19 de novembro de 2012

Falar pouco, Escrever muito, Dizer o suficiente


Constatações para surdos

I

Palavras roucas e energizadas se irrompem,
À minha revelia;
Tomara seja o grande meio-dia.
Eu não sei quem sou, só sei
Das poucas coisas que quero,
Sobrevivo, e espero.

Abro-me a muros vendados,
Faço-me de burro vendido,
Então vislumbro o rosto atrás das personas –
Apressadas pessoas em seu já habitual prejuízo.
Corpos eu agito,
Contudo, sem copos
Só os surdos escutam meus gritos,
Só os invisíveis da rua percebem os avisos.

A avó, a neta, as desiludidas, todas
Espiam o outro,
Sempre a possuir defeitos
Insuportáveis, levados pelo vento
Até o vizinho, tronco.

Também denunciam o costume vermelho
Que tenta cobrir a nudez que ruboriza
Os selvagens urbanos.
O íntimo brilha
Através da biju e do celular promocional
Na noite, que o destacam na multidão
Atordoada, à toa,
Dopada.

Dente d’ouro, sorriso nervoso, óculos milanês:
Esconderijos ao bobo freguês,
Deslumbradinho.
E os cães maltrapidos a invejar:
O sol, a brisa, o mar
E o prato cheio.
Não o terno,
Macacão laranja dos vaidosos com pastas.
Mas reprimem: “Ah, vão pastar!”

Duro no ofício, duro no divã, duro na orla
Ou na areia, e claro
No necrotério.
Na autópsia o morto fala, o sangue não mais circula,
Mas finalmente fala,
Pelo que o IML declara.

II

O motorista aguarda, o paciente e o cliente
Aguardam, mesmo o guarda
Aguarda, mas a vaga não aguarda, nem a fome.
Só o imperativo deveria esperar,
Por que gostamos de inventá-lo?
Parece tão bom fila pegar,
Nem que seja pra ser fuzilado,
Como é de praxe –
Prática de apostador ansiando o desespero.

No travesseiro é onde seus olhos enxergam,
Porém no escuro não há controle.
Faltam ornamentos, protocolo ou símbolos
A denunciar o status e o frenesi,
Para isso há aeroportos e táxis.

Ocupação é oposição ao ócio, que é alteridade,
Reconhece os adoecidos
E os solitários, e as úlceras.
Nem todos descobriram seus bálsamos e placebos,
Mas panacéias são propagandeadas.
Na tela o tolo vê celeridade
E celebridades em série:
Um galã, ou uma modelo, anuncia
E um idólatra blasé compra suflês,
Sem parar, sem parar. Sem parar!

Enquanto isso, o choro é engolido etilicamente
E a mágoa sai via baforadas;
Os venenos entram e saem,
E a culpa é dos caciques.
Os ecos da infância nunca se esvaem.

O discurso fácil é curto e curtido
Por meio das pichações virtuais.
Vigia-se e pune-se tumulto
No coreto ou nos murais.
Então o papo de botequim tornado gratuito
Folhetim é lido por homens-meninos.
O jovem vilipendia a imagem no espelho
E fantasmas irradia, é o seu destino.

Para decifrar as coisas do mundo, tão fortes,
Enigmas de morte,
Agarra-se às certezas, sempre miúdas
E tomadas de empréstimo:
Rebento ascético.

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