29 de dezembro de 2012

Só para fechar o ano e manter a média mensal


Em atos se fazendo

Eremita, um tanto arcano,
Escuta os prantos, soprando
Entre sapatos e panos.
Eia, de um salto entra o profano,
Errante mulato obsceno,
É ingrato, assim vai procedendo.
E sai do mato o sarraceno,
Está armado, com maça ardendo;
Entoa bem alto seus hinos.

Tem estado nosso assassino
Em estratos, vem decaindo
Espalhado, e dor reluzindo.
Eu sei como trato meu sono,
Escapei do nefasto Cronos;
Estampo no retrato o trono
Espelhado, os nobres repondo.
Ecoa seu brado o forte huno,
Ermo, revirado e profundo.

Encolheste, incauto Bruno!
Epíteto: gato ou Raimundo.


Hesitante

Hesitação, posto ser oposto
À excitação, essa vontade que arde,
É do elo excisão, está avessa a duelos.
Soberba, versa sobre equitação
Não sobe, não sente a tração;
Atração? Só por equiparação.
É o parado palhaço sob porções
De emoção, o espaço do cadarço,
Age calabreadamente.

Irresoluto, solta soluços;
Ao titubear é um tatu ao mar;
A cada vacilo acode bacilos;
Sempre incerto, suspende-se, aberto.
Sujeito inseguro, de ares soturnos,
Por seu jeito indeciso é nunca preciso,
Todos são: ameaça, vício e mordaça.
Tolo, trepida na via entupida
E trôpego se agita, já sôfrego.

Passará a vida a claudicar
Com sua triste cauda a arcar...

º°o0.
P.S.: Que venha 2013, apesar de não prometer nada.

16 de dezembro de 2012

Vontades, Instituições e Ética


Desde que o homem compreendeu que suas vontades são insaciáveis – elas podem ser efetivadas e acalmar a pessoa, mas retornam após um curto período de satisfação e euforia – e que um indivíduo conflita com seu semelhante, ou um povo com seu vizinho, para garantir os próprios anseios (em geral os mais imediatos), líderes entenderam que precisavam regular as ações das pessoas a fim de manter alguma ordem e força do grupo, com fins de sobrevivência, esse imperativo biológico. Em decorrência disso nasceram leis, regulamentos, dogmas, éticas, interditos, etc. Colocaram de um lado os vícios e de outro as virtudes. Os orientais foram mestres na dominação da vontade e muito antes dos pretensiosos europeus perceberam que para haver coesão comunitária e evitar os lobos conterrâneos precisavam elaborar filosofias e cartilhas rígidas, regulando as condutas dos aldeões cada vez mais apinhados, antes sequer destes agirem. Num território com pouco alimento para tanta gente, a saída, enquanto se desenvolviam tecnologias mais eficientes para colheita, lavoura e armazenamento, foi garantir a segurança do povo em detrimento da liberdade. Então as religiões inventaram que liberdade é não ser escravo do corpo, essa frágil matéria cheia de desejos tirânicos, mesquinhos e sem fim, que insiste em perturbar a alma. Comande sua mente, mantenha-se tranqüilo, permaneça sereno e atingirá o nirvana, sem os aborrecedores conflitos terrenos. Todos (a princípio) aceitariam a doutrina pregada diariamente, não discutiriam com a autoridade diretamente enviada pelos deuses e se resignariam com o pouco, mas suficiente, que possuíssem. A idéia de ciclo lhes era lugar comum, apesar de estar sob a alcunha de destino (dharma ou karma). Sem dúvida foi uma práxis útil, pois certas culturas perduraram e se tornaram milenares.

Não estou querendo dizer que esse foi o único motivo das vitórias sucessivas, após tormentas e invasões regulares; desafios que todo vivente enfrenta, como que para provar que merece estar vivo, favorecendo o aperfeiçoamento genético. Porém, é difícil negar sua importância à resistência ante a entropia. Também não quero pregar a estratégia quase sempre bem sucedida de repressão social através de manipulação psicológica em prol de líderes com objetivos nem um pouco democráticos. Por mais que os fins possam justificar os meios, atualmente toda decisão autoritária e impositiva gera focos de revolta, maiores ou menores, eficazes ou frouxos. Cada cultura que defenda seus interesses e prossiga com seus valores, apesar da globalização tender a homogeneizá-los pela primazia da economia, do capital e do consumo. Contudo, vejo que apontar a um caminho único, facilmente identificável e com promessas de felicidade seduz os incautos e necessitados (a maioria) por um pedaço de madeira qualquer para não se afogarem nos oceanos niilistas que cobrem igualmente quase todo o planeta. Essas garantias de satisfação imediata são infalíveis, apesar de danosas para quem um dia se ver marionete. Todavia, uns pensam que viver bem é não se perturbar e outros, que é realizar as aspirações. Em ambos os casos é preciso haver paciência.

O que fazer doravante com essas vontades? Toda ação interfere no ambiente e na sociedade, podendo nesta o fato se dar de forma indireta. É angustiante tomar ciência do potencial de corrosão e destruição que cada um carrega. Isto é, o outro deve ser levado em conta; a ética do libertário é a mesma do tirano, com diferença de escala apenas. Ignorar isso é tentar se imiscuir da culpa de ser mais um ferrando com o mundo já tão judiado. Olhem eles aí, os judeus, que tanto entendem de reprimir as vontades em prol de um deus corporativista e severo com os infiéis, bastante idêntico aos seus eternos rivais muçulmanos. Nessa briga de Jeová contra Alá, a humanidade é derrotada, como sempre aconteceu – os gregos e os nórdicos bem o sabem. Viver com os olhos voltados para o céu, se não for astrônomo com assistentes vigiando as condições dos equipamentos, é correr o risco de ser picado por uma víbora matreira e vil. A evolução não diz que os mais fortes e inteligentes vingam, esse privilégio é dos mais aptos, quase sempre os mais baixos e sacanas. O ser humano, por sorte ou não, está num nível de poder escapar em boa medida dessa grande lei. Os memes falam mais alto que os genes, contudo quase toda moral existente nos grandes povos privilegiou o comportamento de rebanho domado, ou seja, ignóbil – é o preço de ser animal social. Por outro lado, a visão progressista defende uma consistência cultural baseada tanto em idéias quanto em atitudes, com a devida reflexão posterior para ajustar o melhor rumo, sob pena do povo se tornar afetado ou bruto. A problemática está em saber quem terá mais poder: os progressistas ou os conservadores?

Fiz o primeiro passo, que consistiu em compreender, ainda que ligeiramente, o ponto de vista de cima, isto é, o da estrutura: as instituições precisam de alguma maneira seduzir, manipular ou conduzir (ou outro termo mais adequado) seus membros numa direção pra atingir objetivos e valores pré-traçados. Hobbes, Maquiavel, Marx e Weber talvez sejam os pensadores mais notáveis dessa perspectiva. Sem essa arbitrariedade reguladora haveria o risco de anarquia e de barco à deriva, pois confiar nos homens, por si só conseguindo uma convivência pacífica por meio de acordos tácitos e isentos de tabus seria acreditar num nível divino da “natureza humana”, que sabemos ser deveras passional e selvagem. E mesmo a razão não me parece suficiente a evitar o caos e a barbárie, pois sem questionamentos éticos e políticos (sempre relativos), ela é estéril e mecânica, capaz de cometer atrocidades, como a ciência nazista ou soviética, ou ainda segundo futuros distópicos narrados por filmes e livros de ficção científica. Agora quero abordar a visão de baixo, do humano ordinário, que introjeta essas ordens de cima e tenta repassá-las, mas que inevitavelmente se vê diante de dilemas por causa de sua vontade que vai de encontro aos deveres da boa convivência.

O homem não é um elefante que observa tudo de cima e anda devagar, a cuidar de seus parentes e tentando ser discreto, apesar de sua grandiosidade. Nós estamos mais para pavões, papagaios, raposas, cordeiros, lobos, alces, macacos, abutres, ratos e gralhas. Gostamos de aparecer, demonstrar mais importância do que temos, falar sem muita capacidade para tanto e se for preciso voar em cima das sobras. Não é muito fácil convencer as pessoas de que elas são fracas e pequenas sem apelar para a subserviência a um senhor qualquer, fantasioso ou sanguíneo. Apesar dessa pequenez humana há muito que ser feito, o existencialismo tratou muito bem sobre esse tema. Menos pretensão, metafísica e arrogância e mais senso prático. A ciência já nos situou no mundo, restando às filosofias explicar sobre as inúmeras possibilidades de viver melhor e mais livre.

Entre as filosofias que tratam sobre a vontade posso citar estas: budismo, estoicismo, hedonismo, epicurismo e cristianismo. É claro que há muitas outras, mas vou me ater a essas. O budismo, o estoicismo e o cristianismo, grosso modo, compartilham a idéia de que é preciso controlar ferrenhamente os desejos, a ponto de evitar que eles nasçam, por mais difícil que isso possa parecer. Os desejos nos afastariam do que é realmente importante (as virtudes) e nos levariam ao mau caminho (dor e existência infeliz, aqui ou além). Essa defesa do desapego e do asceticismo se torna cada vez mais difícil em um mundo que bombardeia os transeuntes de informações, banais ou nobres, e estimula-os para consumirem. O hedonismo defende o prazer acima de tudo, único bem disposto de sentido, num voluntarismo exacerbado que obviamente privilegiaria os mais fortes e protegidos (piratas ou reis), pois cada passo dado em direção à liberdade, ou libertinagem, é um passo atrás à segurança (a sua ou a dos outros). Nesse caso está mais alinhado com a ideologia capitalista. Já o epicurismo seria um meio termo entre a retidão moral e a devassidão. Ele aceita o prazer como um bem, pois o homem é dotado de várias sensações que exigem afagos, no entanto vincula esse prazer à tranqüilidade do espírito, uma vez que satisfeitos os desejos (rigorosamente selecionados) a pessoa se tornaria mais feliz e virtuosa, instruindo demais companheiros a segui-la.

Em suma, é difícil ficar indiferente perante os fatos da vida, e mesmo que se consiga não há garantia de vida feliz, a menos que haja uma convicção de que a única felicidade possível é aquela quando se consegue não desejar (ataraxia). Também não há garantias de satisfação plena com desejos insistentemente renascidos e penosamente realizados, a música do Rolling Stones toca até hoje, a comprovar que a maioria concorda que não dá para obter satisfação plena, uma vez que o tédio se instala e o vício se presta a dominar o sujeito quando ele menos espera. É um jogo sem vencedores, há no máximo consciência limpa por haver coerência em seguir princípios e normas. Os maquiavélicos riem com os objetivos alcançados a qualquer custo, mas com a condição de desconhecerem os estragos lá do caminho. Já os beatos e monges sorriem sem mostrar os dentes, jurando contentamento ascético. Questão universal e antiga, respostas relativas e contingentes.

Eu queria não passar vontade, mas passo. Talvez a virtualidade conquiste tantos adeptos ansiosos justamente pelo alívio imediato. Eles descarregam suas frustrações, preenchem a carência com atenção superficial e controlam o momento, ignorando as conseqüências, até porque na hora elas são de fato imperceptíveis. Mas tudo volta, os orientais sabem disso há muito tempo. O mundo dá voltas. As coisas passam, mas alguma substância permanece; metamorfoses ocultam o caráter original. Tudo tem um preço, é bom se conscientizar dos possíveis efeitos de cada ação. Assim como a ignorância é uma bênção: os olhos não veem, o coração não sente e o sono é longo e contínuo.
(**(&
 )(*$
P.S.: Ando um pouco desanimado para escrever essas coisas frívolas e de parco embasamento e resultado prático. Venialidades que muitos outros já escreveram, enquanto eu simplesmente repasso ao vento ou aos bytes, ignorando as origens e os leitores. Porém, se eu não escrevesse seria ainda pior, pois acho melhor ser um incompetente do que um incapaz ou inativo.

23 de novembro de 2012

Cada pessoa é uma sombra impenetrável, ainda assim erigimos um prédio de crenças sobre ela


Mamoeiro

Ó, mamoeiro, meu mamoeiro,
Por que não foste um limoeiro?
Talvez parreira ou laranjeira?
Qualquer pé de frutas acres
À minha língua e à minha barriga
Satisfazer acidamente

Um pássaro com sementes planou
Sobre meu quintal anos atrás,
Tinha planos d’alguma terra semear.
Eis que nesta hortinha depositou
O gérmen negro d’outro pomar,
Extraído por um bico certeiro

Lá no alto, além das cercas,
Vejo mamões já putrefatos,
Fora do alcance de gatunos braços.
Reservatório de varejeiras,
Dele nem as aves se alimentam,
Um dia há de cair e adubar
O solo enegrecido igual

Folhas com dedos longos, nove,
Caem do seu braço molengão
Semanalmente – lástima da nudez.
O caule denuncia a amputação
Naturalmente operada a tez,
Indiferente e apressados
Brotam quatro outros galhos

Doo mamão às mamães
Que já muito me deram pães;
De receitas é ingrediente.
Filetes verdes amarelam
Até se alaranjarem nas vasilhas,
Mas no invólucro não se estragam

A cada dia mais imponente:
Mamoeiro, parece que zelas
Por mim e por meu par
Ali, entre as duas janelas
Que mal se prestam a contemplar
A formosura de crescente fruta
...azar da concretude.

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Discussões da Relação


Dançando, ela evidencia a expressão do seu ânimo
Mais elogios deve receber o vestido,
Se não, revolverá a censura, decerto unânime,
Com a gola, o lençol e a toalha umedecidos.


E à solta, com seu desatino, com seus lagartos,
Descarregará as acumuladas frustrações;
O troco: paroxismo da ira num reles prato.
As descargas embaralham nossas dejeções.


O constante sorriso sofreu interferência
As faces alvirrubras encararam-se tensas,
Pois faltou sintonizarmos a exata frequência
E incorremos nesta programação semanal:
Irritadiços pela desatenção usual


Eu refuto, denuncio a tola intolerância.
E o refluxo das más emoções origina ânsias.
Os olhos simplesmente se prestam a hidratar
O que o coração não prontificou-se a regar.


Penso: em todo lar ocultam-se esconsos defeitos.
Lento curso da paz – ainda há luz em meu peito


19 de novembro de 2012

Falar pouco, Escrever muito, Dizer o suficiente


Constatações para surdos

I

Palavras roucas e energizadas se irrompem,
À minha revelia;
Tomara seja o grande meio-dia.
Eu não sei quem sou, só sei
Das poucas coisas que quero,
Sobrevivo, e espero.

Abro-me a muros vendados,
Faço-me de burro vendido,
Então vislumbro o rosto atrás das personas –
Apressadas pessoas em seu já habitual prejuízo.
Corpos eu agito,
Contudo, sem copos
Só os surdos escutam meus gritos,
Só os invisíveis da rua percebem os avisos.

A avó, a neta, as desiludidas, todas
Espiam o outro,
Sempre a possuir defeitos
Insuportáveis, levados pelo vento
Até o vizinho, tronco.

Também denunciam o costume vermelho
Que tenta cobrir a nudez que ruboriza
Os selvagens urbanos.
O íntimo brilha
Através da biju e do celular promocional
Na noite, que o destacam na multidão
Atordoada, à toa,
Dopada.

Dente d’ouro, sorriso nervoso, óculos milanês:
Esconderijos ao bobo freguês,
Deslumbradinho.
E os cães maltrapidos a invejar:
O sol, a brisa, o mar
E o prato cheio.
Não o terno,
Macacão laranja dos vaidosos com pastas.
Mas reprimem: “Ah, vão pastar!”

Duro no ofício, duro no divã, duro na orla
Ou na areia, e claro
No necrotério.
Na autópsia o morto fala, o sangue não mais circula,
Mas finalmente fala,
Pelo que o IML declara.

II

O motorista aguarda, o paciente e o cliente
Aguardam, mesmo o guarda
Aguarda, mas a vaga não aguarda, nem a fome.
Só o imperativo deveria esperar,
Por que gostamos de inventá-lo?
Parece tão bom fila pegar,
Nem que seja pra ser fuzilado,
Como é de praxe –
Prática de apostador ansiando o desespero.

No travesseiro é onde seus olhos enxergam,
Porém no escuro não há controle.
Faltam ornamentos, protocolo ou símbolos
A denunciar o status e o frenesi,
Para isso há aeroportos e táxis.

Ocupação é oposição ao ócio, que é alteridade,
Reconhece os adoecidos
E os solitários, e as úlceras.
Nem todos descobriram seus bálsamos e placebos,
Mas panacéias são propagandeadas.
Na tela o tolo vê celeridade
E celebridades em série:
Um galã, ou uma modelo, anuncia
E um idólatra blasé compra suflês,
Sem parar, sem parar. Sem parar!

Enquanto isso, o choro é engolido etilicamente
E a mágoa sai via baforadas;
Os venenos entram e saem,
E a culpa é dos caciques.
Os ecos da infância nunca se esvaem.

O discurso fácil é curto e curtido
Por meio das pichações virtuais.
Vigia-se e pune-se tumulto
No coreto ou nos murais.
Então o papo de botequim tornado gratuito
Folhetim é lido por homens-meninos.
O jovem vilipendia a imagem no espelho
E fantasmas irradia, é o seu destino.

Para decifrar as coisas do mundo, tão fortes,
Enigmas de morte,
Agarra-se às certezas, sempre miúdas
E tomadas de empréstimo:
Rebento ascético.

15 de novembro de 2012

Mente Ocupada


Participem. Ei, participe! O que você acha que vai conquistar na vida, ficando aí parado? Quem hoje está aí ao seu lado, e se diz grande amiga, se mexerá e amanhã partirá num cavalo alado. Mente Ocupada. Vamos embora, camarão que dorme a onda leva! Todo aquele que se enerva sucesso alcança. O restante contempla o objeto, inferindo pra que lado pende a balança. Mente ocupada. Mente ocupada. Ninguém fará algo que tu almejas, os outros tomarão por ti as decisões, depois não culpa o destino ou os signos por supostas conspirações. Quem não arrisca não petisca e quem deixa a vida lhe levar acaba sendo por ela levada. Mente ocupada. A correnteza do rio tudo apanha e transporta, deixando as tranqueiras em sua curva que nunca transborda. A natureza sempre dá um jeito em seus excessos, mas o homem raramente sabe o que fazer com os dejetos. Recicle. Reciclemos. Eia! Mente Ocupada. Cada ação gera uma reação, cada ato nosso é um treino. Inteira, meia, mais, menos... Menos?! Pela sinergia, sigamos trabalhando; dados à base somemos. Se a quantidade de informações aumenta exponencialmente, como então separar o joio do trigo? Ah, o que é importante costuma encontrar seu abrigo. Mente ocupada. Mente, ocupada.

Mente ocupada. Ocupada do que ainda nem veio, tampouco se vislumbra surgir, mas está para um dia emergir, e prontamente em todos irá acoplar, a fim dela acabarem por sugar. Regra do mercado: novidade obcecada por gente, gente compulsiva por novidades. Assim é ditada a vida na vazia e populosa cidade. Mentes ocupadas. Há sempre um pouco mais de caldo numa polpa não o bastante explorada. Obstante a distração, a manada de búfalos ensandecidos carrega consigo poeira e os seres por predadores e coletores esquecidos. Inda não consigo ver a saturação que anunciaram, talvez tenha sido um lapso. Temos que ir, rápido! Vamos lá, a caravana não para e as aberrações descartáveis assumirão em breve outra roupagem, mais cara. Mente ocupada. O demente não é de todo culpado por sua flagelada condição, aqueles que o criaram, deveras ocupados com o zelo de suas obrigações, deixaram vaga a carência arduamente sondável. A sociedade gira feito patinadora de pistas alvas, e girando evita que a inércia produza um desastre insanável. Se o planeta se recusasse a rodar, vidas não seriam salvas, pois vagariam pelo espaço sideral. Oh, sem ritos fúnebres: a derrocada do bem e o triunfo do mal! Mente ocupada. Ocupada, ela não mente. Mentes culpadas só há quando desligam seu piloto automático; ao seguir o sistema cada prenúncio de má consciência dissipa-se de imediato. A rede corporativa trata de encontrar o bode para os remorsos de seu grupo num subúrbio expiar, afinal existem profissionais exclusivos para indicá-lo. No fim, a massa conhecerá só o canto do galo. Mente ocupada. 

Não conteste, obedeça! Tente, compare, ande, ou melhor, corra! na esteira, você verá que não é tarefa difícil. Que o deserto dentro do seu peito cresça. Até os grãos saírem por todos os seus orifícios. Vendê-los-á como se de ouro fossem feitos. E não é assim que todo o Executivo vem sendo eleito? Mente ocupada. Hoje os corvos pairam sob a luz do sol, acabou-se o que um dia se nomeou respeito. Cultivam na selva de pedra o que jamais foi coisa nativa. Estripulias à parte, jogar o jogo com as regras dos bichos de preto poupa os amadores das brigas. Observam a sombra projetada até constatarem que é aquilo que deve ser: verdade induzida. Mente ocupada. Gente ocupada com serviços braçais, e seus patrões nem ligando para os repetidos “uis e ais”. Porque logo atrás deles há uma fila indiana dando volta no quarteirão; a ignorância é fruto dos ciclos e das manias, nunca da subversiva reflexão. Enquanto isso, chefes e subalternos mantêm os pulmões estufados e as faces longe do chão. Mente ocupada. Suposta mente racional, suposta gente liberal, a mão-de-obra continua sendo lucrativa; encher faminta barriga é preterido quando há bolsos a preencher. Coisa dita reiteradamente na tevê, mas quem é o audacioso que dessa forma a lê? Não as mentes mal ocupadas. Ocupada mente, falando e se achando. E outras mentes dela rindo e debochando.

Replique os rabiscos à mão na porta: jovem adora pensar que choca, pois convive com montes de bosta, que desconhecem o político em quem votam, seguem apenas pegadas da trilha da tropa. O juvenil, a cada esquina que dobra, julga o que passou como sobra, somente vale o aqui e agora, ao vento e ao relento formulários solta. E doravante ocupa-se com esta frota: repetição incessante de gestos duma mosca já morta. Sai! Enxota daqui, vire suas costas a essa gente tão torta, que pretensiosamente diz que de boas coisas gosta, enquanto desgasta a nobre madeira com sua viciada rosca, sem porca. Mente ocupada! Consuma, pois bem, não é disso que o mercado precisa? Sim, também. Precisa de gente ávida pelo que a maioria já tem e pelo que pode ser que venha. A técnica utilitária descobriu esta nossa senha: desfrutar daquilo que convém e tratar um infeliz com desdém. É forçoso a mala estar cheia. Mente ocupada. Pessoas tão ocupadas, o processo que antes desafogava em prazer, então é tratado como dever. Sem balada não posso ficar, meu videogame tenho que jogar, não saio de casa sem me perfumar, minha garota logo vou descartar. Fetichismo em evidência: tudo visível é objeto. Foi-se a suposta má consciência. Gozo o máximo que puder, meu corpo pede submissão, e seja o que Deus quiser. Pergunto: quem foi dominado? Mesquinho garoto abusado, jogue a moeda, tudo tem dois lados. Mente ocupada. Mente danosamente ocupada. Danos na mente, danos no corpo, psicossomático. Não preciso ser doutor, xamã ou matemático, os índices falam por si. Olhe, mais uma farmácia, logo ali, homens de branco atendem doentes sem fim. E quem, na sua aconchegante caverna, percebe a própria loucura? Ignorância é bênção, feridas ela sutura. Iludir-se com as convicções é inventar sua cura. A mentira repetida verdade se torna. O engodo a face abobada adorna. Felizmente, a realidade sempre retorna. A menos que a mente nunca deixe de se ocupar. Sendo assim, encontra outra mente a culpar. Mente ocupada.

P.S.: Tentar ler cada § numa talagada só.

27 de outubro de 2012

Incorporando Wittgenstein à minha incipiente filosofia


Tive várias aulas sobre Wittgenstein e acabei sendo influenciado por sua filosofia. Se você não conhece o filósofo, já sabe o que fazer: pesquise. Num primeiro momento eu teimei em aceitar as suas ideias que rompiam com a tradição metafísica, em especial a cartesiana, que balizou o pensamento ocidental devido ao seu bem fundamentado dualismo sujeito e objeto. Eu mesmo me vi confrontado; a minha pesada bagagem cultural e intelectual de nada valia: questões éticas, políticas, estéticas, metafísicas e religiosas não passariam de non sense e falatório vazio, aquilo que o austríaco chamava de “roda solta”. Ou seja, toda aquela clareza e convicção dos pensadores ao longo da história de que havia o mundo de um lado e o sujeito pensante de outro, com a necessária conclusão de que a realidade era inferida pelo observador, tinha o mesmo valor de conversa fiada em botequim ou em salão de beleza. Isto é, psicologia popular, porém com insígnias aos acadêmicos que se julgavam acima da carne seca.  

Mais tarde surgiram as polêmicas entre empiristas e racionalistas, mas isso não importava, pois ambos tinham a referência como fundamento do conhecimento ou, para usar um termo específico, da epistemologia. Enquanto as ciências naturais se desenvolviam, paralelamente as ciências humanas precisavam se encaixar em algum método para garantir algumas certezas, ou pelo menos se justificar. É claro que sem as pretensões de um saber exato, afinal seu laboratório são as intranqüilas relações sociais. Assim que padrões eram descobertos, “naturezas humanas” eram anunciadas, com uma crescente cobertura midiática. Era como se tudo que saísse do homem possuísse essências, restando aos cientistas, ou filósofos, descobri-las, ainda que elas se esquivassem feito galinha matreira. Então a terra se abriu, dragou as ilusões e fez um estrago no círculo intelectual equivalente a um tsunami ou a uma hecatombe. Uma perspectiva devastadora talvez no mesmo nível das assombrosas descobertas de Einstein e de Planck, contemporâneos do também excêntrico Ludwig.

Esses anos 1920 foram uma aventura mesmo, o pós-guerra 1.0 prometia muito, foi preciso um pós-guerra 2.0, e posteriormente sua derradeira (tomara) versão 3.0, para o homem receber lições de humildade a fim de não ferrar com tudo e simultaneamente não viver (ainda) em cenários futuristas, de odisséias no espaço, de viagens no tempo ou de eugenias com fins para lá de duvidosos. As perspectivas da vanguarda eram espantosas, bastava o indivíduo mergulhar de cabeça nas filosofias da época para virtualmente viajar para outra dimensão, dispensando tecnologia e alucinógenos. O problema é que grupos, ou antes memes, conservadores exerciam seu costumeiro papel de freio e de visão dura da realidade insossa. São tantas idéias que precisam vingar e tantas pessoas com inveja da felicidade e da subversiva criatividade alheia que não podem permitir contínuas ameaças ao status quo; para ambas o mais provável efeito dessa dança das cadeiras é a balbúrdia e a anarquia, ainda que os reacionários depois de alguns anos ou gerações venham a se adaptar às mudanças e se insiram no contexto (pós) moderno. Quem pensa devagar precisa viver devagar, delegando aos aventureiros os riscos da vida perigosa, autêntica e artística. Esses pioneiros pagam o preço por se desprenderem da embarcação, deixando a correnteza cumprir seu destino. E eles não ligam por terem sido molhados e, porventura, terem engolido água, pois às vezes só uma enxurrada pode retirar do espírito as crostas da tradição.

Voltando... Wittgenstein reduziu as questões filosóficas a esclarecimento lingüístico, deixando o filósofo como mero limpador das vidraças – ou seriam lamparinas? – textuais. No máximo a sua inovação viria de perguntas perspicazes e pertinentes. É claro que a galera deu chilique, afinal todo mundo perderia o emprego e a pompa do dia para a noite, restando contar aos alunos sobre história da filosofia e praticar a exegese sobre os calhamaços acumulados até então, pois a especulação em busca das verdades já era. Sim, desapareceram: a verdade, a essência platônica ou mesmo aristotélica e as perguntas do tipo “o quê é isso”. E daí? Através dos jogos de linguagem as pessoas continuariam a se entender. Cada palavra, cada frase, cada contexto, cada prática, cada passo na teia argumentativa forneceria significados, muitas vezes únicos e na maioria dos casos efêmeros, mas que teriam sua efetividade. Assim como nem tudo na vida é gravado fidedignamente pela memória, os significados de cada jogo realizado entre duas ou mais pessoas são intercambiáveis, como uma bexiga passada de mão em mão que ora enche, ora esvazia, até um engraçadinho acabar com a brincadeira. As regras gramáticas, apesar de postas a priori a fim de possibilitar um entendimento universal, não impedem a criação de outras regras durante o uso. É como o futebol, que começou com certas instruções básicas e hoje é jogado de várias maneiras, com a exigência do gol e da bola no pé para haver um vencedor no final, no caso de ser algo mais que uma brincadeira.

Doravante, todo dono da verdade passou a ser ridicularizado por quem compreendera o relativismo das questões humanas. A verdade está aqui, no mundo, cabendo à linguagem proferi-la, com o homem sendo seu humilde porta-voz, não há o que ser feito a fim de colocá-lo num pedestal como gênio da nação. É claro que o poder, a grana e outros artifícios continuaram a seduzir vários incautos para prosseguirem com as homenagens magníficas em direção da vanglória – fato compreensível, porquanto a maioria das pessoas é maleável e carente e utiliza lógicas pouco rigorosas. O Geninho foi uma pessoa esforçada que captou os fatos com os recursos disponíveis e com uma lógica impecável. Houve mais um avanço da ciência, viva! Agora, o que isso significa para a vida de bilhões de pessoas deste planeta? Pouca coisa.

O que realmente interessa aos terráqueos dotados de articulação simbólica não são as questões científicas ou filosóficas, são aquelas não naturais e bastante existencialistas. Eles irão invariavelmente adotar uma postura sujeita a contestações sem fim, pois é sem referência e está aquém de verificações. Mas sua vontade pessoal, e conseqüente satisfação, bastariam como réplica. Quem estrutura a própria vida fugindo das contradições passará por apuros, com chances de entrar em pane rapidinho. Abraçar uma filosofa por inteiro demanda várias compromissos, do contrário transbordariam incoerências. As filosofias não concorrem entre si, cada pessoa pode puxar um pouco de cada uma delas, atentando-se às incongruências práticas desse ecletismo. Não há progresso aí, há o que o estruturalismo ensinou: fases históricas de desenvolvimento que podem se comunicar e que dispensam hierarquias. Tanto é que mitologias milenares vigoram em todos os pontos do planeta onde existam grupos sociais atrás de “virtudes” e “bem-estar”.

Essa metafísica é importante, mas não enquanto busca por verdades, e sim por sentido. Cada um tem preferências, gostos e afeições – algo mais subjetivo seria impossível –, logo é bobagem querer padronizar os costumes. Haverá sempre arbitrariedade, tanto para um indivíduo solitário quanto para um líder autoritário. Dar valor a certo costume é garantir a sua verdade (no sentido de convicção) ou reconhecer que esse hábito é verdadeiro é valorizá-lo? Confrontar juízos é comparar entre as opções disponíveis o que é melhor para a própria vida, assim vão sendo consolidadas convicções e rumos, só após percorrer esses caminhos a pessoa poderá julgar a própria conduta. Os projetos devem ser traçados – é bom lembrar que deixar de escolher é uma escolha – para no fim serem frustradas ou garantidas as expectativas. Com o preenchimento delas ao longo da vida a pessoa obterá muitos significados, entre eles o da alegria à existência, que talvez seja o anseio mais universal de todos: felicidade sem remorsos. Contudo se nada disso tiver sido feito, a tentativa de inércia máxima continuará válida. Não há garantias para além do querer, há apenas o esforço de se conduzir bem e a esperança de atingir bons resultados. É nesse subjetivismo que a ética, avessa à verdade objetiva, inevitavelmente atinge a todos, responsabilizados por seus atos sociais. Olvidar não se pode das punições institucionais, tácitas ou expressas, pois mesmo que todo pensamento correto seja válido (não há pecado) nem toda ação é válida, pois com ela perturbamos terceiros, avulsos à ética do agente.

Joguemos, enfim, a escada fora, sabendo separar o que é a estrutura lógica que fornecerá epistemologias, que são de pouco valor ao cidadão do mundo, e o que é jogo de linguagem e da existência, que muito diz e valora, só podendo ser objetado por alguma contradição intrínseca que nem dará curto circuito no caso de autoengano. Por outro lado, as referências tradicionais (Deus, Ciência, Estado e Leis) batem em nossa cabeça o tempo todo com seu atiçador de lareira importuno, lembrando-nos de que a civilização cobra seu preço: o mal-estar dos impulsos necessariamente reprimidos. Sorte de quem age e se projeta contentemente. Ele é compreendido e se compreende, dribla o niilismo que sai por uma porta e entra por outra, e ainda preenche a sua vida e a dos outros com sentido. Sentido diverso daquele de até então, empurrado goela abaixo, e agora arbitrariamente (também consensualmente!) construído, em parte à revelia dos poderes vigentes, com fins de satisfação cínica. Sem os rigores de metodologias cartesianas, mas pragmático, o sujeito falará o que o mundo (não uma cultura isolada) permite pensar e praticar. Por fim, é aconselhável agir sem hipocrisia, seguindo as regras propostas e acordadas, visto estas possuírem pretensões universais, para os relacionamentos não descambarem em sofismo: ética do vale tudo, jogo social bárbaro e sem sentido além de violência gratuita, acusações ou vandalismo. No mundo e na linguagem está todo o segredo da realização. Isso é o que minha interpretação confusa conseguiu captar e traduzir para vocês, meus críticos compreensivos.
 §Ś
P.S.: Favor perdoar a miscelânea de perspectivas sem aprofundamento, o castelinho ainda está sendo erguido, e sem a devida minúcia de engenheiro.

10 de outubro de 2012

Quebrando o fogo, tão, tão... escancarado


Livre associação contra o que pesa

O inconsciente flui sem amarras
É o resquício dos ancestrais
E milhões de roteiros surrealistas
Perdem seus quadros originais

Desperta, a mente se choca;
O tempo volta a soprar nossas vidas
Desperdiçadas e despedaçadas.
O real é uma bola de ferro
Apenas sentida em sonhos sondáveis

Na dormência o lirismo se ergue
Ser invencível, não é mais sujeito,
Efetiva todos os anseios,
Do único amor sobretudo,
Sem queixas, sem orgulho

Livre a percorrer o fundo
A identidade se põe ambígua
E solvida, e sorvida, tão ativa,
Pois seu poder não foi confrontado

O som das espadas no embate
Rouca garganta após debates,
Que os rubros olhos destratem.
Em seu peito os cães latem, e latem
Contra as mãos que nunca repartem,
Alegando a primazia da arte.
Insensível, sem risco de enfarte,
Dispensa tratar da sua parte

Cá, mundo que pesa e lhe trava;
LA, vidas ideativas se jungem.
Absorto por cobiçados quadris
Pode o impassível sonhar
Imagens censuradas que surgem
Insondáveis, mesmo sob velas,
Mas os olhos se prestam a revirar –
Monstro verde que cava, e cava...


Histeria das amigas

- Constranja-me, eu me curvo,
Despeje em mim todo seu dilúvio,
Grite, para que as demais casas
Saibam qual de nós é culpado,
Afinal em quatro paredes
É a vaidade inexpressiva.
Aborrece a distância da enseada

- Comprima, encolha, esprema;
Escancare a dominação.
A você a vingança é dos fortes,
Além da repentina emoção
   À flor da pele,
Pode assim vislumbrar flores.
  Poda meus galhos
Sem cogitar que isso fere

Teme, treme, geme, você
Perdeu a gustação do sêmen
E saudade sente dos galanteios.
Compraz-se com rodeios de outros
E o dedo em riste me alerta:
És como poucos,
  Um agressor prostrado e calado.
É a vítima arisca quem acusa,
 Em modo destemperado

Quando fala o coração
Fugir não é uma opção
Sob o feitiço, a obnubilação.
O real? É só mais uma ficção

Qualquer discordância enerva,
Serei, para sempre, condenado,
Por minhas razões e reações
Não haverá juíza Minerva.
Puna-me, Hera megera
Estou pronto, puna-me,
Mon amie

21 de setembro de 2012

Medo do feio


Ninguém gosta de ser medroso. Alguns podem, no máximo, dizer que gostam da sensação intensa transmitida pelo medo (o caçador de aventuras), da adrenalina disparada (o viciado em emoções) ou da certeza de estar vivo e lutando por algo (o fugitivo), nem que seja só para escapar. Porém ser medroso contumaz é o covarde, o fracasso, o inerte. Sufocamento, paralisia crônica, vômitos, afasias ocasionais, lapsos de memória e desmaios são sintomas de uma doença grave, e quem buscará esse sofrimento angustiante? Os hipocondríacos inventam enfermidades pelo prazer da cura, dá poder. Como contraponto ao derrotado, enfrenta-se os medos e segue-se adiante. A origem deles, na verdade, pouco importa, provavelmente foram ocasionados por traumas na infância, pelas tenebrosas histórias contadas por quem queria aterrorizar ou se aliviar ou então pela ansiedade que o desconhecido provoca. De fato, é improvável que não haja alguém que não se choque com algum episódio, animal ou objeto, horripilante, imprevisto ou grandioso. Mas não é porque houve uma aflição instintiva que aquilo se transformará em fobia, existem níveis do medo.  

Quero unir essa idéia do medo com a da beleza, para ser mais exato, com a feiura. Nós só julgamos algo como feio se isso nos desperta ameaça ou repulsa, portanto queremos distância dele, mesmo sem sabermos exatamente o motivo. Creio que é por nossa exclusiva atração pelo belo, que nos será bom e conveniente, de algum modo. Mas, se acabamos convivendo com várias coisas desagradáveis, por conseguinte, como explicar essa incongruência? São acasos e questões culturais. O garoto vai aprendendo desde cedo o que deve ser valorizado e o que deve ser rejeitado, tendendo a optar pelo que lhe é mais aprazível; contudo, a vida não se resume a flores e fadinhas. O bicho papão e os invasores parecem estar sempre à espreita. Contudo, as coisas pelas quais não se tem controle vão se acomodando, sendo adaptada pela pessoa, que alterará seu ponto de vista perante o antigo incômodo. Ao menos enquanto ela tiver amor-próprio; a vida gosta de quem gosta dela.

Aliar-se à beleza – o que o indivíduo, mas sobretudo seu grupo, julga belo – é elevar o poderio, a autoestima ou o bem-estar do ser. E quem não quer essas coisas, não é mesmo? Falar em teleologia pode ser reacionário ou antiquado, porém a felicidade como o objetivo da vida é quase uma unanimidade, apesar dos inúmeros e heterogêneos grupos sociais no mundo. Associar uma vivência feliz com os imperativos de verdade, justiça e solidariedade é um desafio que quase todos se impõem, à exceção dos que maldizem a vida e dos nefastos – infelizes incuráveis. Dessa associação ao belo surge o bom, uma vez que é desejável e aumenta a força, ou seja, há uma relação muito estreita entre a estética e a ética. Por outro lado, é difícil saber o que veio primeiro, se o feio ou o medo: teme-se a feiura e acha-se feio o que desperta temor. No entanto, como explicar o fascínio de muita gente pelo grotesco e pelo perigoso?

Ao afrontar os receios ou o paralisante, elimina-se a covardia. Maturidade exprime a perda de medos. Quando se está na terna infância se é destemido, pois o menino se acha o dono e o centro do mundo; ao perceber a própria fragilidade e impotência diante do exterior, ele passa prontamente a acumular temores. No processo (adolescência), o garoto vai se livrando deles, ou ao menos fingindo, com seu lado negro devidamente camuflado, até se tornar um adulto intrépido, arriscando-se a realizar suas vontades, senão será um pusilânime completamente resignado e esperando que outrem satisfaça suas aspirações – seria timidez doentia. Nem sempre é fácil tirar os fantasmas quase fossilizados de dentro de si, não é incomum ter que se exercitar perspicaz e insidiosamente contra as associações que neutralizam e sufocam. Através do contato constante com o repugnante (genericamente falando) a aversão vira indiferença. Ao mesmo tempo vão-se o feio e o medo.

Essa mudança de visão estimula novas sinapses, que definirão o modo como se depara e encara as situações e os objetos do mundo. Decorre disso o ecletismo, a malemolência e a coragem de superar o que vier pela frente, ou quase tudo, afinal ninguém é invencível. É inevitável que o mundo se torne mais belo, pois encontrar algo terrível, logo feioso, seria raro. Pode ser que haja uma indiferença excessiva, uma insipidez ubíqua, porém basta despertar a vontade de realizar e de conquistar para brotar de novo aquela sensação de estar diante do sublime, não no sentido kantiano de desinteresse, quase monge, mas na afecção que fortalece. É nietzschiano: a fruição estética da vida é que estimula-a e fornece seu sentido. O artista compreende os dois pólos (negativo e positivo ou belo e feio ou bom e mau) e acaba ampliando sua perspectiva, com experiências que o permitem sentir melhor o fenômeno e construir afirmativamente sua existência, apesar da ambigüidade.

O medo é efeito de uma angústia exacerbada, que se caracteriza por: desproporção entre o estímulo externo e a reação da pessoa, algo um tanto paranóico; discrepância entre as manifestações corporais e mentais, a pessoa não sabe direito onde está, o que fazer e como se sente; e desarmonia interna. A partir desse esquema vemos que o belo não condiz com os temores, pois ele se caracteriza pela harmonia e proporção, ao menos no sentido clássico – podemos configurar a arte moderna saída de uma tensão desejada, e não descontrolada -, portanto um sujeito destemido, razoável e sensível poderá ver as coisas com seus óculos de filtros estéticos. Andar numa terra de ninguém e repleto de dilemas só gera mais apreensão. Querer e não querer, ser e não ser, fazer e não fazer, e tudo o mais que paralisa; nada é solucionado, enquanto a fobia infla e germina na cabeça e no peito, sendo perceptível, e também não! Não pode a fronteira entre fantasia e realidade ser delimitada, e nem se almeja isso, é mais seguro delirar. Escarro e escárnio: sem responsabilização não há ousadia ao proferir juízos estéticos, é só perdigoto saindo da boca.

Nem tudo é permitido, algumas coisas devem continuar feias, pois se elas são prejudiciais não há como se tornarem belas. O que não é válido para si nem para a sociedade ficará à parte, execrável. A polêmica é o modo pelo qual essa taxação ocorreu: se houve uma reflexão ética ou se foi automática, pelo habitual preconceito, que carrega consigo seus bodes expiatórios, contra o incomum e o alvo fácil (o indiscutivelmente feio). Mas nenhuma questão ética é de resposta fácil, soluções simplistas merecem a desconfiança de qualquer um ligeiramente cético. O esclarecimento e a flexibilidade ajudam a dissipar as nuvens negras da tempestade infinda.

Etnias primitivas costumam aproximar-se do tenebroso. É aquele velho ditado maquiavélico: “tenha seus amigos por perto e seus inimigos mais ainda”. É questão de reconciliação, controle e diplomacia. O morto volta a ser um membro prestativo. O desafeto passa a se ambientar, a fim de se tornar mais um amigo, ou ao menos alguém minimamente querido. Pela troca de experiências ambos aprendem muita coisa. Então vemos carrancas, caveiras, esqueletos, pinturas que gritam, mostram os dentes e agitam. O ritual é contagiante, a morte deixa para trás o que não voltará, o morto e o medo enterrados descansarão após a passagem, o “demônio” não será mais “o coisa ruim”, pois apenas um ser incompreendido e afastado. A repetição dá previsibilidade, a re-encenação habitua o povo às personagens. O vermelho deixa de ser fogo que flagela, é paixão que anima; o preto não é mais as trevas que capitula o ser e leva-o ao vazio, torna-se sobriedade; a faca que mata também alimenta. A simbologia é mera questão de reposicionamento e a feiúra, de domesticação – à exceção dos tabus e dos monstros intocáveis e impronunciáveis que nos rebaixam.

“Quem ama o feio bonito lhe parece”, realmente, no mínimo ele será “bonitinho e simpático”. O autoengano nos engaja a continuar perto dessa beleza peculiar, pois do contrário seria autodesprezo – sem doses de fé nenhuma civilização vingaria. O amor colore (quase) tudo em volta. Não há como gostar e trazer para perto algo que deveria ser considerado feio e assim continuar sendo. É antinatural se associar ao que ameaça, se alguém se mutila é porque não suporta mais o fardo da vida, ou seja, perdeu a esperança na própria potência. Faltará pouco para o suicídio se não houver um grande amparo. Às vezes é só isto que o inditoso almeja: chamar atenção dos outros à própria miséria, impedindo a felicidade geral. Para muitos é insuportável notar a alegria alheia sem encontrar-se nesse estado. Emergem o ódio, a evitação, a confusão, a rejeição e a fria e doce vingança. A tática empregada é a de prejudicar o grupo para que mais alguém se afogue ou para que esse tristonho enfim consiga comandar alguém ou algo para então cuidar um pouco de si.

Envenenar, isto é, sabotar a coisa até então envolta pela aura de beleza é um grande teste para saber se ela continuará bela e se o observador aguçará seu senso estético. O grotesco deixa de ser assombroso, não há mais anomalias incompreensíveis, destarte pode-se passar para uma próxima etapa – talvez a algo mais grotesco, em tudo há níveis. Dessa forma, o monstro não crescerá a ponto de ser impossível de enfrentá-lo. Ficar sem chão não é o fim do mundo. O estranho, o exótico e o bizarro incomodam (fazer o quê?) e despertam um instinto de proteção e afastamento, que na verdade se resume a etnocentrismo; uma mente aberta, um espírito convidativo e uma pitada de fibra impregnam o sujeito de audácia para enxergar beleza onde poucos ali a veem. 


1 de setembro de 2012

A marra do urbano



Um indivíduo quanto mais jogado no mundo, sem apoio e sem ser foz de rios de expectativas, mais precisará compensar essa falta de background com marra, a famosa marra de malandro. Não falo apenas de garotos de rua de nossas metrópoles ou mesmo de cidades menores com falta de planejamento social. Quero abranger todas as pessoas que não herdaram uma tradição, que não receberam educação além da formal, que não carregam sobrenomes ou comunidades nas costas, nos rostos, na pele, na roupa, na valise ou em outro tipo de bagagem. E não se trata aqui da maioria da população ocidental? Quem consegue detalhar sua árvore genealógica além da 3ª geração ou tem um objeto qualquer com mais de 80 anos? E nem precisa possuir uma obra de arte, que antes não valia um tostão e hoje vale uma nota preta, simplesmente por ser relíquia e símbolo de uma época pouco compreendida. Basta haver estórias de vovô para contar aos filhos, netos ou sobrinhos.
Sem a tradição o que restou de nós? A vida, ou seria sobrevida? Se não houver um abraço desesperado numa metafísica fajuta de feirante, com suas mentiras adaptadas a “novas eras”, a efêmera existência perderia seu sentido, não é mesmo? Ela jazeria ali, em convulsões, se debatendo em delírios, sejam histéricos, melancólicos, hiperativos ou depressivos, dependendo do surto diagnosticado na época – moda de consultório. Triste de quem perdeu todas as suas raízes e não encontrou um solo fértil ou não possuía ímpeto para semear sua exótica semente. Triste também de quem se apegou à primeira árvore que pareceu promissora, com frutos bonitinhos à primeira impressão, mas que depois se revelou improdutiva, às vezes justamente por ela acolher hospedeiros demais – exércitos de pragas irrequietas! Triste, enfim, de quem cavou a própria cova; ao menos a natureza dele cuidou. Há tristeza em toda parte do árido terreno niilista, após a derrocada da clássica moral.
Contudo, vejo que a maioria, ainda que instintivamente, luta por um bom lugar ao sol. Como proceder, depois de perceber que seguir as cartilhas da autoridade ludibriadora não alcançou boa posição? É insuficiente segui-las, pois não somos organizados e imparciais como detalhadamente constava nos relatórios. O paraíso terreno (leia-se sonho americano) é dos espertos. Pouco adianta ser melhor aluno e não possuir talento e nem ser posicionado pelos bem relacionados (o tal background citado). Pouco importa ser um pulha a vida inteira se a sorte lhe sorriu e a isca foi mordida na hora certa; é bom para ele e pior pro resto. É incrível como tantos sonham em ganhar na loteria a fim de “resolver a vida” (dispenso comentar acerca das conseqüências da fortuna repentina) e como filmes de planos mirabolantes de assalto a banco ou desvio de contas financeiras cativam o público em geral (a inveja, a ganância e a preguiça não abandonam mesmo nossos bons cristãos). Aparentemente, a vida fácil, regada a champanha, mordomos, secretárias e piscina na cobertura, é a meta de cada projeto de pequeno burguês; para chegar lá, se não for o filho do dono, passa-se a perna nele.
Mesmo que se desista desses sonhos grandiosos, dos roteiros de Stallone ou Jet Li, das megalomanias juvenis sem fundamento além da idolatria, o mínimo que se quer é isto: destacar-se na praça, passar de invejoso para invejado. Entra, então, o título do texto e nosso assunto principal: a marra do urbano. Por que só a dele? Porque só na cidade ela faz sentido, a vida campestre, cabocla ou rural, ou mesmo a indígena, é mais previsível, os papéis sociais são mais bem definidos e o script da vida foi como que escrito de antemão, povoando o imaginário dos habitantes. Dessa forma, por que teimar, revolucionar ou recusar tais costumes? Que os incomodados se retirem. Que os acomodados se reiterem. É o cenário clássico: anos e anos de fluxo harmônico, gente pacífica e satisfeita com a rotina. Não é preciso de marra, visto que cada membro é rapidamente identificado. O indivíduo liberal carece de sentido, a pessoa não irá se empenhar por glória ou fama exclusiva, por que ela representa muita coisa: família, vila, etnia ou classe. Pintar uma imagem com a aquarela do marketing pessoal seria vender poesia para analfabetos. Nenhuma cultura se forma a partir de esforços inúteis isolados.
Do outro lado, na cidade grande, o que se passa? É a lei da selva de concreto, cada um por si tentando se salvar, claro que sob a máscara da habitual hipocrisia para não causar danos fatais a colegas e demais transeuntes dispersos. Atrás da fachada do corporativismo as coisas se complicam, pois sobre o tapete competitivo as proteções acabam servindo de estímulo a tapetes serem puxados, se os seus respectivos donos não se precaverem de antemão. E as promessas são de pouca serventia sem provas materiais. A primazia da honra é substituída pela da melhor reputação. De fora, parecem babuínos se revezando no poder. Através da estratégia da marra, da pose, da aparência VIP, o cidadão consegue algo: sua posição, ao menos enquanto durar o castelinho de cartas. Ele afugenta os demais marrentos e prospecta outras escaladas. Como não havia muito que perder lá no começo, o peso nas costas é quase todo selecionado. Os ousados que não têm a quem prestar contas mal sentem o peso de suas mochilas durante a jornada do alpinismo social. Sem as tralhas da herança de gerações zelosas, podem poupar tempo nas paradas burocráticas, e passam incólumes.
Ao mesmo tempo em que se precisa ouvir para aprender lições, preenchendo o escasso caderno de anotações, precisa-se também falar (e muito!), ainda que não se diga uma só frase inteligente ou informativa, desde que seja espirituosa e crível. O mundo está cheio de gente querendo ser seduzida, ansiando por lorotas bem contadas. O mundo orgânico progride, em grande parte, devido a esses mutualismos, pouco importando quem é o mais beneficiado, desde que ambos se sintam ajudados. O ambiente dos seres ilógicos evolui através das falácias; sejam elas difundidas, o verde passará a brilhar nos olhos de quem quer vê-lo. Achar um equilíbrio entre as entradas e saídas de dados, da maneira mais eficiente possível, visando sempre se destacar e se fazer influente, é uma obsessão ao marrento. Este afastará de si os entendidos, ele não poderá jamais assimilar pretensões não marrentas – compreensível incompreendido. Sobretudo, não se deve parecer triste ou humilhado, nem derrotado, no máximo permite-se passar por vítima, a fim de ser acudido e a justiça refeita. O coitado é o primeiro a ser esmagado pelo frio trator metropolitano – a compaixão foi reposicionada como coadjuvante nas lendas infantis. E dela logo as crianças se esquecem.
O ator se descobre diretor. Não há mais ninguém lhe apontando a posição exata e o caminho ao tesouro. Porém, esse diretor inexperiente não sabe como se ordenar, e se atrapalha ao comandar os outros. Nesse inesperado momento de passada de bastão, qual é a tática infalível? Fingir importância, elevar matreiramente a auto-estima a ponto de o outro possuir menos dúvidas sobre a capacidade do marrento do que este teria consigo. E o vaidoso passa a se convencer justamente por esse feedback. Mas que joguinho de Lego com peças floreadas de falsas expectativas! É uma questão prática: vale a reputação e a capacidade de influenciar com menor hesitação. Nessa intensa e pretensiosa disputa social, onde quem se vende melhor lucra mais, o mundo gira feito roda solta, pois seu eixo é imaginário. Entretanto, sem qualquer movimento ou ilusões o ato de encarar o vazio seria insuportável. E o tédio predominaria num recinto de faces com expressões blasés num chá das 5. Portanto, deixemos essa marra a quem for de direito exercê-la, apesar de depararmos, após retirarmos o manto sobre a carcaça, com mais uma cena triste: competidores arfando por carniça. Enquanto isso, a esperança sustenta fragilmente um projeto ético por uma sociedade mais autêntica. 

9 de agosto de 2012

O homem só ensina bem o que para ele tem poesia


Em redes não mais

Em redes de pesca, redes imperiais
Em redes virtuais, ditas sociais,  
Tecem as aranhas teias exatas,
Filamentos invejados por engenheiros,
Com materiais tão banais valorizados,
Pois o sistema inspira e dita o que é bom;
Hoje o Deus louvado é bem gordo,
Não cabe em si após tralhas juntar

Já os invertebrados não notórios
Vagarosamente copulam,
Parindo randomicamente
E infestando o dorso de mulas
Inadvertidas, relincham a quem se lixa

Insetos sociais vivem para a rainha
Inchar, violentar e hierarquizar
Até, enfim, sua princesa herdar
Essa coroa subterrânea de lama
Amaldiçoada por quem não for usar
Esses requintados adornos, em fé –
Simbolismo difundido por Josés

A rainha de copas de Alice
Assombra coelhinhos no epílogo,
Que já sofriam com lendas caboclas
Seu papel: aterrar nossos tímidos.
Góticos se enlutam, vacilam e soluçam
Xarás diferenciados de penas se enfeitam
Parecer frígidos todos evitam,
Nessa amálgama de faces pintadas
       É a solução camuflar

Como se ocupassem o banco dos réus
Desenhos animados em peles
Já sem espaço para a livre expressão
E argolas inoxidáveis em poros
Com aberturas deveras transigentes
Sorriem de volta a rostos fechados;
A simpatia substitui olhares no breu
E condensa peremptoriamente
Esses ares austeros,
            tão fugidios

Tentando ser porta-voz ser da geração
Que muito grita, comunica tampouco,
Ao menos um loquaz membro atento:
         o locutor,
       que escarrou em prosa
Seus ilegíveis versos soturnos,
Deixando a desocupados compiladores
Da posteridade
                          o retrato da época;
E quem se beneficiaria com seus relatos
Lotado passou, tão imune, tão vago,
            Feito vaga-lume em festejo.

Em São João os fogos não atordoam,
Não mais.   
Rapaz?  
Não mais...

Obs.:  Fase poética a minha,
     quem vai nu caminhar
  sozinho nunca irá caminhar

8 de agosto de 2012

Poesia é para ser dita, não lida


Sardinha

Explodiam sardinhas enlatadas
Microondas é uma caixinha imprevisível
Não deixem seus fedelhos manuseá-la
Mas toda criança adora apertar botões
E atirar pedregulhos com estilingues
Afugentando passarinhos e bichanos

Apesar de a maioria categorizar
A maldade é um juízo moral
Se a praticamos é por ignorância
Porém todo mundo foi contagiado
Viver é sobreviver, que é atropelar

Parasitismo é constante natural
Pratique-o, usufrua-o, releve-o
Beije seu calmo hospedeiro,
Acaricie seu verme infeliz
Revele a mais íntima das preces
Esgotadas por falta de uso
É nosso padrão (ação por osmose)

Lamente após, derramando todo o sal
Constante nas lágrimas sangrentas,
Contudo vitais, ou capitais
Apenas se vão o que nós esquecemos
E as oportunidades não agarradas

Garras de presas apressadas
Descuidadas com as viseiras bem vazadas
Vasos de imberbe, de sangue inerte
Pés gelados – defunto distraído
Diante do corpo sem vida esta fez sentido

Lá a sirene grita, quer chamar atenção
No meio da gritaria da urbanização
Há Pelés e Sennas e Gugas
Que sonham em se firmar no esporte
Simplesmente arfam, e buzinam
Na cidade; ninguém se importa
Exceto quando um deles assassina

E o vendedor de pescado fresco
Esperneia e repete os chavões
E suporta o chato a seco
Fora do rio sempre há calor
Que só é refrescado por sacolas cheias
Só queira a cheia que cheira

As donas-de-casa sustentam a nação
Com primazia suposta da economia
Especialistas objetivos insensíveis!
Onde está a integral explicação
Que eu aprendi desde cedo a aceitar?

Descubra a sardinha espinhosa
Seleciona e retire as espinhas
Ou engula-as, sufocando gentilmente
Uma hora o coração não baterá
Mesmo, que você não possa comprovar
O mesmo que contemplar róseas rosas
- Espero que sufoque sinceramente

4 de agosto de 2012

Só Conto com VogOl


Comodoro Rondon, o ortodoxo mor, pôs no colo Bob do olho torto, o nono gnomo. E no monólogo, o conforto foi o sonho do prof.°, tolo Lord do povo bronco.
Ponto pro corso, com o gogó fez som do toró no porto do Congo – sopro roxo.
Forço o ponto morto do coro, solto o nó dos seus pomos, forjo logo o nosso prólogo, dobro J. Boscos no torso e corto foscos moços. Gongo: voz no tom, Dodô! No dó, não no sol!
Já tonto do sol, com dor, sofro por Bog (novo God dos ogros). No Box o cocô do Goro não foi odoroso; por Fobos no Orco, que tombo doloroso...
Sem nosso longo mojo, nós todos somos bobos e cômodos.
Como ovo de corvo no morro dos Xopotós, pois moro em Comodo.
Como hot dog chocho ou bolo com molho de mocotó do John (o morfólogo probo), tão gostoso! Como no forno o cotoco tem gosto bom, roo o osso do porco. Só o pombo gordo deu nojo. Xô, bolor com odor de bromo! Zonzo por mofo, rolo.
Oponho on e off: ozono é on, fóton é off. Podo-os e morro no toldo solto.
Com dons ponho o dobro do cosmos no lombo.
Nos ombros do ostro Gorpo posso pôr loló, é o modo Cocoon do lôro do Bozo – um log do torpor.
Rodo de Golf com o cosmólogo que gosto e topo ir pro show do Bono Vox em Foz. Ver cornos tontos por socos no pogo deu dó.
Polos opostos: torço por pop sob o rock, vosso xodó.
Jorro fogo por poros no nosólogo Jô, com posto em Tororó.
Tomo no copo gorós e zombo do rosto dos bocós: robôs toscos num domo.
Jogo na Loto, rogo dois prós; oh, no! Oco, oco, “lôco” como os godos, boto fogo no bongô e movo o dorso do “dotô”, o zoólogo zorô.
Que o Zorro pomposo, tocólogo em Homs, vá com vovô e Bozó no vôo, sob fog, dos Woods. Pronto, vovó, foco no cós, OK?!
É gol do odontólogo Jó, da cor dos obongos e rolo da Ororo.
Somo combos no solo do dojo, ao som do ronco do gobo, e com dolo soco no coco do homo com bojo de pompom. 
Totó foi com o bombom pro topo; volto e ploft!, só gomo de lodo. Molho o rodo e monto rolos homólogos a tocos de cromo.
Os lobos são fofos no zoo, e fogosos em Soho, no horto da Ford.
Compro o nono tomo de Gogol, book top! Por votos, dôo tal book pro oclófobo Tom, e folgo no golfo, sem job, com food, so good!
Fodo no octógono o potro e no poço, o polvo; por Fox eu gozo – pornô gonzo.
Se for ao fosso poroso posso ter mols de boro. Dobro meus bolsos e folgo do trono.
o
O
Obs.: Como não foi possível escrever frases compreensíveis apenas com palavras com O, usei o mínimo possível de monossílabas com outras vogais, como: a, de, sem, não, são, é, da, ir, já, etc.