21 de fevereiro de 2012

Drunk Talk

Quem detém o poder e exerce-o, almeja manter o status quo e se sentir indispensável. Daí a invenção de valores e de moralismos para convencer os outros de que se é importante e melhor, seja em comparação com o vizinho, seja em sentido absoluto. Os desejos moldam os gostos, e não o oposto. E é difícil cavar em busca das origens desses desejos, é uma teia tão diversa, complexa e imbricada que é mais cômodo reduzir a resposta a “preferências pessoais”. Disso, resulta na necessidade de realização pessoal, que é afirmar-se no mundo e dominá-lo com conceitos quaisquer, ainda que vagos e imprecisos, desde que tragam segurança. Se todos intencionam exercer algum poder e praticar certas idéias e princípios que julgam ser a causa do bem estar e do equilíbrio intra e interpessoal, se não fosse assim estaria melancólico, rebelde, resignado ou marionete, como culpar a petulância de querer dobrar o outro? O poder é ubíquo, mesmo escravos o perpetram, claro que em doses pífias e patéticas.

Em meio a tantas incertezas e dúvidas, promessas encantam a quem assiste a tudo em cima do muro, ainda que elas estejam longe da verdade. A fala carismática seduz pela emoção, porém sempre estamos à mercê dela, principalmente em estado de carência latente. É impossível uma vida completamente cínica, cética e amoral. Com toda a lhaneza que me é característica, insisto no chavão sartriano da liberdade implacável. Precisamos escolher, a toda hora optamos em seguir, parar ou retornar, e é insensato anular os desejos, como tentam fazer os estóicos e os monges. Ainda que esses anseios e afetos tragam frustrações e angústias, é a vida, doce e dura. Negar a vontade pode ser vencer a natureza, mas a que preço? Viver é experimentar, ter experiências é perigoso, porém é melhor que nunca ter nascido, logo sem oportunidades de chorar ou de sorrir. Escapar pela tangente ou descer do trem mundano é escapismo – ainda que eu pense serem úteis os parcos momentos ou fases de fraqueza como essa, desde que sob controle, ou seja, ciente do buraco que está sendo cavado. É difícil ser ateu e rejeitar o trono do bom, belo e verdadeiro. Criar valores a toda hora é cansativo, via tortuosa que bagunça a mente. Mas a integridade compensa.

Com o passar do tempo a entropia aumenta exponencialmente a distância de objetos outrora adjacentes, tal qual o fenômeno inesperado do afastamento galáctico provocado pela energia escura. Contudo, para se sentir poderoso as coisas devem estar próximas do desejado e das convicções professadas pelo influente sofista. Daí a tendência à tradição, ao reacionário e ao ortodoxo que o discurso moral carrega, mas os inflexíveis não se preocupam com isso, pelo contrário, muitas vezes estimulam a intransigência e o círculo fechado, repudiando mudanças e demais ameaças à ordem idealizada. Ciclos se repetem, fundam outros e encerram mais alguns. É muito difícil identificar com precisão início ou fim, causa ou efeito, dos fenômenos sociais ou naturais que observamos e nos inserimos. É uma soberba tola e desnecessária procurar e afirmar categoricamente que encontrou essas fontes do difusionismo cultural ou genético. Assim como é burrice defender a ignorância total, que invariavelmente levará à cegueira. Deve-se sorrir ao se deparar com essas pretensões vãs, por culpa da insegurança e da imperiosa auto-afirmação. O lance é que as manias e os hábitos comandam comportamentos automáticos – brigar com o inconsciente é matar um leão por dia.

Toda conversa é furada para quem não a aprecia, não se identifica com o assunto e não precisa dela para se afirmar perante o interlocutor. O papo furado de bêbados ou de pregadores do bom costume não é inútil para quem ali gasta a sua saliva. Ao se praticar o diálogo inúmeras informações são transmitidas, entre elas a de que se deseja ser importante e entendido no tema, isto é, parte integrante da comunidade – contumaz ambição. Contudo, há os que precisam ser o maioral, o centro das atenções, o macho-alfa, e há uns chatos que querem isso a todo momento. É precipitado taxá-los de babacas, pois entra na questão do livre-arbítrio. Se ele não existe, aquele indivíduo é apenas um hospedeiro da vontade que o domina; se ele existe, toda a responsabilidade recai em cima do sujeito, que poderá se retrair diante do fardo. Se o superego dominar dessa maneira, o respeito pelo próximo será tão incrustado na pessoa que ela se fechará em timidez e temerá exercer o poder, por causa das represálias. Como de praxe, um equilíbrio é aconselhável. E a maior dica é notar que a glória costuma ser vã (vanglória), isto é, paparicos e aclamação popular são movidos por interesses: a posição e a imagem de ídolo são maiores fontes de inveja e de elogios do que a pessoa em si. O poder do cargo é maior que o poderoso. Muitos perceberam isso e compensaram com a tirania, envolta no símbolo de salvador, embuste usado apenas para se manter no alto e abafar revoltas. Nada mais humano... Sim, o homem teima em não ser pequeno e pouco mais do que qualquer outro bicho lutando para sobreviver e se reproduzir.

A metafísica enfadonha foi o contra-ataque dos ressentidos, mas uma metafísica trágica é a resposta dos que concluíram que a realidade pode até não ser o que parece, porém nem por isso autoriza a se achar dono, profeta ou sabedor do mundo. Todos têm alguma importância, alguns mais, a maioria menos, contudo ninguém é indispensável e imortal, embora se relute contra esse fato, para si e para os outros. “Você vai morrer e não vai pro céu, é bom entender, a vida é cruel”. Lose your illusions. Desespere-se, então sinta, aconchegue-se e desfrute. Não é porque eu sou mais um que eu sou um nada. De um nada eu parto e a um nada eu chego, e nesse ínterim, no imbróglio da existência, localiza-se o tudo.

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