18 de março de 2017

Três textos desconexos

I

Metafísica é brincadeira de criança . Ela não vai e nem pode ir além da diversão especulativa. Por ser infantil, possui a arrogância de se achar corretíssima, só que um exame minucioso rapidamente constata sua vacuidade e efemeridade . 
A metafísica tem abrangência ilimitada,  pois não possui conteúdo e ainda assim é capaz de conter em si mesma o mundo inteiro; por outro lado, como não é capaz de sustentar nem segurar uma agulha sequer, seu resultado é sempre ou fantasioso ou mera aporia. A menos que se creia que o mundo não possua conteúdo , a utilidade da metafísica é de servir de alegoria para nossos pensamentos, que têm a mania de não se contentar com a banalidade do mundo empírico, o único com efetividade. 
Aspirar por algo além da imediatez dos sentidos e das evidências não é proibido; eu apenas penso que isso não tem como ser mais que idiossincrasias de sonhador. Eu acredito que o homem é essencialmente um animal de mente imaginativa, que conhece à medida que cria sentidos para o que percebe. Isto é , ele não admite a sua condição exclusivamente terrena e altamente limitada e imagina algo mais para si e para o mundo a sua volta. Porém, são poucos os que reconhecem que isso não passa de ilusão , de armadilhas de seu aparato cognitivo.

II

O sistema existe. Há uma (super)estrutura que subjuga as partes consideradas descartáveis. Eu não ouso chamá-lo de Teoria da Conspiração, mas de jogo de cartas marcadas em que os donos do poder sempre encontram uma maneira de manter o barco navegando, por mais rachaduras que possam haver nele – importa mais parecer do que ser funcional. E fora a balela de “quem não deve não teme”, pois se eles quiserem darão um jeito de destruir a vida do cidadão comum, pelo menos por algum momento – quem sabe nessa fase de crise a pessoa se mate, para alegria dos porcos.

Às vezes chega a parecer que as peças dessa engrenagem se revezam e que quem estava por baixo troca de lugar com quem estava por cima, só que isso ou faz parte do show ou é mera ilusão de ótica. O corporativismo não dá trégua, está sempre alerta contra maçãs podres e seres hostis. Ninguém quer largar o osso; ocasionalmente os vira-latas recebem migalhas e então ficam se achando cães de exposição – num mundo competitivo e ganancioso ou se é vaidoso ou se é deprimido. A maluquice consiste na irresistibilidade do jogo; por mais absurdas que sejam suas regras ou sua condução, poucos são os que conseguem ficar de fora.

Em qualquer lugar onde há poder, há maracutaia, manobras escusas. Essa verdade amarga tende a afugentar idealistas e bem-intencionados, o que favorece o status quo, uma vez que o caminho fica livre para que os mais espertos desfilem e passem a perna por debaixo dos panos. A boa política é lutar pelo mal menor. Quem não está perto do cetro, do trono ou da coroa, vive aguardando pela hora de se dar mal, e ainda assim é preciso defender o correto e justo. Se não, iremos simplesmente nos resignar com um mundo cada vez mais canalha, o que seria desastroso e lamentável. Parabéns aos que reconhecem esse cenário, deixaram de sonhar e de se motivar e, apesar de tudo, não se entregam. A sociedade é injusta, nem por isso a ignomínia deve ser a norma. A situação atual pode ser ruim, mas a anterior não era melhor.

III

Quem possui um espírito desbravador treinado prefere as rotas com obstáculos e terreno acidentado, pois sem o prazer de abrir estradas não haveria sentido em continuar seguindo em frente. Como um lenhador cortando a madeira que irá aquecer sua noite e sua morada, essa pessoa caminha por entre as sombras do desconhecido atrás do que quer que acrescente e molde a sua existência, dispensando convicções e demais muletas.  Repetir, variar o tema, girar a cabeça em busca de outra perspectiva , tatear para conferir a tessitura, arrancar raízes; enfim , tudo que parece inócuo mas que é bastante representativo quando se é autêntico. Atravessar sendas e veredas é descobrir o sertão dentro e fora de si para então superá-lo, no caso dos bravos, tenazes e perspicazes; ou se afundar de vez no deserto, no caso dos acomodados, broncos e desistentes. O absoluto pode até ser a meta, mas o mistério jamais será totalmente revelado; quem não se angustia com esse fato poderá expressar um sereno sorriso.

Os caminhos de floresta estão abertos a todos, mas como o seu traçado é labiríntico, podendo levar a lugar nenhum, muitos ali se perdem para em breve serem devorados pelas feras da selva ou para se entregarem aos demônios interiores (sempre lentos, carentes e indolentes). As folhas e os ventos devem apagar as pegadas do andarilho para que ninguém rastreie e o acuse de algo, pois os rotuladores estão à empreita em qualquer ponto do globo. O espírito de gravidade, deveras retilíneo, é sedutor e convence ligeiro de que há só um caminho a seguir; essa estreiteza acaba dia a dia com a leveza da infância até nos tornar mórbidos e arqueados. Ir além do óbvio, não travar ante adversidades e não tremer diante dos inimigos é algo que a maioria é ensinada a fazer desde cedo, contudo o excesso de tentações e mordomias acabou por anular o espírito desbravador que havia no início.


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