2 de abril de 2012

Chuva, eu só peço que caia devagar

Chove lá fora e aqui faz tanto frio. Assim dizia a canção popular. Assim eu me encontrava em meu lar. A água não parava de cair do céu; o som dos trovões e a repentina iluminação dos relâmpagos me acordaram. A luz do céu acorda o mundo. Ok, não choveria por anos como em Macondo, mas a insistência da tempestade me fez lembrar o clássico livro. (De leituras evasivas quero manter distância, faça você o mesmo.) A madrugada seria longa após esta rara insônia. Sem reclamar, reflito e chego a conclusões. Momentos imprevistos podem trazer bons efeitos. O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído. Há flexibilidade diante de oportunidades inesperadas, que à primeira vista seriam agourentas, mas que parecem úteis agora e agregam perspectivas, que não mais se ignora. O sábio tira proveito em cada ciclo sazonal. Toda fruta tem uma fase propícia ao plantio e à colheita. A natureza é afável ao bom homem do campo. Bem, um pouco de otimismo não mata ninguém, afinal.

Goteiras me remetem à solução de problemas. É preciso reformar o forro, o gesso, a laje, mas deixo para um momento de urgência; por exclusiva questão estética eu evito meter a mão no bolso. Pinga, pingos, manchas do pinga-pinga – o aguaceiro e o fluxo pluvial ativam na bexiga a urina. Uns dois litros saem de mim e uma hora depois, mais um litro. Enquanto a enxurrada invade a minha casa, eu me seco por dentro. Portanto bebo água, por ora ela ainda existe em forma potável, apesar de não ser tão potável assim. Nunca o é, sempre ingerimos sujeiras por aí. Não entendo como os hipocondríacos e os portadores de TOC conseguem viver: não podemos controlar tudo. Muito menos limpar!

Seco por dentro, eu me seco por fora, após uma rápida saída na varanda, a fim de verificar o carro e o cachorro. Sinto-me cumprindo deveres. Ora, isso é a moral, não a ética. Como posso agir em direção ao oposto do que defendi e alinhado ao que critiquei? Um homem não pode se reduzir a imperativos. A vida é muito mais que seguir ordens e orgulhar-se do dever cumprido. Compro, portanto, a idéia de cumprir sim um dever, mas não do que esperam de mim, e sim do que eu mesmo espero de mim, isto é, a ética da minha vontade e não a moral da vontade dos outros. E, num momento poético, tomo banho de chuva. Liberto-me da fraqueza de reclamar das derrotas e das impossibilidades que pressionam e paralisam. Subterfúgios e expiações de um derrotista. Ah, friorento, se não fosse a baixa temperatura ficarias mais tempo molhando a cabeça ao léu! Até, quem sabe, dançando com tua cálida amante um bolero de Ravel. Talvez uma corrida maluca pela rua, seminu, fosse mais libertador. Todavia isso não foi preciso; indolor, aqueles escassos segundos pulando no reduzido espaço tiveram significado suficiente. Menos queixumes, mais conselhos decentes.

A inspiração costuma surgir quando menos se espera e deve-se estar preparado para expressar tal insight. Antes eu ponderava que era possível adiar a ocasião de escrever, compor ou desenhar, até porque aquela idéia pertencia a mim e não continha em si uma iminente exteriorização. Mas não, era uma tolice, eu não passava de um palerma burocrático que julgava a arte como mais uma técnica em série, só aguardando o impulso da esteira e dos moldes industriais para surgir, ou brotar, o objeto inicialmente imaginado. Uma câmera fotográfica digital não extravasa sentimentos. Tal qual a chuva, que é jorrada das nuvens carregadas de tamanha umidade acumulada ou do choque térmico impetuoso, a obra de arte deve irromper desse entusiasmo estético imediatamente, de preferência. Essa vontade é tão impaciente que se ela não for formalizada, ela se esgota, e talvez reste efetivada num universo paralelo, pois não neste, deveras determinista. Por aqui fica apenas no inconsciente, nos recônditos da memória e da imaginação, desse indivíduo/hospedeiro. E perde-se a contribuição à humanidade – apesar de essa poética transformar nas sutilezas a pessoa. Contudo, em ambos os casos a arte é mais um espasmo da ocasião, da conversão formidável de acontecimentos que culminaram em tal evento, do que uma propriedade desse sujeito sem talento. Foi apenas um traço da subjetividade que legitimou a sua assinatura no episódio. Que sujeito é esse? Está lá fora, está aqui dentro, não tá nem aí e muito menos aqui?

Por fim, no terminadouro, no nadir, no ocaso, no crepúsculo, sugamos o resto de energia para a limpeza em seguida, do sereno noturno e do orvalho matinal, até a chegada da aurora que anuncia esperançosamente um dia cheio de ocasiões fortuitas. Doravante, caia chuva dadivosa, chove chuva generosa, inunde nossos rios, pastos e lamaçais, formando em cachoeiras véus naturais. E se não for pedir muito, que seja devagar, para o regozijo de quem possui olhos aguçados e uma mente desperta e hábil, observando o fenômeno atmosférico, algures raro, alhures corriqueiro, por aqui ambos. Para que seu aspecto cinza não signifique vazio, mas traga ventos favoráveis a encalhados navios. E aquele que arremeter lampejos de sabedoria saberá filtrar sua tormenta em benefício próprio e quiçá comunitário. Muito se sabe que após a tempestade vêm a calmaria e a bonança, entretanto muitos não compreenderam isso e perdem o bonde da alegria, resignando-se com o do choro, de águas salgadas e amargas.

Um comentário:

  1. LEITURA
    O Apanhador no Campo de Centeio
    O romance definitivo sobre o mito da adolescência, no que tem de mais belo e sugestivo: a idade dos afetos confusos e da sensibilidade teimosa e militante
    http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/apanhador-campo-centeio-635817.shtml


    Li o livro em 1979, qdo tinha 17 anos...
    Qdo meu filho tinha entre 13/14 anos fiz a seguinte dedicatória no livro para ele:
    "Este livro surgiu nos anos de 1950, influênciou os jovens norte-americanos e a juventude dos anos 60 e 70.
    Uma boa leitura nesta nova fase da tua vida”.
    Lembre-se: "O rumo da nossa vida vai depender das ações, das escolhas e das decisões que fizermos, e, com certeza vai determinar o nosso destino”.
    Abraços

    Mãe jan/1998

    Eu e o pai dele somos da geração que viveu durante o regime militar e sempre nos preocupamos em criar um garoto com ideias, sem hipocrisia e torná-lo num ser pensante, imaginativo e mais consciente.
    Muitos achavam que meu filho era jovem demais para ler um livro pois o personagem Holden mente e esta cheio de ódio, fala palavrões...
    Na realidade o protagonista é uma vítima da sociedade e da hipocrisia.
    Enfim, foi com este livro que ele pegou o gosto pela leitura
    Discutir e debater tudo o que o livro aborda foi importante para a formação de meu filho, que hoje aos 27 anos, é um homem integro, responsável, trabalhador, independente e muito criativo.
    Formado em administração e hoje estudante de filosofia, tem um blog onde compartilha textos muito bem escritos, com conteúdos e interessantes.
    ( http://www.a-nor-mal-idade.blogspot.com.br )


    Uma dica:
    Pai e Mãe, leiam o livro antes de indicar ao seu filho ou até mesmo a um adolescente.

    A leitura deste livro não tornará o seu adolescente violento, pois depende da educação e ensinamentos repassados e que ele adquiriu.
    Possivelmente se existe diálogo, liberdade e respeito na relação adulto x adolescente, o jovem ao ter contato com o “herói e também vilão” Holden da narrativa da obra, se tornará mais criativo, menos hipócrita e quem sabe bem-sucedido.

    Qual deve ser a intenção desta leitura?
    “É preparar a passagem da adolescência para a vida adulta, para viver grandes momentos, deixando de ser estático... uma bela receita para a imaginação.”
    Veroca

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