31 de dezembro de 2016

Meu ateísmo



Ressuscito este blog só para explicar algo que deve ter ficado implícito a quem me conhece e acompanha, talvez também seja interessante a náufragos da grande rede: a razão do meu ateísmo. Filosoficamente eu sou agnóstico, e sei que este é um posicionamento mais equilibrado, contudo eu o entendo mais como hesitação ou falta de coragem de sair de cima do muro - ou do armário, para usar uma expressão mais cômica – do que como rigor de um racionalista. O agnóstico não quer se posicionar politicamente, e como eu ando bastante atento a questões políticas, acho importante assumir todas as conseqüências de se declarar ateu. Não sou entusiasta do novo ateísmo, dessa militância barulhenta que geralmente se alia ao cientificismo e despreza tudo que não seja estritamente racional; porém, reconheço suas virtudes e principalmente a sua importância no mundo de hoje, cada vez mais intolerante, fundamentalista e radical.
Feito o preâmbulo, vamos aos esclarecimentos:
Só existe este mundo, o concreto, material, empírico, natural.
Eu posso até vir a conceber outros mundos, mas eles serão conjecturas ou da minha mente (fantasias) ou das abstrações matemáticas (multiverso). Não consigo aceitar que outros mundos sejam factíveis, ou seja, eu levo tão a sério essas teorias, das mais prudentes até as mais estapafúrdias, quanto a existência da Terra-Média; eu sou capaz de levar na brincadeira, pois possuo senso de humor, ao contrário de um fanático (cientificista ou religioso).
No hipotético (e sempre improvável) cenário de existir outro(s) mundo(s), este(s) não poderá(o) ser conhecido(s) por mim (ou cientistas ortodoxos) via método empírico. Sem a possibilidade de estabelecer algum tipo (sofisticado, rústico ou remoto) de comunicação entre os dois lados pouco importaria a existência do outro lado. É como na máxima de Epicuro, aqui parafraseada: onde sou não há outro mundo, onde há outro mundo eu não sou. “Ah, mas outros planetas, sistemas solares, aglomerados e galáxias também não podem estabelecer comunicação conosco, pelo menos por enquanto, mas nem por isso eles perdem a sua importância para nós e para o Universo”, sim isso é verdade, só que a falha nesse argumento é que a luz viaja de lá para cá e daqui para lá; ora, isso é um tipo de comunicação. “Ah, mas pessoas dotadas de dons especiais garantem que recebem mensagens do além”, posso interpretar esse ‘além’ como outro mundo, mas não posso confiar no testemunho dessa pessoa, exijo outras provas, que até hoje não foram coletadas e eu acredito que jamais serão colhidas – a frase dita por elas pode até fazer sentido, mas não são verificáveis.
Agora a parte teológica. Se Deus existe neste mundo (concreto, material, empírico, natural), ele não pode ser transcendental, ele não vai além da própria Natureza, sendo assim ele deixa de fazer jus à portentosa, magnânima e imponente alcunha de ‘Deus’. Eu chamaria esse ente de elemento onipresente do Cosmos, sem poderes especiais além de estar entranhado em tudo que forma a matéria – como foi propagandeado o bóson de Higgs, descoberto recentemente com os respeitáveis e espetaculares experimentos no LHC. Eu não acho, realmente não consigo ver justiça, que essa substância onipresente deva receber louvores como o tem recebido ‘Deus’. No máximo, é digno de espanto por nós, que vivemos  dentro de algo chamado Universo e que poderia ser o Nada, no caso de não haver esse ente.
O Deus puramente transcendental, avesso ao mundo no qual eu acredito, claramente não posso aceitar – a argumentação está acima.
Assim como eu não existia antes de nascer, tornarei a não existir a partir do momento da minha morte – pode ser inclusive antes do laudo médico, mas isso já seria outro tópico (filosofias da morte). Com isso quero apenas alegar que não é fácil ser ateu, é bastante complicado, ao contrário do que ando vendo por aí, com sujeitos esclarecidos dizendo que é muito fácil ser ateu no mundo de hoje. Não é verdade, ser ateu é dureza! Não vou me delongar, pois este também seria um tópico que tomaria bastante tempo.
Em suma, eu concebo Deus ou como um mau/incorreto uso lingüístico, ou como um delírio coletivo pela forte necessidade de encontrar explicação e motivos para a origem e a (suposta, em minha opinião) ordem do mundo ou então como um ente sem poderes divinos (indigno de louvores, monumentos e sacrifícios).
Agora a parte política e existencial do ateísmo. Eu acho as religiões em geral um atraso à humanidade, ele é muito útil para os ignorantes, frágeis, fanáticos e atormentados que querem respostas para tudo; porém, para os esclarecidos, corajosos e livres de preconceitos e amarras sociais ela é nociva, serve mais para controle social por parte dos poderosos do que para qualquer outra coisa. As ideologias em geral têm essa função, por isso elas entram no mesmo lote da minha recusa e condenação; só que as ideologias religiosas, também conhecidas como doutrinas espirituais ou dogmas – toda religião é ideológica, mas nem toda ideologia é religiosa –, estas são mais comuns e estão espalhadas de tal forma que a maioria nem percebe o veneno que jaz oculto sob a aparência de bondade e de redenção. Este é o motivo de tantos ateus alertarem para o perigo das religiões, em especial as notoriamente hostis aos valores modernos e humanistas – no tumulto é preciso gritar para se fazer ouvir.
Essa visão minha não significa que eu despreze qualquer tipo de fé. A espiritualidade é algo que eu respeito muito e não vejo como uma fraqueza humana, no máximo a encaro como um embotamento do entendimento – e como o homem não é apenas busca por saberes, é fácil tolerar essa prática existencial. A espiritualidade é uma fé pessoal que exige autonomia do sujeito e uma disposição para encontrar certas respostas e propósitos a sua existência e ao mundo como um todo, respostas que não são dadas, mas formuladas pela própria pessoa. Sem se desvincular de uma religião essa prática não é possível, uma vez que as religiões fornecem a teologia, os tabus e todo o modus operandi que levam a um tipo de preguiça intelectual que eu repudio. A espiritualidade é compreendida por mim como uma forma de enfrentar o niilismo da modernidade, a ausência de sentido na vida e nas coisas, o vazio e o tédio que nos espreitam a cada desejo satisfeito. O niilismo não é algo bacana, ele é algo perigoso e que todo sujeito que se acha moderno deve tentar derrotar em sua vida, diariamente – é aqui que entra a dureza em ser ateu, o ateísmo na prática é muito complicado sem algum tipo de transcendência e fé para motivar o sujeito pensante, apenas lhe restaria o derrotismo e/ou a loucura.
Eu não possua esse tipo de fé que caracteriza um espiritualista e muito por conta disso, eu o admiro; ele conseguiu derrotar o ‘demônio’ chamado Nada. Para fugir do tenebroso abismo do niilismo eu tive de estudar bastante e refletir constantemente sobre o sentido da vida. Encontrei algumas indicações de sentido, baseando-me em certos conceitos filosóficos, certas teorias e comprovações científicas e certos estilos e obras artísticas – redenção/salvação eu não encontrei. A religião, que parece obrigatória em certos círculos sociais, sempre foi uma lacuna para mim, desde muito pequeno mesmo, e tive de preencher esse buraco com ciências, filosofias e artes (difícil dizer qual delas contribuiu com mais conteúdo).

Muita, mas muita gente faz o cominho oposto, abdica dos três saberes fundamentais para mim e acaba pautando a sua vida e seus juízos quase que exclusivamente na religião que escolheu (ou que lhe escolheu). Eu acho triste, tanto para a pessoa quanto para a nossa sociedade, e imagino esse caboclo como o trouxa da alegoria da caverna, que jura que as sombras é a coisa mais real do mundo; o interessante é que ele deve pensar quase a mesma coisa de mim.



6 de maio de 2016

Só para ninguém pensar que já morri, uma compilação

Mundo frio e sombrio

O mundo é um lugar frio e sombrio
Tão desolador pela ação humana,
Agora o sol não produz frescor
Mas isolamento e acusações.

Eis que o antigo mundo se partiu:
Ganância, plástico e temores
Romperam com uns velhos deleites –
Confiança é grande ingenuidade.

Que resta fazer no novo mundo,
Admirável enquanto distópico?
Eximir -se da culpa e apontar
O dedo, sem coragem de luta.

Nesse mundo vícios são louvados
Se escarnece de toda virtude
Importa somente consumir,
Espelhando a vida sem valor. 

Mundo tão frio e sombrio

O mundo é um lugar frio e sombrio
Meu esforço não a vale a pena
Muito menos pra essas pessoas
Todas são a meu reino ameaças.

Se ao menos o suicídio fosse opção
Pra se livrar da angústia e desilusão
Mas ele é desprezível aos saudáveis
Minha saída: ser polemista.

Não vou me vitimizar
Como um ressentido tanto adora
País afora, barraco afora
Vou lutar contra este mundo

Nem vou cultivar desertos
Tentarei agir bem certo
Ações danosas e hostis
Enquanto o mundo for sombrio. 

Minha jornada

Até o passado minha jornada:
A espera é longa, o tempo, tirano.
Pego fôlego (descida imensa)
Cruzarei o mundo mergulhando?

Os pesadelos vêm aos milhares
Viraram parceiros de viagem.
Devo sacrificar o meu orgulho?
Dizem que isso os adultos fazem.

Agora será que é muito tarde?
Não há um porto onde posso ancorar
Minhas ilusões e solitude,
No leme estou a beber e a chorar.

E por mais que eu tente ou me esforce
Não toco o fundo, só me afundo
Há um chamado que além ressoa,
Como se fosse d'outro mundo.

Sei que já não pertence a mim,
A quem tanto eu sempre quis ser
O meu passado é terra estranha,
Não sinto lá qualquer prazer.

Por não achar onde pôr a cabeça
E dormir o sono longo dos justos
É meu descanso na melancolia,
Mas nem assim a cada dia eu murcho.

Findou-se a trôpega jornada
Houve uma coisa que perdi:
A cara e tosca identidade!
Foi então que achei meu lar aqui. 

Canção da Terra

Meu planeta Terra agita e grita
Faz um grande alerta pra nação
Meu planeta Terra dança e treme
Enquanto minhas costas tocam o chão

Meu planeta Terra cospe fogo
Retira os elementos mais profundos
Meu planeta Terra está em jogo
Então vamos todos cantar juntos

Chega de fazer-me sofrer
Pois a dor retorna a vocês
Não dá!
Não dá, não dá, não dá
Ações q não têm para quê
Chega de fazer-me perder
Perdendo a integridade
Perdemos dignidade

Meu planeta Terra se levanta
E diz q nunca mais haverá janta
Meu planeta Terra está imundo
Então vamos todos cantar juntos

Chega de fazer-me sofrer
Essa dor retorna a vocês
Não dá!
Não dá, não dá, não dá
Ações sem ter um porquê
Chega de fazer-me perder
Perdendo a integridade
Perdemos dignidade 

Canção de um condenado

Pedregulho, pedregulho
Tanto eu amo o teu barulho,
És motivo de orgulho
A meu silêncio ou murmúrio.

Britadeira, britadeira
Que acaba com pasmaceira
De segunda a sexta-feira,
Nem me sinto mais abelha.

Querida bola de ferro,
Companheira do desterro
Confidente desses berros
E ajudante dos meus prélios.

Lamparina reluzente,
Que na cena quando ausente
Álcool no rabo-quente
Fez fugir este doente. 

Geração sem Mertiolate

Não queremos um instante sofrendo
Não queremos ver o bife morrendo
Cremos em um mundo que favorece
Nossos privilégios por fortes preces

Mertiolate não mais arde
E que mamãe venha repor
O ovomaltine que nos salva
Do leite amargo e sem sabor

Crescemos sem amadurecer
Se aprendemos com o prazer algo
É que em excesso ele faz você
Não saber lidar com os buracos

Agora adultos precisamos
Amar o outro, sempre Narciso
Relacionamento de escambo
Onde um diz ao outro: eu te piso!

...revolução, amém

Nada mais importa, não
Ninguém mais informa, sei
Que tudo acabará
E eu não viverei
Amém

Nada mais é grande, então
Ninguém mais comanda, o rei
Ilusão se tornará
E toda adoração
É feia

O mundo que passou foi nobre ficção
Valor que acabou, ficou a recordação
E nada mais... ninguém refaz?
Conte com seu neto
Reaprenda o alfabeto.

O que vocês pediram ali
Provocou um rombo, o fim.
Foi só revolução
Só a revolução

Vocês que quiseram assim
A custa de uns mil rins
Pela revolução
Por uma solução. 

Insolúvel

Chega, não há solução!
Há apenas convicção
De ter feito as escolhas
Que eu nunca as desacolha,
Senão é fala boçal
De quem espalha o mal. 

Papo de músico

Para aqueles que trabalham na noite
Entretendo seu respeitável público,
Como se o ouvinte fosse alguém único
E não merecesse qualquer açoite:

Nós somos músicos, não temos nada
Fora a maconha que compramos na quebrada
Nós somos músicos fora de moda
Porém tem gente que inda nos acha foda  

Tocamos música, só voz e guitarra
De vez em quando um bebum chega e escarra
Tocamos música, sempre uma porra
Gritam do fundo: espero q morram!

Obrigado por ouvirem nossas canções
Mesmo que vocês não passem de peões
É que nos acostumamos com os vizinhos
Jogando garrafas de cerveja e vinho 

30 e poucos anos

A casa dos trinta chegou pra mim
Sim, este é o princípio do fim:
Meu corpo sente os efeitos ruins
E a mente implora "sai daqui! "

Chatice pode ser questão de grau,
Pois foi de algo desse tipo que vim
Mas decadência é prova cabal –
Não suportam mais álcool meus rins.

Será que tudo o que há é do mal?
Vivo num mundo vil e sempre igual?
Chega -me o Fulano de Tal
"Larga disso, basta jogar mais sal. "

 Fico parecendo um boçal
Com meu queixume semanal,
Os meus reclames do plim-plim –
Sou o rabugento espadachim.

Acabarei cosendo roupas com dedal
Ou num Palácio com ouro e dimdim?
Um tirano Ba'al, suave feito Gal,
Doce de quindim ou um árido aipim?

O que posso eu prever, enfim?
Bom, eis o planejamento anual:
Acabar de modo bem clean
Pá de cal por sobre a urna de cristal! 

Quando resisto

Quando meu coração bate mais forte
Quando minha mente evoca n imagens
Quando meu lirismo desvela sentidos
Quando meu eu se sente mais amplo
E quando minha vontade reverbera

É quando estou vivaço, resisto
À inércia, ao destino, à morte e ao nada.
Quando eu desistir de resgatar
Estes raros e intensos momentos
Enterrem-me, com ou sem respirar. 

Imersões

Estou imerso
Numa corrente irresistível
Sou levado pelo fluxo.
 Não se apresenta crível
A minha essência

Estamos imersos
Numa cultura estéril
Que empurra seus dejetos
A sua barriga, não é sério.
Nós somos cínicos

Então emerge
Tudo o que foi varrido
Para embaixo do tapete.
Vê-se que está falido
Este sistema

E cadê o cerne?
Das questões sobre existir,
Das sessões sob o luar?
Nada mais é natural,
Nem sequer resta lutar:
Agora é imergir. 

Ao menos você

Se ao menos você soubesse o quanto
É isolado o meu recanto
Talvez não perturbaria tanto
Meu sono e esperaria amanhecer.

Se ao menos você escutasse o pranto
Que eu abafo sob este manto
Reconheceria os meus encantos
Encerrando os torpes fuzuês.

Se ao menos você me achasse um santo
Alguém que fala esperanto
Mas não sou divino por enquanto
 Eu só faço o que me cabe fazer. 

Nós entre oitavas

Com o meu olhar perdido no vazio
Do percurso existente entre seus passos
Entre esta melancolia e meu brio.

Tudo o que poderá haver entre nós
Está na distância das oitavas,
Cantemos, então, notas de dó a dó. 

Sem medo

A falta de você angustiava meu ser
apesar de você não ter rosto nem um nome,
O peso que fez a sua imagem exercer
Sobre mim quase levou-me a manicômios.

Travando uma luta contra pulsões indômitas
que puxam minha mente pra cima e pra baixo
Céus e inferno me aparecem, ambos rechaço.
A falta e a imagem suas não mais amedrontam. 

Abuso

Não há lirismo em meus versos
Não sou único, estou inserto
Toscas redes eu teço
Nelas nunca eu desperto.

Sofríveis criações
Semanalmente esboço,
Alivio feições
Pra não jogar um troço

Em cima de cabeças
Tão teimosamente ocas
De sorrisos obtusos

Que algo jamais me peça
Essa gentalha mouca,
Senão alegarei abuso. 

Perder da vida

     Algo que descobri
Após doses de gim:
     Quem não possui segredos
É alguém que não tem medo
     E que não se revela,
Então perde da vida
     Sua parte mais bela -
Dela fez inimiga. 

Pedras

O homem de pedra no banco de pedra,
Ambos ali impassíveis,
Uns transeuntes passam,
Nem precisam gritar "corra e lhe prenda"

O homem sentado, coração de pedra,
Está alçando as alturas
Só por ele imagináveis,
Enquanto o mundo banal ele nega.

O homem toma distância da pedra,
Companheira impossível,
Então parte sem rumo,
Pois sabe que jamais haverá perdas...
mas pedras. 

A beleza e o nada

A beleza perfeita existe
Mas só no mundo das ideias,
Para além dos seres concretos.
Seres ainda sem conceito
Nem quaisquer valores intrínsecos,
Pois não tocados pelo tino.

Retire do particular
O conceito mais elevado
Que tem o nome de Sublime.
É então que mudará seu mundo
Ausente de sentido e voz,
Salvando-se do grande Nada. 

A beleza salva

"A beleza salvará o mundo ",
essa idiota frase russa
custou muitos cabelos brancos
 do poeta sem intuições.

A beleza é crença do artista,
ou melhor, é seu ídolo etéreo,
ao crer nela produz ele obras
sentindo-se renovado e útil.

Quando a fé na beleza acaba,
 vai-se também a joie de vivre.
Conclui-se que a beleza salva
esvaziados descontentes
 com sua própria vacuidade.

Ciclos

Vejo folhas de décadas atrás
A data impressa não permite enganos
Ali o que eu vivi não me arrependi,
São só ciclos da vida se fechando.

Certas destrezas ficaram pra trás
Não é nada que acabe com o meu sono
Aqui dentro de mim digo que aprendi,
Já posso rir ao ver meu sol se pondo