Cansado da burocrática vida
Dos que labutam, pagando os impostos
E chateiam-se com tecidos róseos,
Ou traquinagem e supérfluas dívidas
O ex-cidadão largou tudo e foi à rua,
Viver do que ali achava, fez-se mendigo;
Chocava madames com suas agruras.
Gentil, não só olhava ao próprio umbigo
Por não ser um ignorante, ignorava,
Ou melhor, desprezava os arrogantes:
“Só quem é vazio valoriza insígnias”
Mas vaidosos veem nisso ignomínia
Lembrou-se de enfastiosos panegíricos
Proferidos – pérfidos apedantados
Agora só se dirigem ao cínico
Os que se encontram mal afortunados
Abestalhados inculcam seus cultos
A outrem, mas não os vencem, nem se convencem.
Já o mendigo capta o jogo dos brutos;
Grátis recebeu aquilo que os filisteus
Diziam ser um mal: a vida frugal
Colegas de praça o chamam de mindingo
E enfiam na orelha o dedo mindinho.
Respeitado e influente brada seu signo:
Por bagatelas é que não me indigno!
Pensamos nele como curva de rio
Da cultura que dispensa dispensando-se.
Gostamos de apontar à fuça o fuzil,
Somos déspotas como um Ferdinando
Pretensiosa compaixão e seus ardis
Escamoteiam sentimentos viris
Tratam como vítima o sujo pedinte
E se comprazem, não estão lá entre os vinte
Para de fingir indulgência!
Por que pensas que ele é indigente?
Algo escasso, insuficiente,
Alguém muito menos que gente?
Nem é ele o infeliz de nascença...
28 de abril de 2012
2 de abril de 2012
Chuva, eu só peço que caia devagar
Chove lá fora e aqui faz tanto frio. Assim dizia a canção popular. Assim eu me encontrava em meu lar. A água não parava de cair do céu; o som dos trovões e a repentina iluminação dos relâmpagos me acordaram. A luz do céu acorda o mundo. Ok, não choveria por anos como em Macondo, mas a insistência da tempestade me fez lembrar o clássico livro. (De leituras evasivas quero manter distância, faça você o mesmo.) A madrugada seria longa após esta rara insônia. Sem reclamar, reflito e chego a conclusões. Momentos imprevistos podem trazer bons efeitos. O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído. Há flexibilidade diante de oportunidades inesperadas, que à primeira vista seriam agourentas, mas que parecem úteis agora e agregam perspectivas, que não mais se ignora. O sábio tira proveito em cada ciclo sazonal. Toda fruta tem uma fase propícia ao plantio e à colheita. A natureza é afável ao bom homem do campo. Bem, um pouco de otimismo não mata ninguém, afinal.
Goteiras me remetem à solução de problemas. É preciso reformar o forro, o gesso, a laje, mas deixo para um momento de urgência; por exclusiva questão estética eu evito meter a mão no bolso. Pinga, pingos, manchas do pinga-pinga – o aguaceiro e o fluxo pluvial ativam na bexiga a urina. Uns dois litros saem de mim e uma hora depois, mais um litro. Enquanto a enxurrada invade a minha casa, eu me seco por dentro. Portanto bebo água, por ora ela ainda existe em forma potável, apesar de não ser tão potável assim. Nunca o é, sempre ingerimos sujeiras por aí. Não entendo como os hipocondríacos e os portadores de TOC conseguem viver: não podemos controlar tudo. Muito menos limpar!
Seco por dentro, eu me seco por fora, após uma rápida saída na varanda, a fim de verificar o carro e o cachorro. Sinto-me cumprindo deveres. Ora, isso é a moral, não a ética. Como posso agir em direção ao oposto do que defendi e alinhado ao que critiquei? Um homem não pode se reduzir a imperativos. A vida é muito mais que seguir ordens e orgulhar-se do dever cumprido. Compro, portanto, a idéia de cumprir sim um dever, mas não do que esperam de mim, e sim do que eu mesmo espero de mim, isto é, a ética da minha vontade e não a moral da vontade dos outros. E, num momento poético, tomo banho de chuva. Liberto-me da fraqueza de reclamar das derrotas e das impossibilidades que pressionam e paralisam. Subterfúgios e expiações de um derrotista. Ah, friorento, se não fosse a baixa temperatura ficarias mais tempo molhando a cabeça ao léu! Até, quem sabe, dançando com tua cálida amante um bolero de Ravel. Talvez uma corrida maluca pela rua, seminu, fosse mais libertador. Todavia isso não foi preciso; indolor, aqueles escassos segundos pulando no reduzido espaço tiveram significado suficiente. Menos queixumes, mais conselhos decentes.
A inspiração costuma surgir quando menos se espera e deve-se estar preparado para expressar tal insight. Antes eu ponderava que era possível adiar a ocasião de escrever, compor ou desenhar, até porque aquela idéia pertencia a mim e não continha em si uma iminente exteriorização. Mas não, era uma tolice, eu não passava de um palerma burocrático que julgava a arte como mais uma técnica em série, só aguardando o impulso da esteira e dos moldes industriais para surgir, ou brotar, o objeto inicialmente imaginado. Uma câmera fotográfica digital não extravasa sentimentos. Tal qual a chuva, que é jorrada das nuvens carregadas de tamanha umidade acumulada ou do choque térmico impetuoso, a obra de arte deve irromper desse entusiasmo estético imediatamente, de preferência. Essa vontade é tão impaciente que se ela não for formalizada, ela se esgota, e talvez reste efetivada num universo paralelo, pois não neste, deveras determinista. Por aqui fica apenas no inconsciente, nos recônditos da memória e da imaginação, desse indivíduo/hospedeiro. E perde-se a contribuição à humanidade – apesar de essa poética transformar nas sutilezas a pessoa. Contudo, em ambos os casos a arte é mais um espasmo da ocasião, da conversão formidável de acontecimentos que culminaram em tal evento, do que uma propriedade desse sujeito sem talento. Foi apenas um traço da subjetividade que legitimou a sua assinatura no episódio. Que sujeito é esse? Está lá fora, está aqui dentro, não tá nem aí e muito menos aqui?
Por fim, no terminadouro, no nadir, no ocaso, no crepúsculo, sugamos o resto de energia para a limpeza em seguida, do sereno noturno e do orvalho matinal, até a chegada da aurora que anuncia esperançosamente um dia cheio de ocasiões fortuitas. Doravante, caia chuva dadivosa, chove chuva generosa, inunde nossos rios, pastos e lamaçais, formando em cachoeiras véus naturais. E se não for pedir muito, que seja devagar, para o regozijo de quem possui olhos aguçados e uma mente desperta e hábil, observando o fenômeno atmosférico, algures raro, alhures corriqueiro, por aqui ambos. Para que seu aspecto cinza não signifique vazio, mas traga ventos favoráveis a encalhados navios. E aquele que arremeter lampejos de sabedoria saberá filtrar sua tormenta em benefício próprio e quiçá comunitário. Muito se sabe que após a tempestade vêm a calmaria e a bonança, entretanto muitos não compreenderam isso e perdem o bonde da alegria, resignando-se com o do choro, de águas salgadas e amargas.
Goteiras me remetem à solução de problemas. É preciso reformar o forro, o gesso, a laje, mas deixo para um momento de urgência; por exclusiva questão estética eu evito meter a mão no bolso. Pinga, pingos, manchas do pinga-pinga – o aguaceiro e o fluxo pluvial ativam na bexiga a urina. Uns dois litros saem de mim e uma hora depois, mais um litro. Enquanto a enxurrada invade a minha casa, eu me seco por dentro. Portanto bebo água, por ora ela ainda existe em forma potável, apesar de não ser tão potável assim. Nunca o é, sempre ingerimos sujeiras por aí. Não entendo como os hipocondríacos e os portadores de TOC conseguem viver: não podemos controlar tudo. Muito menos limpar!
Seco por dentro, eu me seco por fora, após uma rápida saída na varanda, a fim de verificar o carro e o cachorro. Sinto-me cumprindo deveres. Ora, isso é a moral, não a ética. Como posso agir em direção ao oposto do que defendi e alinhado ao que critiquei? Um homem não pode se reduzir a imperativos. A vida é muito mais que seguir ordens e orgulhar-se do dever cumprido. Compro, portanto, a idéia de cumprir sim um dever, mas não do que esperam de mim, e sim do que eu mesmo espero de mim, isto é, a ética da minha vontade e não a moral da vontade dos outros. E, num momento poético, tomo banho de chuva. Liberto-me da fraqueza de reclamar das derrotas e das impossibilidades que pressionam e paralisam. Subterfúgios e expiações de um derrotista. Ah, friorento, se não fosse a baixa temperatura ficarias mais tempo molhando a cabeça ao léu! Até, quem sabe, dançando com tua cálida amante um bolero de Ravel. Talvez uma corrida maluca pela rua, seminu, fosse mais libertador. Todavia isso não foi preciso; indolor, aqueles escassos segundos pulando no reduzido espaço tiveram significado suficiente. Menos queixumes, mais conselhos decentes.
A inspiração costuma surgir quando menos se espera e deve-se estar preparado para expressar tal insight. Antes eu ponderava que era possível adiar a ocasião de escrever, compor ou desenhar, até porque aquela idéia pertencia a mim e não continha em si uma iminente exteriorização. Mas não, era uma tolice, eu não passava de um palerma burocrático que julgava a arte como mais uma técnica em série, só aguardando o impulso da esteira e dos moldes industriais para surgir, ou brotar, o objeto inicialmente imaginado. Uma câmera fotográfica digital não extravasa sentimentos. Tal qual a chuva, que é jorrada das nuvens carregadas de tamanha umidade acumulada ou do choque térmico impetuoso, a obra de arte deve irromper desse entusiasmo estético imediatamente, de preferência. Essa vontade é tão impaciente que se ela não for formalizada, ela se esgota, e talvez reste efetivada num universo paralelo, pois não neste, deveras determinista. Por aqui fica apenas no inconsciente, nos recônditos da memória e da imaginação, desse indivíduo/hospedeiro. E perde-se a contribuição à humanidade – apesar de essa poética transformar nas sutilezas a pessoa. Contudo, em ambos os casos a arte é mais um espasmo da ocasião, da conversão formidável de acontecimentos que culminaram em tal evento, do que uma propriedade desse sujeito sem talento. Foi apenas um traço da subjetividade que legitimou a sua assinatura no episódio. Que sujeito é esse? Está lá fora, está aqui dentro, não tá nem aí e muito menos aqui?
Por fim, no terminadouro, no nadir, no ocaso, no crepúsculo, sugamos o resto de energia para a limpeza em seguida, do sereno noturno e do orvalho matinal, até a chegada da aurora que anuncia esperançosamente um dia cheio de ocasiões fortuitas. Doravante, caia chuva dadivosa, chove chuva generosa, inunde nossos rios, pastos e lamaçais, formando em cachoeiras véus naturais. E se não for pedir muito, que seja devagar, para o regozijo de quem possui olhos aguçados e uma mente desperta e hábil, observando o fenômeno atmosférico, algures raro, alhures corriqueiro, por aqui ambos. Para que seu aspecto cinza não signifique vazio, mas traga ventos favoráveis a encalhados navios. E aquele que arremeter lampejos de sabedoria saberá filtrar sua tormenta em benefício próprio e quiçá comunitário. Muito se sabe que após a tempestade vêm a calmaria e a bonança, entretanto muitos não compreenderam isso e perdem o bonde da alegria, resignando-se com o do choro, de águas salgadas e amargas.
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