Ressuscito este blog só para explicar algo
que deve ter ficado implícito a quem me conhece e acompanha, talvez também seja
interessante a náufragos da grande rede: a razão do meu ateísmo.
Filosoficamente eu sou agnóstico, e sei que este é um posicionamento mais equilibrado,
contudo eu o entendo mais como hesitação ou falta de coragem de sair de cima do
muro - ou do armário, para usar uma expressão mais cômica – do que como rigor
de um racionalista. O agnóstico não quer se posicionar politicamente, e como eu
ando bastante atento a questões políticas, acho importante assumir todas as
conseqüências de se declarar ateu. Não sou entusiasta do novo ateísmo, dessa
militância barulhenta que geralmente se alia ao cientificismo e despreza tudo
que não seja estritamente racional; porém, reconheço suas virtudes e
principalmente a sua importância no mundo de hoje, cada vez mais intolerante,
fundamentalista e radical.
Feito o preâmbulo, vamos aos
esclarecimentos:
Só existe este mundo, o concreto, material,
empírico, natural.
Eu posso até vir a conceber outros mundos,
mas eles serão conjecturas ou da minha mente (fantasias) ou das abstrações
matemáticas (multiverso). Não consigo aceitar que outros mundos sejam
factíveis, ou seja, eu levo tão a sério essas teorias, das mais prudentes até
as mais estapafúrdias, quanto a existência da Terra-Média; eu sou capaz de
levar na brincadeira, pois possuo senso de humor, ao contrário de um fanático (cientificista
ou religioso).
No hipotético (e sempre improvável) cenário
de existir outro(s) mundo(s), este(s) não poderá(o) ser conhecido(s) por mim
(ou cientistas ortodoxos) via método empírico. Sem a possibilidade de
estabelecer algum tipo (sofisticado, rústico ou remoto) de comunicação entre os
dois lados pouco importaria a existência do outro lado. É como na máxima de
Epicuro, aqui parafraseada: onde sou não há outro mundo, onde há outro mundo eu
não sou. “Ah, mas outros planetas, sistemas solares, aglomerados e galáxias
também não podem estabelecer comunicação conosco, pelo menos por enquanto, mas
nem por isso eles perdem a sua importância para nós e para o Universo”, sim
isso é verdade, só que a falha nesse argumento é que a luz viaja de lá para cá
e daqui para lá; ora, isso é um tipo de comunicação. “Ah, mas pessoas dotadas
de dons especiais garantem que recebem mensagens do além”, posso interpretar
esse ‘além’ como outro mundo, mas não posso confiar no testemunho dessa pessoa,
exijo outras provas, que até hoje não foram coletadas e eu acredito que jamais
serão colhidas – a frase dita por elas pode até fazer sentido, mas não são
verificáveis.
Agora a parte teológica. Se Deus existe
neste mundo (concreto, material, empírico, natural), ele não pode ser
transcendental, ele não vai além da própria Natureza, sendo assim ele deixa de
fazer jus à portentosa, magnânima e imponente alcunha de ‘Deus’. Eu chamaria esse
ente de elemento onipresente do Cosmos, sem poderes especiais além de estar entranhado
em tudo que forma a matéria – como foi propagandeado o bóson de Higgs, descoberto
recentemente com os respeitáveis e espetaculares experimentos no LHC. Eu não acho,
realmente não consigo ver justiça, que essa substância onipresente deva receber
louvores como o tem recebido ‘Deus’. No máximo, é digno de espanto por nós, que
vivemos dentro de algo chamado Universo
e que poderia ser o Nada, no caso de não haver esse ente.
O Deus puramente transcendental, avesso ao
mundo no qual eu acredito, claramente não posso aceitar – a argumentação está
acima.
Assim como eu não existia antes de nascer,
tornarei a não existir a partir do momento da minha morte – pode ser inclusive
antes do laudo médico, mas isso já seria outro tópico (filosofias da morte).
Com isso quero apenas alegar que não é fácil ser ateu, é bastante complicado,
ao contrário do que ando vendo por aí, com sujeitos esclarecidos dizendo que é muito
fácil ser ateu no mundo de hoje. Não é verdade, ser ateu é dureza! Não vou me
delongar, pois este também seria um tópico que tomaria bastante tempo.
Em suma, eu concebo Deus ou como um
mau/incorreto uso lingüístico, ou como um delírio coletivo pela forte
necessidade de encontrar explicação e motivos para a origem e a (suposta, em
minha opinião) ordem do mundo ou então como um ente sem poderes divinos (indigno
de louvores, monumentos e sacrifícios).
Agora a parte política e existencial do
ateísmo. Eu acho as religiões em geral um atraso à humanidade, ele é muito útil
para os ignorantes, frágeis, fanáticos e atormentados que querem respostas para
tudo; porém, para os esclarecidos, corajosos e livres de preconceitos e amarras
sociais ela é nociva, serve mais para controle social por parte dos poderosos
do que para qualquer outra coisa. As ideologias em geral têm essa função, por
isso elas entram no mesmo lote da minha recusa e condenação; só que as
ideologias religiosas, também conhecidas como doutrinas espirituais ou dogmas –
toda religião é ideológica, mas nem toda ideologia é religiosa –, estas são
mais comuns e estão espalhadas de tal forma que a maioria nem percebe o veneno
que jaz oculto sob a aparência de bondade e de redenção. Este é o motivo de
tantos ateus alertarem para o perigo das religiões, em especial as notoriamente
hostis aos valores modernos e humanistas – no tumulto é preciso gritar para se
fazer ouvir.
Essa visão minha não significa que eu
despreze qualquer tipo de fé. A espiritualidade é algo que eu respeito muito e
não vejo como uma fraqueza humana, no máximo a encaro como um embotamento do
entendimento – e como o homem não é apenas busca por saberes, é fácil tolerar
essa prática existencial. A espiritualidade é uma fé pessoal que exige
autonomia do sujeito e uma disposição para encontrar certas respostas e propósitos
a sua existência e ao mundo como um todo, respostas que não são dadas, mas
formuladas pela própria pessoa. Sem se desvincular de uma religião essa prática
não é possível, uma vez que as religiões fornecem a teologia, os tabus e todo o
modus operandi que levam a um tipo de
preguiça intelectual que eu repudio. A espiritualidade é compreendida por mim
como uma forma de enfrentar o niilismo da modernidade, a ausência de sentido na
vida e nas coisas, o vazio e o tédio que nos espreitam a cada desejo
satisfeito. O niilismo não é algo bacana, ele é algo perigoso e que todo
sujeito que se acha moderno deve tentar derrotar em sua vida, diariamente – é
aqui que entra a dureza em ser ateu, o ateísmo na prática é muito complicado
sem algum tipo de transcendência e fé para motivar o sujeito pensante, apenas
lhe restaria o derrotismo e/ou a loucura.
Eu não possua esse tipo de fé que
caracteriza um espiritualista e muito por conta disso, eu o admiro; ele
conseguiu derrotar o ‘demônio’ chamado Nada. Para fugir do tenebroso abismo do
niilismo eu tive de estudar bastante e refletir constantemente sobre o sentido
da vida. Encontrei algumas indicações de sentido, baseando-me em certos
conceitos filosóficos, certas teorias e comprovações científicas e certos
estilos e obras artísticas – redenção/salvação eu não encontrei. A religião,
que parece obrigatória em certos círculos sociais, sempre foi uma lacuna para
mim, desde muito pequeno mesmo, e tive de preencher esse buraco com ciências,
filosofias e artes (difícil dizer qual delas contribuiu com mais conteúdo).
Muita, mas muita gente faz o cominho
oposto, abdica dos três saberes fundamentais para mim e acaba pautando a sua
vida e seus juízos quase que exclusivamente na religião que escolheu (ou que
lhe escolheu). Eu acho triste, tanto para a pessoa quanto para a nossa sociedade,
e imagino esse caboclo como o trouxa da alegoria da caverna, que jura que as sombras
é a coisa mais real do mundo; o interessante é que ele deve pensar quase a
mesma coisa de mim.