27 de agosto de 2011

Enquanto isso, no Café...

Entre burburinhos e risadaria:
- Hey brother, esse povo se expõe demais, é nítida a atitude dos mais jovens, que parecem achar que o mais importante é a imagem, querem a fama acima de tudo, mesmo sem terem talento, justificativa para o sucesso e base psicológica para alcançarem e sustentarem essa exposição, bem como o julgamento dos desconhecidos que isso acarreta.
- Concordo contigo, por medo e pela superficialidade das relações muitas pessoas crescem com déficit de caráter e sem formação ética do que é uma sociedade forte; então, vemos os juvenis mostrando suas intimidades a quem não lhes interessa realmente, enquanto se fecham a quem deveria realmente importar. É como se julgassem que o outro também se satisfizesse com a falta de profundidade, pois é conveniente perceber as qualidades que cada indivíduo acha que possui e escolhe transmitir, ficando a vaidade confortável com o mundo da aparência e com os defeitos todos escusos, supostamente.
- Pois é, pois é, são juvenis e incautos... Como se não houvessem símbolos inconscientemente transmitidos, ou ainda, como se cada significante não formulasse sua própria verdade, que inevitavelmente é diferente de quem a comunica. Muito por culpa da mídia, esse reino de duas almas contrapostas, a busca pela verdade sem hipocrisias, e a busca pelas matérias que rendam anunciantes e mais vendas.
- Ah, a mídia, essa rainha do segredo aplicado, que informa e também desinforma, mas que, sem dúvida, forma um mercado leitor-consumidor, ávido pelo prazer das notícias e que alimenta e é alimentado pelas corporações marqueteiras. São negociantes e clientes com almas despedaçadas, com astigmatismo, impossibilitadas de ver além do aqui e agora.
- Sim, conseguir enxergar a médio e a longo prazo é um talento restrito, nossos ancestrais se contentavam em planejar o sustento da semana. O imediatismo, a fugacidade e o hedonismo devem lidar com o tédio, a preguiça e o vazio a que somos estimulados, num mundo onde quase todos os valores ruíram. O que restou? O individualismo e a necessidade de pertencer a um grupo idiota qualquer para poder ser rotulado de descolado e participativo. Porém, o interesse de fato na solidariedade e na construção gradual de uma sociedade mais sólida em termos econômicos, técnicos, de qualidade de vida, de maior equidade social e de formação ética e educacional fica para os velhos e tiozinhos de cabelo branco que em algum lugar mandam no mundo.
- Perceba, quem é que consegue enxergar e olhar claramente além de 50 anos? O homem e as sociedades foram se formando com o passar de muitos anos e nós mesmos somos agentes de transformação delas; querendo ou não repassamos valores, e se não os contestamos, ficamos coniventes com o presente que nos é imposto, jogando a culpa na tradição. O mundo continua a fluir e continuará desse modo enquanto houver vida, porém o humano é o que mais teve poder e possibilidade de mudá-lo, e com as tecnologias atuais pode mudar quase tudo, a seu bel-prazer; grande perigo que deve ser remediado com profundas reflexões éticas de pensadores, juristas e especialistas do momento.
- É, mas a ciência não tem resposta para tudo; ela se roga como a maior autoridade do momento, cadeira que antes era dos teólogos e dos sacerdotes, e pensa legitimar todas as verdades advindas dela, esquecem os cientistas que mesmo a fria e insensível lógica, e demais processos científicos, são construções humanas, portanto passam por questões morais e éticas, que relativizam as verdades. As conclusões sempre serão passíveis de dúvida e de suspensões de veredictos.
- Gosto dessa abordagem, a ciência sempre será humana, porém não é suficiente às vivências rotineiras, cabe às religiões, às artes e às filosofias esse papel de dar sentido à vida, tanto em comunidade quanto isoladamente, na medida do possível. Você já conhece minha postura crítica, polêmica e restritiva à religião – quero evitar me delongar ainda mais sobre ela; através da arte cada pessoa poderá explorar aspectos da própria vida e expor sua perspectiva da realidade, se permitindo abrir ao mundo e engajando outras pessoas a fazerem o mesmo: que todos sonhem, inventem, trilhem seus caminhos e sejam criativos, há infinitas maneiras de fazer e de perceber algo, porque continuar a repetir, a repassar, sem ruminar, o que foi recebido? Numa linha semelhante encontram-se as filosofias, elas traduzem em linguagem mais racional, esquematizada e metafórica essa atitude artística da vida, respeitando e estimulando a liberdade, as singularidades e subjetividades de cada ser, admitindo realidades paralelas e pensando nas implicações éticas e políticas de tamanhos interesses, diversos e difusos.
- Depois dessa aula, preciso tomar um gole deste líquido precioso (glup, glup). Ahhh! Pensam que os juízos moldam nossos desejos e anseios, mas ocorre o oposto. É a armadilha de ser racional demais, quer-se aperfeiçoar e acaba com o efeito inverso, de se sair prejudicado. Essa lógica instrumental destrói a auto-conservação, passa-se a viver um pesadelo, que gera emoções negativas, viciosas. Emoções positivas, que dão alegria, bem-estar e maior ligação com a natureza e a vida social é que deveriam ser almejadas, também penso que a arte e a inversão de valores nocivos à experiência corpórea e intelectual sejam um bom caminho a ser perquirido.
- É, às vezes temos insights maravilhosos que dificilmente são expressos em linguagem vulgar ou comum, mas eles são sensações únicas, quando a terra se abre e o véu de Maia é retirado; apenas o indivíduo consegue entender, e aqueles poucos mais desenvoltos em simbolismos alternativos conseguem explicar e traduzir esses signos tão pessoais. Ocorre então uma emancipação, uma salvação, uma autonomia, por um meio aparentemente egoísta, mas que é compassivo, pois há o desejo de que outros tenham o sentimento de pertencer à humanidade e de sublimar a existência, e sem moralismos!
- Sei, é como se conseguíssemos parar o tempo, retroceder e avançar o olhar e então se orgulhar da própria vivência e da tentativa de melhorar o mundo. A liberdade esclarecida e o existencialismo que se abre à alteridade, sem enterrar a metafísica – sem recorrer a um materialismo radical que tudo objetiva e quer arrogantemente controlar –, admitindo fluxos, choques e afetos, como uma saída, mesmo que provisória, isto é, transitória a certas fases da vida, contudo satisfatória aos tormentos emocionais e às assustadoras contradições racionais. Não que esses terríveis fantasmas desapareçam de uma vez por todas, mas descansarão toda vez que se recorrer às livres meditações esclarecidas e solidárias.
- Eu gostaria de me dividir em quatro (um para estudar, outro para trabalhar, mais um para se divertir e outro para se relacionar), a fim de continuar essa construtiva e fluída conversa que tivemos, mas como sou apenas um, devo ir embora e cuidar da vida, até mais, valeu.
- Até mais ver, obrigado pela conversa de nível.

25 de agosto de 2011

Apenas duas opiniões (doxas)

1 - Questões metafísicas persistem, as neurociências, que passaram a assumir o encargo (momentâneo) da filosofia contemporânea, o de acabar de uma vez por todas com a agourenta metafísica (para os lógicos, racionalistas e materialistas), parecem se julgar – sem qualquer modéstia – detentoras da teoria de tudo, assim como ramos especulativos da física, que já dão sinal de desistência dessa empreitada hercúlea, para não dizer onipotente. Basta aceitar o perspectivismo e a psicologia tradicional, que admitem subjetividades únicas, que por vezes são classificadas no mesmo rótulo ou padrão apenas por analogia, uma necessidade imperativa da nossa lógica maníaca.
Se fossemos apenas a matéria, ou seja, o cérebro destituído de mente/alma/espírito, um conjunto, mesmo que complexo, de processos físico-químicos, estaríamos reduzidos a um órgão, isto é, o eu, o indivíduo, o ser humano, seria a sua massa encefálica, e qualquer afirmação no sentido de efetuar projeções, imaginações e ideologias seriam quimeras de um maluco metafísico; que coisa ultrapassada há tanto tempo! E olha que quem simplificava e reduzia em generalizações interessadas a realidade (aparente e/ou efetiva) eram os primeiros cientistas e pensadores. Sugestões e conclusões oferecidas por filósofos da mente devem servir como contraponto ao reducionismo acima criticado, a fim de compreender melhor o que é humano, que com certeza é mais do que algoritmos e gráficos extraídos de ressonâncias magnéticas.
Enfim, eu defendo que temos que acreditar em alguma coisa, pois o cinismo e o ceticismo, que são radicais no sentido estrito, ficam parecendo atitudes de idiotas, um escapismo, uma avocação de posturas supremas, porém sem sentido, apesar do rigor lógico intrínseco a essas correntes de pensamento. Porém, o homem não é uma máquina que só executa ordens, mesmo que internas (da própria psiqué), é preciso conviver com as contradições, oras; só os tolos desejam e advogam nunca cair em paradoxos. Afinal, o princípio da não-contradição não resolve problemas existenciais, um pouco de pragmatismo é importante.

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2 - Em problemas e realidades tão atuais e recentes, sob mudanças e transformações provenientes especialmente da rápida evolução tecnológica e das invenções e traquinagens que mais servem para fins hedonistas do que utilitários à sociedade em geral – leia-se desfavorecidos de primeiras necessidades –, velhos hábitos, antigos conceitos, ultrapassadas práticas, deslocadas atitudes, noções démodés, todos eles permanecem, portanto não realizam efetivas mudanças. Assim como a legislação não acompanha, na mesma velocidade, as mudanças sociais, as pessoas não se associam ao avanço técnico das máquinas e teorias científicas, mundos paralelos emergem e submergem continuamente.
Na tentativa de pensar sobre temas demasiado contingentes, autores elaboram teses e expõem conclusões incipientes, que pululam a toda hora, dessa forma é possível que diminua o hiato entre o que acontece e o que é inferido historicamente (de forma verdadeira), devido ao crescimento exponencial do número de análises – mesmo eu sabendo que quantidade não significa necessariamente qualidade. Todavia, é óbvio que antes de dez anos nenhuma tese se solidifica, se surgem obras que influenciam fortemente alguma área do saber, é de se desconfiar, é provável que houve um mero comportamento de manada.
A aparência, que no mundo da imagem parece ser tudo o que pode haver (num primeiro momento), domina e influencia; afinal, instintivamente tendemos a favorecer os apelos visuais, e quanto mais chamativos eles forem, mais a memória atuará em esforço conjunto com as específicas redes neuronais para guardar a lembrança, e os sentimentos e seus hormônios correlatos atuarão identicamente, para que deem a impressão de lembranças vivas e frescas, quando de seu resgate. É o mundo da pose que insiste em se sobrepujar ao senso crítico. Contudo, sobre a prevalência dos sentidos ou da razão abstrata, fico com o antigo ditado “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”.