23 de fevereiro de 2014

O Artista entre a Razão, as Crises e os Saltos



I
A racionalidade esquematiza. O espírito de geômetra compreende o mundo através de estruturas. Porém, esse mundo é feito de eventos, não de abstrações. Hume nos ensinou que qualquer que seja a expectativa (por mais racionalmente elaborada que seja), ela será apenas fruto do hábito. Nas dissonâncias há mais pureza que nos discursos lineares. É impossível ter certeza de que algo vai acontecer simplesmente porque sempre aconteceu assim. Não há argumento ou expressão matemática que conteste isso. Atualizações são constantes e transformações de vez em quando ocorrem. Kant e os positivistas tentaram contornar essa verdade ingrata, mas a postura cética humiana é terrível, invencível (ao menos em meu ponto de vista). Que cada um aprenda a conviver com o imprevisível. 

Esse foi o primeiro ponto (a razão leva ao ceticismo). Ciente ou não desse fato, todo mundo precisa tocar sua vidinha. No caso de se aceitar esse inconveniente (não ter certeza do que acontecerá em qualquer situação) a angústia emergirá, o estômago dará sinais de aperto e o coração dará sinais de arritmia. Três saídas eu vislumbro: viver conforme o hábito, como se o ceticismo não existisse (como a maioria procede); tentar fazer tudo com base em certezas (risco mínimo); ou dar um salto de fé (uma aposta), ou seja, a cada momento de escolher entre ‘para lá ou para cá’, optar pelo que parece melhor. 

Este é o segundo ponto: para vencer a crise gerada pelo ceticismo esse salto de fé deve ser realizado constantemente. Essa terceira via parece ser a mais adequada, pois é a que melhor une razão e emoção. Viver é uma arte, que se expressa soltando os bichos que desarranjam a psique. Naturalmente queremos encontrar sentido no mundo, se nossa imaginação for tolhida de voar, restaremos cindidos. É preciso saber: dos percalços que se pode passar pela vida, da insipidez de uma vida sem riscos e da esquizofrenia potencializada por repressões customizadas. Não se pautar exclusivamente nem pela razão nem pelos sentimentos. Agir artisticamente, isto é, conciliar ambos, criando valores que orgulham. Em suma, quando você se deparar com uma incerteza, confie em sua intuição, um pouco de esperança não faz mal a ninguém – retira cascas e lubrifica juntas. Ah, e não chore por más escolhas. Se você for inteligente aprenderá com elas, a vida é uma escola. 

Este é o terceiro e último ponto: a sequência de escolhas é uma escola frequentada por apenas uma pessoa, que é tanto aluna como professora. Porém, quem é aluno aplicado? Quem é bom aluno independentemente de notas, bolsas e elogios? Enquanto se esperar motivações e aprovações externas esse aluno jamais fará jus a seu diploma. O pior fujão é aquele que além de declinar de seus compromissos usa algumas vitórias antigas como garantia a sua prepotência. Tentar ser coerente é uma harmonia mais sólida que ganhar as coisas no grito. Um é ciente das próprias limitações e se esforça para superá-las, enquanto o outro não se acha limitado e/ou se acha acima do próximo. Saber escolher é saber enfrentar qualquer situação.

II
A atual sociedade estimula escolhas autônomas, ou seja, autênticas? Não me parece. Todo indivíduo carrega em si um potencial de realizações, a fim de alcançar uma vida feliz. Mas como ele se encontra? Decrépito, enclausurado, algemado, espelhando contradições; faz o que não gostaria de fazer, concorda com o que não gostaria de anuir. Aprendeu as equações e deveria usá-las, mas é incapaz de aplicá-las no labirinto onde se encontra. E por quê? Nunca lhe ensinaram a inventar soluções, mas a aguardar por diretrizes.  Uma vez solitário soltará seu grito e terá como resposta apenas o eco da própria voz, atormentada e angustiada. 

Em cima do palco há muita luz e slogans tremeluzentes – tática para camuflar a masmorra cênica. Aturdido entre tantos chamarizes é provável que esse sujeito se sujeite ao esquema. Relutará em duvidar de si, neuroticamente ele projetará a culpa nos outros. Creio que havia uma alma poética dentro dele; doses de raciocínio lógico, crítico e matemático, aliadas a porções de um espírito de finesse que atente aos detalhes do cotidiano que teimam em escapar dos olhos do burocrata calculador, fariam muito bem à intenção artística. Se isso bastaria eu não sei, mas o deixaria mais esperto – também mais sábio?

Sujeitado, pensará que os artistas glamurizados são o melhor da arte, a referência do momento. Contudo, eles sequer são artistas, são produtos da indústria cultural, como os âncoras de telejornais e as modelos de passarela. Tenho que discordar desses comerciantes porque penso que toda arte deveria ser um sopro de contestação ao sistema. O discurso filosófico poderia dar conta dessa crítica, mas não expressa a subjetividade da pessoa em desconforto, nem serve como aposta do que é ligeiramente racional. Sua arte não precisa ser engajada, se for um chiste, um choro desesperado ou uma reles provocação servirá. 

Essa aposta pode ser chamada de pensamento sugestivo. É o tipo de saber que arrisca porque do jeito que as coisas estão não está satisfazendo o descontente. O mundo caminha a partir dessas tentativas. Todos têm intenções, o problema é que para os sujeitos administrados suas intenções estarão coadunadas com as do sistema. Sendo assim, a possibilidade de arte neles restará nula. O senso de prioridade os levou ao comodismo do pertencimento.

O Sistema já está cheio de defensores e agentes de sua moral hegemônica. Ele não precisa ter como aliados os artistas, que são em minha opinião potencialmente subversivos. Se a pessoa for defensora do status quo nada terá a acrescentar ao mundo da arte, que fique calado nesse ponto. Ela continuará falando, como repetidora do que foi ensinada a valorizar e a preservar. Seus pensamentos e suas emoções foram forjados, seu futuro está decidido, seu projeto foi elaborado em bloco com o de vários outros hipnotizados. Não experimentará a crise. Atrás de máscaras, viverá como se não houvesse solução melhor.


Por outro lado, se você for enfrentar essa crise, e desejar superá-la, dê o seu salto de fé. Depois retrate isso em alguma forma de arte. O mundo da arte irá lhe agradecer. E suspeito que o do conhecimento também.

7 de fevereiro de 2014

Testes e Intentos

A vela da mesa

Em cima da mesa a vela queimava
Em cima queimava
a vela da mesa
E a velha, acesa
Por cima dos meus ombros olhava
aquele mundo acabar.

Sobre meus ombros carregava o mundo,
este moço já acabado,
velho antes do tempo
Diante da mesa, vendo a vela queimar.

Meu mundo também se acabava –
eu e a velha, inertes
em cima da vela da mesa.
Ainda por cima vão nos olhar...


Teste

Sob o cipreste Beth faz seu leite
Vá, aceite, pois Leth faz seu teste
Nada sai deste que se preste,
Sem enfeite azul-celeste, respeite!

...et ma tête, elle jette cette bête à la fête


Jogos da Luz

O sol aquece estes seres
com sua luz máxima
Mas a pino a sombra é mínima –  
vá entender tais poderes.

Ao deixar o campo de visão
sua luz faz a máxima sombra
e passa para a lua o bastão.

A branca senhora por fora esfria
mas por dentro todo humano esquenta
Da luz mínima pode emanar
o calor da mais forte pimenta.


Intento

Este é o verbete: intento
É malícia: vertentes invento

No inferno faísca Felícia
No inverno marisca Melissa
E o interno faz isca à fenícia

Ao vento risca o moreno a mourisca
Se o veneno da milícia está no feno
Quem se arrisca com o sarraceno?