credo
No caixão pus um prego
Vai à lama chafurdar
Não faltaram indícios :
Do desastre implícito
Ao notório suplício. 
- - -

Parabólica 
Memórias da infância :
No quintal a antena
Imensa parabólica
O vizinho, coitado -
Ceninha diabólica

Não podia brincar,
Sem vez o pique-esconde
E nem o pega-pega
Plantas, mas nem pensar!
Pois o sinal vem de onde?

Será que o vizinho
Foi num sítio viver
Por apego à antena
Maldita e querida?
Me lembro e dá pena. 
- - -
Minha família 
Minha mãe está maluca
Raspou o cabelo pra botar uma peruca
Minha avó fora uma puta
Batia ponto toda noite na Tijuca

Meu tio chama-se Juca
Mexeu com a filha dele o cara surta
Minha irmã virou a biruta
Meteu na telha que só pode comer fruta

Família da gruta
Abençoada pela Cuca
Família astuta
Enxerga o mundo pela nuca

A nossa fera é a Tuca
Um pitbull, mas quem falou que é bruta?
Meu papai é meu truta
Já armamos juntos uma grande arapuca

Família da gruta
Abençoada pela Cuca
Família astuta
Enxerga o mundo pela nuca
- - -
Danifique o seu ídolo 
Viole
Destrinche
Assole
Profane
Aquele que você considerou intocável

Totem
Censura
Dogmas
Tabus
Tudo o que for manejar proibido

A pureza é invenção dos medrosos
A autoridade um dia decai
Enfrentá-la, só os mais corajosos
É hora de sair do colo do pai

Deprede o templo obsoleto
Despreze os seus frouxos lamentos
Danifique o seu ídolo
Dispondo ígneos intentos

Usurpe
Deite
Derrube
Arrebente
Aquilo que considere inviolável

Aja ilegal
Seja imoral
Contrariando
Ironizando
O que não pode tocar, pois interdito

Pureza, invenção de medroso
Autoridade irá decair
Enfrente-a como um corajoso
Papai não está mais aqui

Deprede o templo obsoleto
Despreze seus frouxos lamentos
Danifique o seu ídolo
Dispondo intentos ígneos
- - -
Pulha disperso
Tem que ler o que consta na bula
E tem que ter bala na agulha
Tem que ouvir o que o juiz apura
Pois senão você não passa de um pulha

E se você só pensa em sucesso
Mas não sabe pra que serve o congresso
Aí é quando suplicante lhe peço
Continue bem longe e disperso
- - -
Indômitos 
Invoco os poderes profanos
Da música, do sexo, do amor -
os heróis de um moderno
Licenciosidades romanescas
Que podem libertar da dor
infelizes aprisionados
Pelo vazio da monotonia
e pelos relógios ritmados

Esse cotidiano prosaico
que insiste em ser maior
Que o poder das fantasias
de almas outrora poéticas
Mas que o excesso de pancadas
da maquinaria ruidosa
Tornara derrotadas
e com a aura tão tétrica

Gritemos por nossa autonomia
e vários atos heréticos
com má fama de perigosos
Capaz de elevar aqueles
que não se deixam rotular
muito menos se oprimir
Pelos que julgam-se mitos
como o semideus Aquiles

Inflemos o peito de ar
E com o canto da juriti
Sarcasmo das convenções
Nos faremos indômitos
- - -
Naturezas 
Pensar além : transcendência
Pensar aquém: imanência
Tem dias para lá
e dias para cá;
São duas as naturezas
Minha moral as sopesa
e conclui: devo cair
feito passista em Sapucaí.

Pecado original
coisa do vulgo banal
Sou uma parte homem
e a outra é bicho
Esta os bichos comem
e aquela são caprichos;
Se me censura a Igreja
eu já me apronto à peleja.

Penso, condenso, dispenso
 cosmos, valores, morais
Esqueço, adormeço, esmoreço
 luz, vida, amores, metais...
Relembro que sou este nada
 o ser que tanto me convém
Eu subo e fica tudo bem,
 devo jogar fora essa escada. 
- - -
Tempo inútil 
Os ignorantes alertam "isso é perca de tempo "
Arrogantes ironizam "vida mansa, tá com tempo"
Os fiscais só  lamentam "o seu tempo acabou"
E apressados repetem "vamos, tempo é dinheiro"

Ei, me deixa só
Só para respirar
É meu passatempo
O tempo contemplar

Apenas quem experencia vai dizer
"Não foi nem será tempo perdido"
Então dos vigias não estará à mercê

A sociedade tem rótulos para o útil
Mas o indivíduo sabe o que lhe é profícuo
E manda às favas quem o chama de inútil
- - -
Sem rodeios 
Ouvi dizerem os incrédulos :
"A esperança é mau sentimento,
faz homens crerem no triunfo "
Como se ela fosse um tormento.

Só pode lutar quem espera
que cessem por ora as lamúrias
e amanhã prosperem afãs
Em troca disso faz-se jura.

Covarde, o amigo da razão
 jamais se entrega a devaneios,
pois lucidez é seu orgulho -
Mas que frouxidão sem rodeios!
- - -
Institucionalização
O marginal,
o ponto fora da curva
Corrói o sistema
feito ácida chuva.

Esse caótico
o poder adestra,
Planificadamente
toda a gente faz festa.

Os asnos bradam :
conservação!
Mas desses valores
deve haver inversão.

A mão pesada
do Dino estatal
Cairá sobre nós,
ai de quem não for um igual.
- - -
Ciclos 
Vejo folhas de décadas atrás
A data impressa não permite enganos
Ali o que eu vivi não me arrependi,
São os ciclos da vida se fechando.

Certas destrezas ficaram pra trás
Não é nada que acabe com meu sono
Aqui, dentro de mim, digo: aprendi
Já posso rir vendo meu sol se pondo.