24 de outubro de 2013

A Parcialidade (natural) da Mídia

A mídia – ou os media, como você prefirir denominá-la – não tem como ser imparcial. Ela sempre carregará um cunho político quando desejar atrair atenção para si e arrecadar grana a partir dessa popularidade. E quando não é essa a intenção dos investidores e jornalistas? Ela é uma panfletagem disfarçada. Sua ideologia se oculta em conteúdos a princípio avessos a questões políticas, como é o caso de esportes e classificados. Porém seu ideário está lá, mesmo que escondido embaixo de travesseiros revolucionários ou conservadores. Muitas vezes o posicionamento é escancarado, como são a Veja (direitista) e a Carta Capital (esquerdista), nesse caso o leitor sabe de antemão o que esperar ver na revista. Mas na maioria dos casos é preciso um contato mais prolongado com o impresso ou então dicas de um conhecido sobre a publicação.
Editores jamais permitirão certos dizeres, os contrários às diretrizes e políticas da empresa, nem ofensas dirigidas a ela mesma, senão perderia sua credibilidade. No máximo, permitem-se zombarias, ou um auto-escárnio, algo que seja claro e rapidamente identificado como piada, que reluza a ironia para que nenhum desavisado, à exceção dos idiotas e dos autistas, não perceba que a falha foi intencional, para entreter um pouco a platéia, ou seja, os consumidores. Nada mais em voga do que fazer o público rir e sentir-se bem, tanto com a graça quanto com o engano de ser mais esperto que os detentores dos meios de comunicação. Também são permitidas opiniões avulsas, de colunistas e cronistas quase sempre polêmicos, seguidas do enunciado “este jornal não se responsabiliza (ou coaduna) com as opiniões aqui emitidas”, ou alguma frase semelhante a essa. É uma forma de se precaver contra futuros processos arrastados, bem como ataques furiosos do público cativo que deseja jogar tomate em quem escreveu/falou tamanha baboseira. Ora, da intolerância nascem intolerantes.
Vejam, se foi aberto um espaço entre os poucos que restam naquela mídia é porque alguém do meio ou gostou ou é parceiro de quem expôs tais informações. A conivência é óbvia, tanto é que ambos são processados (o autor e o jornal/mídia). Depois vem a mea culpa, mas até explicar que focinho de porco não é tomada rende uma odisséia – doses amargas de venenos despejados de todos os lados, bem como escoriações de tantas pedras atiradas por quem não tem cabeça aberta nem é paciente para tentar entender o que está acontecendo, a fim de tentar um debate mais civilizado, ainda que acalorado. Escolhas são feitas todo momento, um jornal não é uma feira livre ou uma praça pública, onde qualquer um pode subir num púlpito e berrar suas frustrações, suas ameaças ou seus produtos. Em toda propriedade privada há censura. Há gargalos, mais ou menos frouxos, automáticos ou arbitráveis, porque sem eles seria um deus dará. Nenhum bacana pode chegar chutando a porta e falar ao editor “publique isto aqui porque eu sou demais”. Há fiscais e redatores selecionando o que vale a pena mostrar, o que é descartável e o que é abominável.
Por que o menino inocente que ficou paralítico após um bebaço atropelá-lo em plena calçada rende mais manchetes que uma senhora de meia-idade que conseguiu um transplante de rim após anos de espera na fila de doação de órgãos? Há pesquisas de mercado a fim de reconhecer a priori o que será mais comovente e bombástico, logo rentável. Só iludidos e incautos ainda acreditam em telejornais que apenas noticiam: os fatos como são; a realidade nua e crua; o mundo tal como aconteceu. É impossível contar todas as histórias do planeta, muito menos com detalhes e contextos subjacentes, que escapam à primeira vista. Os profissionais sabem como as coisas mais ou menos funcionam, e as seguem, costumeiramente em prol da boa repercussão pelo público – o leigo e avoado mais o atento e fiel. Tanto é assim que os jornais quase sempre repassam as mesmas notícias. Porra, há tanta coisa acontecendo por aí e somente aquela meia dúzia de fatos foi escolhida, tem coisa errada aí! Pois é justamente a linha editorial e a práxis jornalista, ambas padronizadas, que entram em cena e geram essa indústria de notícias. Celeridade está continuamente na pauta do dia.
Veículos especializados são mais interessantes, mas esses têm o objeto definido de cara, seu público-alvo está em busca de detalhes, de aprofundamento no tema, por isso ali todos são menos hipócritas, não escondendo suas intenções e causas, ainda que esses meios nada tenham a ver com política, como revistas sobre bicicletas, maquiagem ou dietas. Porém, ao traçar como norte tal objeto, este passa a ser valorizado, como algo que uma boa parcela da sociedade deveria também levar a sério; portanto a ética é explícita, ficando a política nos meandros das escolhas conscientes. Na hora em que o governo estimular ou desestimular a atividade/comércio de seu objeto de pesquisa as intenções dos donos das revistas ficarão claras: alegria quando do estímulo, pois trará maior venda ao produto/serviço; reclamação quando do desestímulo, leia-se, prejuízo. A ideologia comunista é maluca, afinal, ignora o peso que a busca pelo lucro tem para o ser humano; o capitalismo é mais realista.
Não há motivo para assombro, você tem certeza que algum dia decidiu sobre algo com total imparcialidade? Por que esperar tal juízo divino e perfeito de alguém que busca dinheiro, poder e influência? Você, no lugar deles, faria diferente? Se você for um idealista (radical e ingênuo) jurará que sim, na posse de saberes e grana, prestando grandes favores ao país a seu querido povo. Mas eu duvido muito. Você é mais um homem, sempre com algum grau de vaidade e de orgulho, quase sempre em níveis elevados quando a terra é ampla e seus direitos, quase ilimitados. Tolos são os que acreditam em santos. Precavidos são os que desconfiam dos ardis dos homens. Os espertos vivem, já os trouxas simplesmente sobrevivem. A natureza ainda é preponderante em nós, após mais alguns séculos de civilização talvez o cenário se transforme, enfim radicalmente. Até lá, toleremos nossa parcialidade e nossas pretensões.


P.S.: Texto escrito sob encomenda, mas sem taxas nem restrições, tanto é que publico aqui, por isso sou o único responsável pelo modesto conteúdo.

20 de outubro de 2013

No Love Lost

amores de juvenil

sou telecinético
o que quero consigo
na hora, por meia-hora
foi-se embora o meu sonho,
deságuo-o pela urina.

minha musa me assassina
com ela nada que quero consigo
não chora, me parte e nem cora,
se ouve as sentenças oníricas
logo joga um balde d’água fria.

minha mãe nunca me dizia
“procure alguém como eu”.
edipianamente perdido,
sob referências faltantes,
exerci um galanteio ateu.

até pelo breu a pé passeei
é que os perrengues evitei.
Sem ter em quem tocar,
platonicamente perdido,
alguém por aí diz que amei.

aprendi as fêmeas a admirar
eu? eu não as tinha.
ego ainda incompleto
faz jus a se contorcer
‘té que se exulta ou definha.


Ela e você, nada a ver

 “É ela, é tempo, é meu momento”
Não, é sempre dela o tempo,
que para se lhe repara
E passa bem lentamente
se passa a linda seriamente.

Você quer flores mandar
Quer por rosas vermelhas
fincar-lhe marcas vermelhas, ou róseas
Mas prossegue alva, impassível,
dela os alvos dispensam floreios.

“Palpita em meu úmido peito
o que denomino coração passento”
Não recebe um alento qualquer
e pensa ter lido em olhos ocultos
a retardatária atenção.
Seu retardado, isso é tão... engraçado?

Como casal sorridente e sólido
Sonhara por noites a fio
entre os pilares do vazio
Desabe esse palco insólito!
Ela e você não têm nada a ver.

  

16 de outubro de 2013

Em Defesa da Arte Ilusória e Simbólica

O artista, com sua moral mais frouxa que a do cientista, gosta de inventar sentidos para o que sente, ansiando por mais que o óbvio e o ordinário. Após tomar consciência disso, doravante ele continuará a acreditar em condições fantasiosas, ilusórias e agradáveis. Como uma criança, mantém a imaginação fértil e vê graça em situações banais para um adulto esclarecido. A empiria do mundo é necessária, mas está longe de ser suficiente. Na verdade, ele precisa renunciar à frieza da explicação racional ou da argumentação lógica e conclusiva. Ele até aceita essas verdades objetivas e genéricas, porém se resumir a elas seria reduzir seu ser a condições claustrofóbicas, dentro de um mundo material e desprovido de simbologias abstrusas. Ou seja, ele vai além do que a ciência informar, numa tentativa de não alienação, bem como para não se achar mais uma peça instrumental para o objetivo de outros, objetivos esses raramente nobres ou motivadores.
O mundo é visto, portanto, como uma exposição gigantesca, ora ao ar livre (as melhores) e ora em salas quadradas (as rentáveis). Cada elemento da realidade pode ser combinado aleatoriamente com outro, ao bel prazer do espírito sequioso por enlevar esse indivíduo inspirado e inspirador – ao menos a quem aceita essa metafísica repleta de interpretações, ora herméticas, ora psicodélicas. O que de fato importa é tornar a própria vida mais leve e fornecer meios para fazer com que mais pessoas também relaxem, contemplem e participem desta exclusiva visão de mundo, ora insinuando, ora chacoalhando a sociedade. Isso tudo pode ser papo de doido, mas cada um é capaz de ver essas cores, essa aquarela informacional que a inércia da rotina nos condiciona a não enxergar; dá para vê-las mesmo num ambiente acizentado e sem fazer uso de psicotrópicos, basta para tanto aceitar esses paliativos estéticos que incitam as paixões adormecidas após anos de repetição (trabalho, deveres, afazeres domésticos e praxes das relações sociais).
O sentimento mítico permanece no homem e, após a morte de Deus, o misticismo se sentiu órfão e foi se abrigar em religiões pouco fundamentadas, mas também entre os artistas insatisfeitos com dogmatismos, o que gerou vanguardas modernistas e os movimentos hippie e beat, por exemplo. O uso mínimo do intelecto (bom senso) é o suficiente para reconhecer a falsidade de todas as religiões tradicionais; assim sendo, restou aos artistas contemporâneos expressarem sua inquietude ateísta e instintiva de forma alternativa e em conjunto com os gatos pingados desprovidos do manto divino. O início do século XX foi pródigo nisso.
Que o século XXI não se resuma a cumprir os desígnios da máquina, que as pessoas se esforcem em criar algo propositivo e além da rigidez (talvez perfeição) dos computadores, essas calculadoras ambulantes incapazes de brincar freneticamente, pelo simples fato de que isso dá prazer e uma ilusória sensação de poder. Abordagens unívocas e consenso geral (unanimidade) enfastiam e não seduzem, apesar de muitos se irritarem com opiniões e manifestações contrárias à sua, mas isso é só o ego resistindo às possíveis ameaças. Enquanto o ser humano estiver aquém da eficiência das máquinas, haverá primazia das emoções sobre esquematismos caretas.
Que a obsessão e a neurose características de sujeitos deveras racionais – condição típica da nossa época transbordante de informações e conteúdos utilitários – sejam destinadas a obras confusas e vislumbradas pelo público, ainda que restritas aos persistentes apreciadores de arte alheia à indústria cultural. Essa tendência à especialização é mais um efeito angustiante da sociedade pós-moderna, e ainda não se assentou; as pessoas não sabem direito o que fazer com tantas expressões que sequer chegam a fundar escolas e já se tornam ultrapassadas. Há muita coisa interessante por aí, porém a ausência de interesse dos investidores por algo sem apelo comercial impede maior aprofundamento do tema/técnica/estilo. O artista cria de acordo com o ritmo e ciclo de suas inspirações ou vivências. Sem retorno, produz ou porque acredita em sua obra ou porque não consegue não se expressar, é maior que sua pessoa. É possível que após um tempo, quem sabe algumas décadas, esse artista encontre quem desfrute da sua vaidade e do seu discurso até então incompreensível ou inapreciável. A genialidade leva sempre um tempo maior para ser digerida pelos medíocres. Para Van Gogh, de que adiantou ter vendido somente um quadro em vida? Ele precisava criar, e criou, regozijando-se, sem dúvida, com cada girassol pincelado.
 Se o artista experimenta seu monstrinho e este não o mata, sabe que o conjunto desses esboços subjetivos terá seu valor reconhecido um dia, mesmo que por mais uns poucos e esparsos malucos como ele. Esse é o sacrifício que a arte autêntica exige. Viver julgando-se incrível, morrer julgado como miserável extravagante. Quem está vazio não pode preencher ninguém, e a maioria das pessoas encontra-se nesse estado, afinal o Ocidente é altamente niilista, por mais que não admita. Sendo assim, a falta de feedback pode ser recebida com algum consolo, pois certos mimos só fazem emergir a vanglória. Enfim, a ficção faz parte da natureza humana, somente quando se tornar outra espécie que o homem parará de sonhar. A arte é quem melhor cumpre esse papel de fábrica de sonhos, mais que qualquer bugiganga nipônica ou yankee. Sem ela, viver seria dispensável.


e³3&E
P.S.: Esse texto foi escrito há algum tempo, eu prometi a mim mesmo trabalhá-lo melhor, até mesmo como projeto de monografia, mas estou sem tempo e foco, fiz pequenos ajustes e publico-o assim mesmo. Às vezes eu preciso de certos empurrões, como eles não chegam, fico com minhas humildes produções independentes e centralizadas. Reconheço o valor da ajuda externa, mas com o passar do tempo estou ficando mais e mais rabugento e cheio de manias, talvez a situação seja irreversível, esse é um dos contratempos da solidão, apesar dela ter para mim vários pontos positivos. Enfim, é uma vida de artista quase eremita. Se eu passasse por mais perrengues é provável que eu produzisse mais e melhor...

10 de outubro de 2013

Quem um dia esperou de mim poesia?

Poemas sem títulos

I
Aquarela de um poeta:
por versos vis escreveu sua história,
mesmo querendo escrever coisas belas.

II
Quem é severamente ferrado
Não gosta, dissimula, disfarça
Atraindo para si holofotes:
Rei se estima em amplo descampado

III
tu recebes vários aplausos
e te vanglorias por nada.
então vês como é falso teu povo
pra não mais cair em ciladas.

IV
Dizem que ele entende de solidão,
qual nada, só aporrinha
Sempre volta da feira com uma dúzia de limões,
beberica seu santo a caipirinha

V
Império do efêmero e das aparências
Civilização voltou ao primitivo
O não-verbal valendo mais que palavras
Imediatismos despertam paixões,
Agora sem freios. Hedonicamente
Recusamos o rótulo decadentes

VI
Dialética prolixa
Miríade de mixórdias
Nuanças a se perscrutar
a ignomínia do apedeuta.

Desfalece a persona
e doravante abrolham
Rebentos da marafona,
Inda que a concatenar
o incremento de fidalgos.



P.S.: Mesmo sendo poesias com pouco amor, quem esperava de mim de poesias autor? Ser alternativo é ser surpreendente, não faço parte de grupo algum, isso sim é ser independente. O resto é autoafirmação, há pouco feedback na solidão. Sou um Zé Ninguém, portanto não posso dizer amém.