23 de novembro de 2012

Cada pessoa é uma sombra impenetrável, ainda assim erigimos um prédio de crenças sobre ela


Mamoeiro

Ó, mamoeiro, meu mamoeiro,
Por que não foste um limoeiro?
Talvez parreira ou laranjeira?
Qualquer pé de frutas acres
À minha língua e à minha barriga
Satisfazer acidamente

Um pássaro com sementes planou
Sobre meu quintal anos atrás,
Tinha planos d’alguma terra semear.
Eis que nesta hortinha depositou
O gérmen negro d’outro pomar,
Extraído por um bico certeiro

Lá no alto, além das cercas,
Vejo mamões já putrefatos,
Fora do alcance de gatunos braços.
Reservatório de varejeiras,
Dele nem as aves se alimentam,
Um dia há de cair e adubar
O solo enegrecido igual

Folhas com dedos longos, nove,
Caem do seu braço molengão
Semanalmente – lástima da nudez.
O caule denuncia a amputação
Naturalmente operada a tez,
Indiferente e apressados
Brotam quatro outros galhos

Doo mamão às mamães
Que já muito me deram pães;
De receitas é ingrediente.
Filetes verdes amarelam
Até se alaranjarem nas vasilhas,
Mas no invólucro não se estragam

A cada dia mais imponente:
Mamoeiro, parece que zelas
Por mim e por meu par
Ali, entre as duas janelas
Que mal se prestam a contemplar
A formosura de crescente fruta
...azar da concretude.

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Discussões da Relação


Dançando, ela evidencia a expressão do seu ânimo
Mais elogios deve receber o vestido,
Se não, revolverá a censura, decerto unânime,
Com a gola, o lençol e a toalha umedecidos.


E à solta, com seu desatino, com seus lagartos,
Descarregará as acumuladas frustrações;
O troco: paroxismo da ira num reles prato.
As descargas embaralham nossas dejeções.


O constante sorriso sofreu interferência
As faces alvirrubras encararam-se tensas,
Pois faltou sintonizarmos a exata frequência
E incorremos nesta programação semanal:
Irritadiços pela desatenção usual


Eu refuto, denuncio a tola intolerância.
E o refluxo das más emoções origina ânsias.
Os olhos simplesmente se prestam a hidratar
O que o coração não prontificou-se a regar.


Penso: em todo lar ocultam-se esconsos defeitos.
Lento curso da paz – ainda há luz em meu peito


19 de novembro de 2012

Falar pouco, Escrever muito, Dizer o suficiente


Constatações para surdos

I

Palavras roucas e energizadas se irrompem,
À minha revelia;
Tomara seja o grande meio-dia.
Eu não sei quem sou, só sei
Das poucas coisas que quero,
Sobrevivo, e espero.

Abro-me a muros vendados,
Faço-me de burro vendido,
Então vislumbro o rosto atrás das personas –
Apressadas pessoas em seu já habitual prejuízo.
Corpos eu agito,
Contudo, sem copos
Só os surdos escutam meus gritos,
Só os invisíveis da rua percebem os avisos.

A avó, a neta, as desiludidas, todas
Espiam o outro,
Sempre a possuir defeitos
Insuportáveis, levados pelo vento
Até o vizinho, tronco.

Também denunciam o costume vermelho
Que tenta cobrir a nudez que ruboriza
Os selvagens urbanos.
O íntimo brilha
Através da biju e do celular promocional
Na noite, que o destacam na multidão
Atordoada, à toa,
Dopada.

Dente d’ouro, sorriso nervoso, óculos milanês:
Esconderijos ao bobo freguês,
Deslumbradinho.
E os cães maltrapidos a invejar:
O sol, a brisa, o mar
E o prato cheio.
Não o terno,
Macacão laranja dos vaidosos com pastas.
Mas reprimem: “Ah, vão pastar!”

Duro no ofício, duro no divã, duro na orla
Ou na areia, e claro
No necrotério.
Na autópsia o morto fala, o sangue não mais circula,
Mas finalmente fala,
Pelo que o IML declara.

II

O motorista aguarda, o paciente e o cliente
Aguardam, mesmo o guarda
Aguarda, mas a vaga não aguarda, nem a fome.
Só o imperativo deveria esperar,
Por que gostamos de inventá-lo?
Parece tão bom fila pegar,
Nem que seja pra ser fuzilado,
Como é de praxe –
Prática de apostador ansiando o desespero.

No travesseiro é onde seus olhos enxergam,
Porém no escuro não há controle.
Faltam ornamentos, protocolo ou símbolos
A denunciar o status e o frenesi,
Para isso há aeroportos e táxis.

Ocupação é oposição ao ócio, que é alteridade,
Reconhece os adoecidos
E os solitários, e as úlceras.
Nem todos descobriram seus bálsamos e placebos,
Mas panacéias são propagandeadas.
Na tela o tolo vê celeridade
E celebridades em série:
Um galã, ou uma modelo, anuncia
E um idólatra blasé compra suflês,
Sem parar, sem parar. Sem parar!

Enquanto isso, o choro é engolido etilicamente
E a mágoa sai via baforadas;
Os venenos entram e saem,
E a culpa é dos caciques.
Os ecos da infância nunca se esvaem.

O discurso fácil é curto e curtido
Por meio das pichações virtuais.
Vigia-se e pune-se tumulto
No coreto ou nos murais.
Então o papo de botequim tornado gratuito
Folhetim é lido por homens-meninos.
O jovem vilipendia a imagem no espelho
E fantasmas irradia, é o seu destino.

Para decifrar as coisas do mundo, tão fortes,
Enigmas de morte,
Agarra-se às certezas, sempre miúdas
E tomadas de empréstimo:
Rebento ascético.

15 de novembro de 2012

Mente Ocupada


Participem. Ei, participe! O que você acha que vai conquistar na vida, ficando aí parado? Quem hoje está aí ao seu lado, e se diz grande amiga, se mexerá e amanhã partirá num cavalo alado. Mente Ocupada. Vamos embora, camarão que dorme a onda leva! Todo aquele que se enerva sucesso alcança. O restante contempla o objeto, inferindo pra que lado pende a balança. Mente ocupada. Mente ocupada. Ninguém fará algo que tu almejas, os outros tomarão por ti as decisões, depois não culpa o destino ou os signos por supostas conspirações. Quem não arrisca não petisca e quem deixa a vida lhe levar acaba sendo por ela levada. Mente ocupada. A correnteza do rio tudo apanha e transporta, deixando as tranqueiras em sua curva que nunca transborda. A natureza sempre dá um jeito em seus excessos, mas o homem raramente sabe o que fazer com os dejetos. Recicle. Reciclemos. Eia! Mente Ocupada. Cada ação gera uma reação, cada ato nosso é um treino. Inteira, meia, mais, menos... Menos?! Pela sinergia, sigamos trabalhando; dados à base somemos. Se a quantidade de informações aumenta exponencialmente, como então separar o joio do trigo? Ah, o que é importante costuma encontrar seu abrigo. Mente ocupada. Mente, ocupada.

Mente ocupada. Ocupada do que ainda nem veio, tampouco se vislumbra surgir, mas está para um dia emergir, e prontamente em todos irá acoplar, a fim dela acabarem por sugar. Regra do mercado: novidade obcecada por gente, gente compulsiva por novidades. Assim é ditada a vida na vazia e populosa cidade. Mentes ocupadas. Há sempre um pouco mais de caldo numa polpa não o bastante explorada. Obstante a distração, a manada de búfalos ensandecidos carrega consigo poeira e os seres por predadores e coletores esquecidos. Inda não consigo ver a saturação que anunciaram, talvez tenha sido um lapso. Temos que ir, rápido! Vamos lá, a caravana não para e as aberrações descartáveis assumirão em breve outra roupagem, mais cara. Mente ocupada. O demente não é de todo culpado por sua flagelada condição, aqueles que o criaram, deveras ocupados com o zelo de suas obrigações, deixaram vaga a carência arduamente sondável. A sociedade gira feito patinadora de pistas alvas, e girando evita que a inércia produza um desastre insanável. Se o planeta se recusasse a rodar, vidas não seriam salvas, pois vagariam pelo espaço sideral. Oh, sem ritos fúnebres: a derrocada do bem e o triunfo do mal! Mente ocupada. Ocupada, ela não mente. Mentes culpadas só há quando desligam seu piloto automático; ao seguir o sistema cada prenúncio de má consciência dissipa-se de imediato. A rede corporativa trata de encontrar o bode para os remorsos de seu grupo num subúrbio expiar, afinal existem profissionais exclusivos para indicá-lo. No fim, a massa conhecerá só o canto do galo. Mente ocupada. 

Não conteste, obedeça! Tente, compare, ande, ou melhor, corra! na esteira, você verá que não é tarefa difícil. Que o deserto dentro do seu peito cresça. Até os grãos saírem por todos os seus orifícios. Vendê-los-á como se de ouro fossem feitos. E não é assim que todo o Executivo vem sendo eleito? Mente ocupada. Hoje os corvos pairam sob a luz do sol, acabou-se o que um dia se nomeou respeito. Cultivam na selva de pedra o que jamais foi coisa nativa. Estripulias à parte, jogar o jogo com as regras dos bichos de preto poupa os amadores das brigas. Observam a sombra projetada até constatarem que é aquilo que deve ser: verdade induzida. Mente ocupada. Gente ocupada com serviços braçais, e seus patrões nem ligando para os repetidos “uis e ais”. Porque logo atrás deles há uma fila indiana dando volta no quarteirão; a ignorância é fruto dos ciclos e das manias, nunca da subversiva reflexão. Enquanto isso, chefes e subalternos mantêm os pulmões estufados e as faces longe do chão. Mente ocupada. Suposta mente racional, suposta gente liberal, a mão-de-obra continua sendo lucrativa; encher faminta barriga é preterido quando há bolsos a preencher. Coisa dita reiteradamente na tevê, mas quem é o audacioso que dessa forma a lê? Não as mentes mal ocupadas. Ocupada mente, falando e se achando. E outras mentes dela rindo e debochando.

Replique os rabiscos à mão na porta: jovem adora pensar que choca, pois convive com montes de bosta, que desconhecem o político em quem votam, seguem apenas pegadas da trilha da tropa. O juvenil, a cada esquina que dobra, julga o que passou como sobra, somente vale o aqui e agora, ao vento e ao relento formulários solta. E doravante ocupa-se com esta frota: repetição incessante de gestos duma mosca já morta. Sai! Enxota daqui, vire suas costas a essa gente tão torta, que pretensiosamente diz que de boas coisas gosta, enquanto desgasta a nobre madeira com sua viciada rosca, sem porca. Mente ocupada! Consuma, pois bem, não é disso que o mercado precisa? Sim, também. Precisa de gente ávida pelo que a maioria já tem e pelo que pode ser que venha. A técnica utilitária descobriu esta nossa senha: desfrutar daquilo que convém e tratar um infeliz com desdém. É forçoso a mala estar cheia. Mente ocupada. Pessoas tão ocupadas, o processo que antes desafogava em prazer, então é tratado como dever. Sem balada não posso ficar, meu videogame tenho que jogar, não saio de casa sem me perfumar, minha garota logo vou descartar. Fetichismo em evidência: tudo visível é objeto. Foi-se a suposta má consciência. Gozo o máximo que puder, meu corpo pede submissão, e seja o que Deus quiser. Pergunto: quem foi dominado? Mesquinho garoto abusado, jogue a moeda, tudo tem dois lados. Mente ocupada. Mente danosamente ocupada. Danos na mente, danos no corpo, psicossomático. Não preciso ser doutor, xamã ou matemático, os índices falam por si. Olhe, mais uma farmácia, logo ali, homens de branco atendem doentes sem fim. E quem, na sua aconchegante caverna, percebe a própria loucura? Ignorância é bênção, feridas ela sutura. Iludir-se com as convicções é inventar sua cura. A mentira repetida verdade se torna. O engodo a face abobada adorna. Felizmente, a realidade sempre retorna. A menos que a mente nunca deixe de se ocupar. Sendo assim, encontra outra mente a culpar. Mente ocupada.

P.S.: Tentar ler cada § numa talagada só.