25 de julho de 2010

Crise de Identidade Masculina pt. III

Completando:

III
Quase todas as sociedades realizaram divisões por gênero, inclusive na linguagem. A entidade masculina engloba a feminina, sendo dito Homem a tudo o que for humano. Se antes o espaço público era do homem – e daí sua invisibilidade aquém de investigação científica – e o privado era da mulher, hoje tudo se misturou. É óbvio que elas tiveram que se adaptar às novas situações, também é inevitável uma reinvenção por parte deles, para provarem que continuam homens, apesar das delicadezas do mundo urbano e supercivilizado. Por outro lado, em várias culturas primitivas a agressividade é intolerável, principalmente entre os membros do grupo.
Além do gênero, outros marcadores sociais são: raça, idade e classe. Com a mudança de algum desses, novos valores e diferentes atitudes precisam emergir, porém muita gente não se compromete e não consegue fazer as transições, ficando presa ao passado, seja o machão, o idiota ou o Peter Pan. O refinamento de gosto é visto como frescura aos pobres, já a rudeza é vista como primitividade pelos ricos. Assim como o negro e a mulata, ícones da hipersexualidade que podem também representar a falta de racionalismo. Bem como a loura e alta é o modelo de beleza e de conteúdo vazio. Nessas perspectivas cada um tentará defender sua posição, julgando-se superior.
Envelhecer é doloroso, é a perda da virilidade tão cara. É preciso filosofia para saber morrer. Quem refletiu e viveu bem consegue realizar todas as travessias que nos levam à inescapável morte. Isso falta a todos, num ambiente de velocidade e de ânsia por retardar o próprio processo, infelicidades acontecem. Enquanto não se descobrir a fórmula da juventude, saber envelhecer continuará a ser um aprendizado muito caro e raro.
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Na passagem para o século XX surgiram iniciativas do Estado para preparar o homem do futuro, submetendo os machões e vilões a privações, como a lei seca, a proibição dos duelos e da prostituição, fazendo-se presentes as religiões. Por isso, crimes de honra imunes à lei são impensáveis atualmente no ocidente, todavia, no oriente e nos mundos árabes e islâmicos são aceitos. Por outro lado, contracorrentes visaram manter o lado selvagem do homem, como o escotismo e os museus, permitindo o contato com a fauna e a flora e ensinando como era e como, ao menos em parte, deve continuar sendo o homem.
Na rotina burocrática é comum se sentir vivendo uma vida que não está à altura de seu potencial, enquanto que as mulheres se acostumam mais facilmente com a mediocridade e a praticidade de uma sociedade utilitária. Os homens necessitam de provas e medalhas, para mostrar que “é o cara”; escrevem um relatório sonhando em ser rock star. Encontram segurança em esporte, política e sexo, quando todos pensam quase homogeneamente; faz bem ao ego gritar e se orgulhar de invencionices.
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Corpos musculosos, independendo do sexo e da opção sexual indicam, nas cidades, a preferência pelo masculino. Sendo assim, a cultura passa a moldar a anatomia e o mercado a regular o estilo de vida dos cidadãos, distanciando-os do desejo e isolando-os na vaidade, como os metrossexuais. Nichos geram lucro. Androginia e bissexualismo ampliam o leque de oportunidades.
O adolescente de hoje é a criança mimada pela publicidade, estimulada ao hedonismo, se tornando o Narciso indiferente e descartável. Ou o tiozão que paga de garotão: a diferença do adulto para a criança é apenas o preço dos brinquedos; é fácil ser menino, mas nem tanto continuar a sê-lo. O ciclo natural de nascer, crescer, copular, criar e morrer é negado. A vida feliz de sacrifícios pela amada família não lhe pertence. E fica frustrado, falta o sentido, a missão, a realização. Por se deparar com um excesso de opções acaba não se apegando a algo específico.
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É essencialmente através da relação pai e filho que se formam os processos identificatórios e o protótipo de homem, adulto e cidadão atuante. A relação afetuosa, os conflitos e as ausências marcam no menino a ambivalência admiração e ódio. A diferença de gerações e de contextos também relativizam esse processo.
Na contemporaneidade faltam rituais de iniciação, sejam provas físicas, bar mitzvah, encenações orais, idas a prostíbulos, tudo que seja feito publicamente, para que ele se sinta seguro de que houve uma mudança ontológica naquele momento, dirigindo-se ao estágio superior. A tradição se perde na globalização. Poucas pessoas amadurecem sozinhas e espontaneamente. Os famosos trotes não se aplicam ao caso, pois há uma ridicularização do iniciado; as gangues ou o tráfico também não, pois são impostos por pessoas de conduta moral repreensiva, é rebaixamento. Anciãos ou sábios é que devem dirigir os ritos, são exemplos de sucesso, porém nossa cultura menospreza os idosos.
A aquisição da virilidade não é definitivamente adquirida, deve ser constantemente (re)conquistada. Um homem quer ser o herói de sua mulher, se ela assim o trata, sente-se elevado. Mas se sua amada despreza uma dedicação sincera de amor, o mundo dele desmorona, eram para ser felizes juntos, mas passam a ser tristes, e o homem, um menino muito, muito idoso.

23 de julho de 2010

Crise de Identidade Masculina - pt. II

continuando o tema...

II
Muitos ainda acham justificáveis os crimes passionais, e muitas acham lindas as violentas provas de amor, como seqüestro, brigas e agressões. Além da famigerada fuga à bebida, que os cantores sertanejos conhecem tão bem. Porém, a grande maioria das mulheres assassinadas foram vítimas de atuais ou antigos parceiros, em muitos casos após estes beberem.
A pílula anticoncepcional provocou uma revolução ao separar maternidade, sexo e amor, de forma profunda e irreversível. Possivelmente, a sociedade, em geral, não acabou de assimilar todos os seus efeitos e de transvalorar (assim como em vários outros âmbitos sociais). Ficam à parte os fundamentalistas e as seitas religiosas que se recusam a acompanhar as evoluções científicas.
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As mesmas feministas que desejavam liberdade, e libertinagem, se chocam com atos mais extremos de outras mulheres e com a fuga de homens, seja no sentido de covardia ou de cafajestagem. É uma geração que ainda herda a tradição romântica e sonhadora, que não se adapta mais à época. Aquela visão de donzela inacessível no castelo, idealizada pelo príncipe, que fará um ritual de conquista para desposá-la. Quimera diluída pelo mundo líquido, tudo flui!
Até na disputa pelo poder a estratégia feminina mudou. A tradicional cópia do padrão masculino, com o mais enfático exemplo de Margareth Thatcher, está sendo substituída por mulheres que admitem suas qualidades e atacam num ponto fraco dos homens, a pretensa superioridade da testosterona. Elas não levam a sério essa farsa. Aprenderam a jogar, a fingir que eles dominam, para satisfazê-los, e riem da covardia deles. Contudo, é difícil aceitar um papel quase de gigolô, de ser sustentado pela esposa, de ganhar menos que ela e de não protegê-la; sente-se incapaz.
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O conceito psicanalítico de castração se aplica aos dois sexos. É pré-condição do desejo, da libido, mas o homem costuma resistir à idéia de que precisa da mulher para preencher seu vazio existencial. Pensa que por ser ativo e possuir pênis, o símbolo da potência, da inveja e do procriador, é invulnerável – frágil prepotência.
Porém, só o homem é marcado pela angústia e pelo medo da perda de seu falo, que significa volume e quantidade, quando na verdade é subjetivo, não está diretamente ligado à qualidade. Por isso, a agressividade e o sadismo são mais comuns no homem, é um meio de afastar os fantasmas da castração. O outro lado da moeda é o masoquismo feminino, que se aplica ao homem, que se faz passar por aquilo que julga ser a mulher, numa forma de satisfazê-la, e de ser punido.
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É claro que masculinidade e feminilidade são conceitos puros, mas na prática se afetam mutuamente; são construções sociais, presentes em cada indivíduo, abrindo possibilidade justamente para parcerias, buscando na outra pessoa semelhanças e diferenças para formar uma identidade mais sólida e madura; estabilidade que fortalece. É a importância da mínima diferença, o que falta em cada um será achado no outro ser.
Por meio de conversas, da exposição de empecilhos, e da solução de pequenos conflitos por ambas as partes há uma convivência mais feliz, amorosa e menos mentiras e grandes dificuldades futuras. Deste modo, reverte-se o isolamento emocional, a introversão, a dificuldade em receber críticas e o humor que desconversa – a camuflagem da fortaleza que não passa de retórica.
Quando os casamentos eram arranjados e forçados era compreensível que houvesse dificuldade na troca de informações e de confidências, mas agora que é por livre vontade de ambas as partes é inaceitável o silêncio e as brigas por ninharias. É uma polêmica defender se o matrimônio por amor ou se o contratual é mais feliz, porém a felicidade é uma conquista individual, e no mundo liberal se não houver sucesso casando por amor é sinal de que os homens não sabem viver em liberdade.
A mulher, quem sabe, é a causa principal desta crise de identidade, mas também é a solução do drama. O homem pode não precisar de muita companhia, mas, de fato, passa mal com a solidão, precisa namorar e debater, ou ao menos ter alguém em quem mandar. Não é preciso colocá-la no pedestal, que elas desçam do trono, o romantismo era frustração de tuberculoso; que todos aprendam como funciona um relacionamento entre iguais de direito, claro que com inevitáveis diferenças biológicas, e que não caminhem rumo à androginia, com homens achando que precisam se feminilizar para agradá-las e com mulheres tendo que se masculinizar para serem competitivas no mercado e nas demais áreas da vida – identidade.

21 de julho de 2010

Crise de Identidade Masculina (pt. I)

Finalmente me dediquei a escrever sobre este tópico. Vai parecer mais um relatório de faculdade, mas foi o jeito que eu achei de expô-lo, mais científico que artístico, afinal, ando assim. Dividirei em 3 partes para não ficar (tão) cansativo e para fácilitar a edição.

A crise, ou limiar, ou ponto de ruptura, ou no mínimo mais um momento de valores tradicionais em cheque, no que se refere à masculinidade, ao patriarcado e ao conceito de ser homem/macho alfa se apresenta com nitidez. Basta ver e se deparar com tendências e bizarrices que há apenas alguns anos não existiam – vide os metrossexuais e os transexuais gays (p.e. homem que se tornou mulher e se relaciona com mulher). Sendo assim, o que resta das diferenças? Viveremos num mundo andrógino? A moral é tida como difusa e indefinida ou como rígida e ortodoxa?
Dicotomias: homem ou mulher; postura diagonística ou domesticada; guerreiro ou pai de família; yang ou yin; aventura/nomadismo ou tradição/sedentarismo; excessos ou ordem; riscos ou calmaria; antissocial ou sociável; razão ou emoção; egoísmo ou altruísmo, atividade ou passividade. Qualidades ou valores que habitam em todo mundo e que simbolizam diferenças que cada um optará por seguir, para assumir uma reputação que o precederá. E apenas do lado masculino haverá a possibilidade de heróis e anti-heróis reverenciados, arquétipos de juventude, coragem e honra.
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Rousseau, em seu pedagógico livro "Emílio", expôs preceitos de como o homem/garoto e mulher/moça deveriam agir no mundo laico a se formar (o honrado pensador e a pudica esposa), um precursor da educação repressora da era vitoriana. Esta, em especial, teve como conseqüência o excesso de casos de histeria e o aumento dos escândalos por adultério. Afinal, ninguém consegue viver contente numa clausura. A literatura tirou proveito disso, em personagens clássicos, como Mme. Bovary, Capitu e Anna Karienina, damas cheias de culpa e vergonha por seus atos subversivos. Educação que ainda ressoa: uma inércia do machismo sem que as mães percebam, criando filhos que se sentem superiores, sem respeito às garotas, treinados para catar mulher.
Antes da II GM era comum a mulher precisar do homem para qualquer realização, o que fugisse à esfera das ordens dele seria segredo. Ele exigia controle absoluto, queria saber de tudo e mesmo assim desconfiava, apesar de todos os mimos. Hoje em dia, para ela tudo seria prescindível do homem, em especial as suas conquistas pessoais? Talvez sim, e assim sendo, eles se encontram confusos e perturbados; o papel antes exclusivo de provedor é então compartilhado.
A família seria o último refúgio de poder para esse homem acuado, melancólico e esgotado. Porque ele quer ter aquilo que sua mulher quer, e acha que tem! Enquanto que ela sempre acha que falta algo, ficando ciumenta, e por vezes paranóica. Nem todo homem assimila que nem sempre (ou quase nunca?) o que as mulheres querem é aquilo que ele tem a oferecer.
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Pode-se afirmar que os papéis sociais encontram-se foscos para ambos os sexos. (É correto dizer que só existem dois sexos?) As conquistas de bens e direitos do movimento feminista no pós-guerra gerou maior competição no mercado de trabalho, além da grande inserção de mulheres em locais antes de predomínio ou até de exclusividade masculina, inclusive pela morte dos maridos em batalhas. Entre outras revoluções sociais, que costumam ter por alvo a contestação e a queda das hierarquias dominantes.
Pregar igualdade é gerar eterna tensão, em um exaustivo trabalho de justificar as pirâmides forjadas, como foi o papel do positivismo e dos publicitários da industrialização, típico do fim do século XIX. A única desigualdade aceita é a biológica, de natureza ou, para alguns, divina. Igualdade que passa a aumentar os privilégios das mulheres e a diminuir os dos homens.
Ser Pai de família não é mais um destino, assim como não há mais um modelo único de família, cada um planeja seu futuro como quiser. À primeira vista pode parecer mais fácil ao jovem, por diminuir a pressão dos pais e parentes nas escolhas pessoais, mas em outra visão significa maior responsabilidade e capacidade de tomar decisões solitariamente. It’s do or die!
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O olhar masculino simboliza seu poder onisciente e invisível de objetivar, como a torre central das prisões ou o big brother de Orwell ou o olho de Horus, ou ainda de Sauron, vendo tudo sem ser visto, entrando na intimidade e punindo. Se fosse de outro modo seria encarar, um chamado à briga, coisa que o poderoso não faz com quem julga inferior.
A questão primordial, enfim, não é quanto ser homem, mas como ser homem num ambiente rapidamente mutável. O herói executivo e o revolucionário foram algumas das opções que eclodiram em meados do século XX. A admoestação por não ser “cabra macho” permanece.
Essa reafirmação do papel de macho tem como o efeito a violência “amorosa”. Leis, como a “Maria da Penha”, elaboradas para coibir práticas arcaicas e não condizentes com a civilização almejada são evidência de um sintoma social do momento de confusão. Reivindicar normalidade é absurdo; tecnologias, implantes e esvaziamento moral fazem surgir inúmeras peculiaridades.