30 de junho de 2011

Hobbies e Ociosidade

O ócio, isto é, descansar, vagar; a inação, a moleza, a suavidade agradável; um privilégio da vida folgada, que se distingue de seu oposto, daquele que nega o ócio, pelo trabalho – que para nós, brasileiros, majoritariamente assume o sentido original de sacrifício ou tortura –, pela labuta, que nada lembra o lazer e aliena, segundo a corrente marxista. Sociedade que define papéis sociais aparte da existência plena e total do cidadão, ao contrário dos indígenas e primitivos, que tudo misturam– vida espiritual, produtiva, material e social.
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Mas o discurso para convencer os “colaboradores” é de integração, de equipe, de realização a partir do esforço em garantir o lucro e melhorar a organização. Vontade modelada e moldada para todos serem mais uma das peças do sistema e da ordem (pré)estabelecida de cima para baixo. Formas inconscientes de comportamento em mensagens sublimadas e subliminares pela coação das expectativas do mercado. Como no esporte, o importante é vencer e ter sucesso, quando o fato é gostar de ser marionete. Mesmo com a alienação industrial, seria ingenuidade pensar que não haveria efeitos colaterais no indivíduo. Durante o tempo livre, ele continua amortecido e condicionado a seguir a marcha da retórica conservadora. Liberdade organizada, vigiada e estressada, concordo... Não, como assim?!
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Ou vive-se para trabalhar ou trabalha-se para gastar em diversão, bem é verdade que para os privilegiados que podem fazer sobrar dinheiro após os gastos com contas e demais obrigações diárias e mensais. Contudo, até mesmo os pobres se sentem pressionados em gastar com coisas que não sejam indispensáveis à sobrevivência, então muitos acabam se endividando. A adrenalina sentida ao usufruir de seus hobbies muitas vezes é argumento suficiente para os gastos extravagantes. Torna-se um vício que dificilmente se consegue se desfazer, um tema ubíquo das conversas tolas. É o entretenimento, o hedonismo, como o sentido da vida, um sinal claro e simbólico do esvaziamento ontológico da sociedade ocidental. Essa obsessão e paranoia tende a ser vista como psicopatologia, mas é claro que todos precisam de lazer, a prática de atividades relaxantes inspira e afasta a melancolia.
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O hobby torna-se o “matar o tempo”, que sem dúvida mata as pessoas, em contrapartida. Tudo delimitado e burocrático como a vida no escritório, na oficina ou na fábrica. Para se adaptar deve-se renunciar à fantasia, sendo mais objetivo e menos subjetivo. Norma voluntariamente aceita de que a carreira e os planos devem permear as demais áreas da vida. Afinal, tempo é dinheiro, deve-se correr atrás do lucro e fugir do prejuízo. Ué, cadê a tal folga? Ética protestante que sempre vê com maus olhos a vadiagem, a miséria, a inutilidade e até mesmo o avarento ou poupador, pois o objetivo da vida é o sucesso e a salvação, claro que através da grana, a si e ao senhor, e não por meio da contemplação e do repouso monetário.
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A indústria cultural precede o gosto da massa popular, regulando seus hábitos e inculcando o sonho da fama; ela compensa a morte de Deus com outros ídolos, cada vez mais coisificados; de preferência exclui-se o gosto pela reflexão, revertendo o esforço durante o lazer em aborrecimento. Ou então sensacionaliza, para que o pacato cidadão se sinta representado e tenha exposta a sua indignação à violência que sofre diariamente. Pois bem, isso não passa de fuga sadomasoquista. Fica a pergunta: onde são localizados os interesses pessoais, livres de influências hipnotizantes da grande mídia?
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Propaganda, pressões de colegas, da vaidade forjada e da mídia onipresente que idiotizam ao dirigir a felicidade à aparência, ao supérfluo e ao consumo. Que cada um pense que faz o que tem vontade, no mundo liberal, todavia a ilusão é espalhada por esses mecanismos suplementares de controle e manutenção do status quo. Diversão superficial que é inventada em prol da produtividade; massa adestrada que nunca se realizará, visto que foi destruída sua capacidade criativa, não foi incentivada para se expressar autenticamente, restringe-se em imitar, ou a praticar artesanato, no máximo; cópias em série, o mais do mesmo, paródias, o lugar comum, que faz nascer o tédio, que logo é suprimido pelo surgimento e usufruto da moda da última semana. Tem-se a semiformação cultural através da padronização das condutas. Tudo é transformado em mercadoria, cada uma com seu preço justo, de oferta e procura. Ora, com essa comercialização perde-se o sentido desejável, autônomo e idiossincrático de reflexão, emancipação, espontaneidade e protesto.
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Nichos e mais nichos emergem como resistência e movimento alternativo (contracultura) às imposições do gosto dominante e monopolista. Porém, o objetivo desse imperialismo não é a formação qualitativa do sujeito, pensante e atuante, mas o seu oposto – a mera quantidade. A fim de evitar as cíclicas crises capitalistas, estimula-se a compra de inovações tecnológicas e científicas, que deixa todo mundo abismado com tamanho progresso; é nítida a aura de superioridade de quem tem acesso aos últimos modelos, à última geração, a sua vaidade é gananciosamente alimentada.
O que é pop precisa ser veloz, imagético e evitar o espírito crítico, afinal o seu conteúdo é o que menos importa. A censura ocorre de forma sutil, com a exposição maçante apenas do que é vinculado aos interesses dos patrocinadores. Tenta-se produzir objetos diferentes, mas que serve apenas para cada um de nós se sentir pressionado a se inserir em um rótulo específico e afirmar a sua identidade, claro que falsificada. Como esse sujeito bestificado é incapaz de se governar, ele se limita a digerir, grosseiramente, o que vem de fora e a repassar aos outros a batata quente, sem se expressar.
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P.S.: Post inspirado em vivências e observações, é claro, e também no texto de T. Adorno “Tempo Livre”.
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