Assim como tudo o que sobe tem que descer, o que entra tem que sair. É claro que nesse segundo caso o processo não é tão óbvio e simples. Múltiplas variáveis influenciam como causas de um efeito por vezes imprevisível. Uma bolha de sabão uma hora vai estourar e um balão de gás que sobe rumo à estratosfera se esvaziará após perder pressão; a interação do ambiente externo com o interno e a troca de calor e de pressão entre eles, conforme as leis descritas pela termodinâmica, influenciarão no resultado final. Se o cenário for conhecido, basta calcular segundo as fórmulas dadas que a previsão se concretizará na hora certa, por outro lado, com um cenário não tão bem descrito, as projeções se mostrarão apenas probabilísticas, isto é, o momento, o local e o efeito poderão ser apenas conjecturados.
No que se refere às ciências humanas, apesar dos cientistas americanos tentarem objetivar ao máximo, tratando-nos como máquinas manipuláveis socialmente, ou como animais destituídos de valores morais e de senso estético e de justiça, ou seja, detentores de uma natureza essencial – com ação e reação facilmente identificáveis –, eu penso que as causas e efeitos não podem ser categóricas, jamais saberemos o que gerou tal resultado e nem que certos estímulos acarretarão em determinadas conseqüências – não com exatidão! Por que crianças gostam de soprar bolhas de sabão para em seguida estourá-las? Criar e destruir é uma tendência constante nos humanos, dá controle sobre suas vidas. E por que outras ficam indiferentes à efemeridade das coisas? Instintos de predador e de presa habitam em nós, um querendo anular o outro, restando o sujeito em convulsões mentais e sentimentais.
Quanto maior for a tensão acumulada pela pessoa, maior será a necessidade de extravasar. Sabemos muito bem disso em época de Carnaval, em viradas de ano, em happy hours e nas baladas de fim de semana. O estresse da rotina precisa ser liberado, ainda que por meios não tão nobres assim, como bebedeiras e violência. A arte é uma grande válvula de escape, porém para executá-la de maneira apropriada é preciso de um pouco de técnica, de um bom conhecimento de si e do ambiente que o cerca, de um estado emocional minimamente desequilibrado e de energia ou angústias engarrafadas, afinal ninguém pinta um quadro por dia por muito tempo. Esse transbordamento subjetivo pode gerar obras memoráveis, ou nem tanto, mas sem dúvida terá mais significado que a frieza de um trabalho técnico, um artesanato ou outra produção em série qualquer. Enfim, o espírito artístico ignora o objetivo material, a vontade é apenas de jogar para fora o que tanto agita por dentro. Talvez por isso os técnicos de esportistas não aconselham seus atletas a praticarem sexo antes dos jogos, pois aquela tensão primordial da libido – acreditam eles – é uma fonte insubstituível de garra e criatividade. Freud percebeu isso e formulou sua teoria sobre a sublimação, em virtude de libido reprimida. Quem goza demais fica sem força e rebeldia para romper barreiras – o hedonismo contra a tragédia. Esquivo-me, não hierarquizo prazeres, mas a humanidade sim.
Nesse entra e sai rotineiro, sendo que algumas entradas são diacrônicas e as saídas são principalmente sincrônicas, pois as pessoas não costumam ter paciência para retirar o que lhes incomoda, nesse processo a economia, a sociedade e a vida agradecem. Se atingíssemos um nirvana, uma ataraxia, qual seria o sentido em continuar vivendo? Ainda que muitas de nossas escolhas sejam aborrecimentos, sem elas não teríamos o que fazer e morreríamos de tédio. Que se encham as sacolas de papelão, um embuste é melhor do que o insuportável vazio. Basta saber que se trata de um engodo para não se iludir com o valor inventado. Então, aventuras são experimentadas, empreendimentos são investidos, filhos, concebidos, cidades, erguidas e filosofias, escritas, ou ponderadas. Fala-se do fim da história, o que não passa de balela, a história só chegaria ao fim quando de fato a humanidade fosse extinta, no entanto só uma catástrofe monumental seria capaz da proeza – para alguns niilistas seria uma dádiva (desmerecimento desistente de quem se paralisa perante o incontrolável).
Pressão e cobrança por resultados sobre quem não dá importância à competitividade ou para os que não têm boa auto-estima só agravam a situação. Esse estresse adicional com sinceras intenções de motivar ajuda os folgados que querem vencer, contudo não querem se esforçar. Adicionam-se raiva, gana e eletricidade e obtêm-se bons resultados objetivos, mas também maus resultados subjetivos. É a ética do vencedor com um foco em mente (derrotar o adversário), não é a ética de quem deseja uma vida mais feliz e harmoniosa. O mundo material tem desses contrapontos: inconvenientes e obstinadas adversidades. É uma pena não poder separar, no homem, a parte mecânica e a parte idiossincrática, deveras simbólica, muitas confusões seriam dissipadas. Mas não é uma pena lidarmos tão bem e intensamente com curvas e fugas pela tangente, para então voltarmos aos circuitos ovais da rotina.
Como eu disse no princípio, o processo do que entra e do que sai num indivíduo não é óbvio nem simples. Valores estão envolvidos e convencer os outros a mudá-los é uma tarefa árdua, com severos, quem sabe, efeitos colaterais. Todavia, é a partir do que se valoriza que haverá vontade para lutar, para correr atrás do que se pede e para significar a existência. Em uma esfera de informações chegando a nós como um paquiderme sobre a grama (agravado pelo fato de serem contraditórias), o sentimento de barco à deriva é inevitável a quem não tem convicções e uma sólida moral (seria coisa de fundamentalista, de dogmático). Porém, é forçoso também acreditar em algo e viver conforme a ideia, isto é, defender uma ética e praticá-la pela política. É nesse embaraço que optamos e traçamos o rumo de onde queremos chegar: o passado entrou, algum futuro sairá, pode acreditar.
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