Resistir às
tentações ou não resistir, cedendo aos comandos do corpo? Quando é que os
olhos, a boca e os ouvidos ficam acima da razão? Amor é ética, mais que senso
de estética, apesar deste ser o gatilho das relações que, depois da fase da
paixão, inaugurará o algo mais; para alguns é transcendental, mas para muitos,
nem um pouco. Logo, a razão auxilia no amor, mais do que o inverso, pois este
tem no homem efeito quase nulo, pois seria abdicar das vontades tiranas – nada
mais ilógico. Ou seja, a promiscuidade é algo bastante racional? Não deixa de
ser, desde que os impulsos estejam sob as tramas em prol de uma cadeia de
conquistas – ah, essa autoafirmação.
Cadeias,
correntes, elos, vícios, ciclos, manias. Gire, rode, circule, incite, consuma.
As pessoas juram que estão sendo autênticas, se ao menos percebessem a dose de
manipulação que aturam elas seriam menos hipócritas. Talvez de pouco
adiantasse, pois as máscaras são sedutoras e todos as vestem, senão a sociedade
se digladiaria interminavelmente; o amor-próprio suporta apenas certa dose de
verdade (em respeito aos vícios), após esse limite a sanidade se perde. E a
guerra é sintoma de orgulho ferido além do suportável, basta os líderes
aglutinarem meia dúzia de insatisfeitos para fazer disparar o primeiro canhão
da estupidez. Quanto mais intensa é a ação, maior é o recalque acumulado. A
ação humana é impulsionada por paixões que entram e de alguma forma precisam
sair.
Mas o
contrato social, o famoso pacto entre os cidadãos cansados do medo da morte,
instaura o controle sobre cada membro. Sem poder agir conforme os desejos,
entra em pauta a metafísica, a crença no algo mais, seja religião, nação ou
ideologia. Passada essa histeria coletiva, a maioria ainda reluta em descrer
nelas, enquanto muitos aceitam a ausência de sentido nas coisas. Percebem que
não adianta tentar implementar seus desejos, há muitos interesses em jogo e o
seu é somente mais um entre a multidão de sequiosos. Então o capitalismo chega
com tudo, como ilusória solução ao niilismo crescente, diz para seus rebentos
consumirem e se aperfeiçoa a ponto de não deixa-los descontentes sem novidades
interessantes a cada estação. É a produtividade de um lado e a neofilia de
outro. O prazer é repetido, o hedonismo se instaura, mas a satisfação passa.
Aspirações podem
ser reprimidas em prol de um bem maior, que então se empilhariam como pólvora
velha em dinamite esquecida, bastando um pequeno pavio ser aceso para detoná-la.
Antes disso, neuroses irromperiam para amansar a besta interna, que deve se
regozijar de tempos em tempos. Conversar com máquinas às vezes resolve, pois
virtualidades são mecanismos artificiais do cérebro, projetando uma realidade
adaptada à fome que em alguma de suas sinuosidades desperta e dispara as
sinapses, mas a saciedade é efêmera e fortalece o sujeito. As bombas simplesmente
adiam sua explosão.
Aparece a
culpa, o senso cristão de que algo está errado. Pecados mortais precisam ser
redimidos, do contrário (novamente), a sanidade seria perdida. Autoflagelação,
possessão ou depressão, sintomas já corriqueiros num ambiente que os estimulam,
mas nunca admite. Não geraria dinheiro, esse mundo precisa hodiernamente de
doentes para prosperar, claro que a maioria escorando um no outro, torcendo
para não ser contaminada com alguma chaga mortal, e uns malditos bamburrando e
sorrindo. Ciclicamente esse modelo se desgasta e entra em crise, porém não há
outra alternativa; então outra malandragem, outros slogans, se reinventam, jurando
que gastar é bom, é história, mesmo que seja o fim da história. Ah, dali pra
frente é relaxar e gozar, o resto está resolvido.
Tolices são
compartilhadas e aplacam nervosismos que outrora fizeram surgir gangues em
bairros periféricos – viva os games e o pornô. Sentir-se bem é um imperativo,
melhor que seja sem prejudicar um desavisado, ainda que o sujeito satisfeito
seja um merda: cada vez mais sua mente derrete, irremediavelmente sua
personalidade se compromete e seu coração não entra em jogo, jamais compete. O
problema é quando a maioria for assim (já é?): a agir na realidade como no
mundo virtual. Sem oponentes fica fácil vencer e conquistar. Isso tudo é se
aceitar ou um autoerotismo? As pessoas só postam sorrisos, nunca suas verrugas,
anseiam por controlar, pois de alguma forma sabem que serão controladas, querem
ao menos escolher seu capataz. Que seja na base da intimidação, assim a tortura
será menor, e talvez até mútua! Quem não se considera, o outro desconsidera.
O mais
importante é não ser deixado de fora, nada pior que a angústia do ostracismo. É
melhor a fofoca correr solta do que ninguém lhe notar. A responsabilidade recairá
sobre cada ser medíocre, sorte daqueles que jogam a culpa nos outros,
aliviam-se. Os que engolem seco e se calam, travam, e travados permanecem.
Diante da forquilha, do caminho bifurcado, não conseguem se decidir, quem sabe
delegarão sua escolha à manada que vem logo atrás e certamente os empurrarão
para a direita ou para a esquerda, para nunca mais poderem escolher o lado de
lá. Ao menos experimentarão e terão um dia uma nova chance de ir para A ou B
com menos hesitação.
Os
convictos, que não se permitem hesitar, causam muita inveja, mesmo que um olhar
atento revele a inconsistência de suas convicções, como um instinto que só quer
passar por cima do que surge à frente dos chifres tresloucados. Mas será mesmo
imprescindível essa legitimação da razão? Não será mais útil ouvir os apelos
dos hormônios e dos sentimentos que urgem independentemente de métodos e
gélidos esquemas? Todos têm as suas carências, presumindo-se que ninguém é uma
máquina que apenas cumpre ordens de serviço. Preencher essas carências com o
que parecer urgente no momento é como a maioria age, eticamente ou não.
A ética
libertina é um desses casos. Ouvem-se os apelos do tesão e danem-se as
incongruências ou as consequências danosas aos edifícios da vivência, como
reputação, família, posses, instituições e órgãos. Há sempre um medo latente de
ser taxado de safado, ímpio, larápio e sacana, porém isso é fichinha contra os
hormônios que entorpecem a mente e tornam a visão turva. Os libertinos fizeram
a seguinte pergunta: a dúvida da traição mais freia ou acelera a própria
infidelidade? E concluíram que é melhor se livrar desses dilemas, abraçando os
acasos da vida. Viver é festar.
Eles enfrentam
a dura batalha contra a moral e os bons costumes, além da batalha interna de
ter de esquecer tudo o que aprendeu até então, para efetivar as fantasias mais
bizarras. Quando uma minoria choca os caretas da sociedade burocrática, os
moralistas logo se aprumam para combatê-los. Ser subversivo é difícil, mesmo
entre quatro paredes. É impossível haver mutualismo num caso desses, mesmo que
a intenção seja boa (de haver comensalismo), pois o orgulho de quem não
participa interpreta o fato como uma sacanagem de parasitas sociais que tanto
corroem os alicerces da tradição de verniz consumido. Sobra cara-de-pau para
dizer que nunca haveria de cometer tais libidinagens e falta a modéstia de
permitir que outros contemplem por aí essa beleza de deitar.
Nem todas
são humildes em admitir que não são rainhas, contudo ainda podem falar, ainda
que com uma voz embargada, o que parece insuficiente. E nem todos são pacientes
a fim de suportar as histerias jorradas por princesas sem mais o afã de serem
coroadas, e ainda sorrirem, para eles seria suficiente. Refúgios contornam as
frustrações. Abstrações auxiliam na sublimação. A falta de sentido prossegue. Pequenas
vitórias enganam a autoestima. É essa a bizarrice de sentir-se cindido.
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