29 de abril de 2013

O Sono e a falta dele


Eu sempre gostei de dormir tarde, depois da meia-noite, pelo menos. E desde muito cedo, creio que é porque meus pais não me disciplinaram a respeito do horário de dormir e de acordar. Eles mesmos não serviam de exemplo, e não viram importância no hábito do sono. (- Cansaste? Dorme. Não sentes mais sono? Acorda. Tens compromisso? Dorme mais cedo. É o processo natural acima das anotações da agenda.) Não acho que haja muito problema nesse assunto moral e quiçá questão de saúde. Apenas relato que sem dúvida essa repetição de apagar só às altas horas, e claro levantar quase meio-dia - menos de oito horas de sono nem pensar! –, foi como a corda de meu relógio biológico foi dada. E persistirá até eu ficar bem velhinho e passar a dormir menos.

Quando passei a ter aulas de manhã era um tormento, coisa comum a vários adolescentes, talvez à maioria dos urbanos. Quem realmente aprende/apreende algo estando sonado? É pedir para um chapado decorar a tabela periódica. O governo deveria ou instruir os pais a não permitir que seus filhos durmam após as 23h ou deveria logo alterar o horário das aulas, ao invés das 07h às 12h, das 09h às 14h. Mas sei que isso seria inviável, porque os pais saem para trabalhar lá pelas 07h também. Não sei, talvez eu esteja falando mais por experiência própria, apenas admito que minha cabeça vai pegar no tranco lá pelas 10h, antes disso mantém-se em stand by; fico só de corpo presente.

No meio rural há mais compromissos matinais, como tirar leite de vaca e recolher os ovos da galinha, além disso, é de bom tom obedecer à autoridade do galo, senão a fazenda ficaria de pernas para o ar. Na cidade grande e inflada não se espreme algo para poder beber leite, no máximo faz-se isso com aquele restinho de iogurte que teima em não sair do fundo e da boca da garrafa. Então, é normal a criação urbana tolerar infindos bocejos das 06 às 10h da matina. Para quem se acostumou, passando a gostar de dormir até quase depois de o sol ter ultrapassado o zênite, fica difícil gostar de barulho de despertador e de mãe cutucando e mandando trocar de roupa para tomar o ônibus escolar. Bom mesmo é afundar na cama e deixar o inconsciente se deleitar com os sonhos, memoráveis ou esfumaçados. Bom, estou me delongando nesta intro autobiográfica e importuna.

Meu objetivo era contar sobre as ideias que se concatenavam e mesmo hoje insistem em aparecer, antes da parte consciente da mente apagar. Como eu sofro de “insônia pré-meia-noite”, é simplesmente impossível eu dormir antes, quando muito cochilo por uma ou duas horinhas. Posso estar cansadíssimo, apagar a tv e as luzes, concentrar-me, meditar, contar carneirinho (ah, quantas coisas já tentei nesses anos), não adianta, é preciso que os espectros da madrugada surjam sorrateiramente em meu quarto para permitirem que eu fique “bem dormido, bem dormido”.

Quantas ideias eu tive, de fato incontáveis. Foi uma verdadeira lástima eu não tê-las registrado. Quantas músicas, estórias, hipóteses e motivações brotaram desta cachola entre o estado desperto e o esmorecimento. Então se perderam, uns 99,9% delas. É uma pena que os pensamentos noturnos se desfaçam quando se acorda. O despertar do sono dá sempre um sentimento de renovação, um otimismo de que os terrores da escuridão se dissipem de uma vez por todas. É possível que o sono seja uma doença para o corpo e abrir os olhos e notar o excesso de energia interna seja a convalescença, uma espécie de empurrão que todo enfermo precisa para saber que ainda não é hora de desistir. É uma pena que a insônia amoleça todo o corpo, impedindo-o de levar o pessimismo característico dos notívagos ao ápice. Ainda bem que existem psicoestimulantes para trabalhar essas ideias sombrias. Mas será que a mente turbinada não se torna sempre otimista? Evito-os e mantenho minha obscuridade. A maior parte das ideias boas é negativa, abstrusa.

 Colo a cabeça no travesseiro e deixo a imaginação cumprir o seu papel. Se fizer calor, retiro o lençol, se esfriar, coloco-o de volta, reviro-me para um lado e para o outro, abro os olhos na escuridão, há menos luz que antes. Definitivamente, é melhor pensar com os olhos fechados, sem nada ao redor perturbando os sentidos, a mente flui produtivamente. Infelizmente, não há muita disposição para levantar e pôr as avulsas ideias num papel, virtual ou físico. Às vezes tomo vergonha na cara e escrevo, às vezes levo dez minutinhos para isso, e às vezes mais de uma hora, esqueço que preciso estar de pé cedo e enfrentar cerca de meia hora de trânsito pentelho; é preciso se concentrar em uma coisa de cada vez e sempre temos a esperança de que seremos capazes de cumprir mais e mais tarefas, até elas se tornarem rotineiras, aumentando a eficiência de sua execução.

Sem essa reflexão sonolenta é provável que eu fosse bem diferente do que sou. Menos crítico e artístico. Pois todos precisam de algum tipo de solidão e introspecção. Mas totalmente recluso. Os dados empíricos precisam ser processados pela razão nessa fase sabática, anda que de pequena duração, para tornar a pessoa melhor e mais forte. Apenas girar é viver de aparências.

De tanto ler, estudar, executar, repetir e encontrar um padrão, a mente entra em piloto automático e não consegue ter mais ideias ousadas, enevoadas, inspiradas e enganadoras como as que ela possuía antes de compreender minimamente das coisas. Ou se conhece ou se cria, mas há curtos momentos de genialidade capazes de captar ambas as coisas. Então, haja perseverança! Reconhecer os lampejos de criatividade e embarcar neles como se fossem ônibus sem parada em estação rodoviária, e não os circulares metropolitanos. Os passageiros deles servirão de inspiração a obras cheias de significado, ao menos para quem as executa. Todos querem encontrar um ponto de equilíbrio, a fim de atingir a tão sonhada satisfação, mesmo que seja por tortuosos e desequilibrados caminhos. É bom que assim sejam, haverá mais cenas para a cabeça conjecturar.

Mente cheia ou vazia, tanto faz, o demônio da obsessão trabalhará pesado nela. Desespero, amargura e existência trágica. Tentar não levar as coisas tão a sério para não se matar, também para não se angustiar com as contradições. Elas sempre surgem para quem tenta e se permite pensar com neutralidade, retirando o ego do pedestal. Fantasiar e se regozijar: as melhores fantasias são elaboradas em situações serenas, como num quarto ou num templo, no primeiro caso a mente quer se vincular ao corpo, no segundo, quer dele se separar. Escolhe-se o que for mais conveniente.

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P.S.: Tive que acelerar um pouco para haver pelo menos dois posts neste mês. É o mínimo que um aspirante a escritor deve produzir.

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