2 de dezembro de 2014

Cadê a atitude rock’n’roll? Ou porque o rock morreu




‘This is the end, beautiful friend
This is the end, my only friend, the end
Of our elaborate plans, the end
Of everything that stands, the end…’

"The End" - The Doors



 “O rock morreu”. Essa frase é dita há muito tempo, desde o final dos anos 90, que eu me lembre. O grunge, o britpop e o nu metal foram os últimos grandes momentos do rock, e ocorreram justamente em meados dos anos 90 – por favor, poupe-me do emocore. No século XXI é notório pra qualquer um minimamente ligado em música que o rock parou de tocar nas rádios e na TV, parou de gerar grandes bandas e rockstars e parou de chocar após as tetas de Marylin Manson em “The Dope Show”. Houve uma imbecilização da indústria, com novidades sendo expressas por músicas e personalidades ridículas, andróginas e pop, como Lady Gaga, Justin Bieber e Miley Cyrus, entre outras aberrações que prefiro nem citar – elas lembram o glam rock, que eu detesto, por sinal. A pergunta que todos os amantes de música boa e com atitude se fazem é: o rock então morreu mesmo ou está apenas se convalescendo? Se morreu de fato, qual foi o motivo? Adianto que minhas respostas são especulações de quem ouve rock há uns 20 anos, não se trata de estudo de caso, muito menos de estudo bibliográfico.

Primeiro ponto: a tecnologia. Do vinil para o k-7, daí para o CD, daí para o .mp3, daí para o p2p, daí para o iPod e etc. A facilidade de acesso, comunicação e arquivamento do áudio foi uma revolução, se antes era preciso viajar quilômetros, aguardar a música aparecer na rádio, trocar uma ideia séria com algum sortudo que tinha a mídia, entre outras dificuldades logísticas e de transmissão, após essa revolução ficou tudo mais fácil. Fácil até demais. O homem tem este problema: quando recebe algo com facilidade, de graça, ele não valoriza como quando desembolsa uma grana ou despende um esforço árduo.  Sendo assim, fica compreensível o tédio e a indiferença com a arte dos músicos que são encontrados em qualquer esquina pedindo um trocado e com os arquivos acessados com um mero clique. Por outro lado, a concorrência é tão grande que poucos estão dispostos a prestigiar o artista, alegando que podem baixar a obra num site ou ver o vídeo no YouTube, entre outros meios gratuitos. Eu tento comprar CDs, ir a shows e tal, porém há tanta coisa para se fazer e contemplar que fica difícil dar dinheiro pra todo mundo – admito que sinto uma leve culpa por ajudar tão pouco a cena, que é reduzida quando penso que não há esperanças anyway, que o individualismo prevaleceu. 

Segundo ponto: os donos do poder. Os conglomerados da comunicação em massa não estão interessados em nichos, em qualquer tipo de programa que não atinja o grande público, eles querem ganhar dinheiro e evitam ver a marca de seus patrocinadores manchada. O rock tem essa pecha de música de revoltado, drogado e inconveniente. É clássico o caso de Jim Morrison se masturbar no palco, proferir palavrões em rede nacional, apesar dos conselhos de alterar a letra, cantar bêbado e transparecer loucura. Há exemplos de outros artistas decadentes que agiam para impressionar o público e causar algum desconforto para a massa idiotizada pelo status quo, mas eu gosto de lembrar só do Morrison, um dos meus frontmen favoritos. Ou seja, o rock apela, ele diz na sua cara “é bom aprender: a vida é cruel, você vai morrer e não vai pro céu”. Não tem essa de ser mimado por ele, o artista com atitude rock’n’roll está cagando para o consumidor, ele não está ali para vender mais, ele está nos holofotes para escancarar as mágoas que a sociedade em geral esconde sob máscaras, maquiagens, embalagens lustrosas e sorrisos fajutos. O ‘rockeiro’ não existe para lamber sua bota, sua boca ou seu pau, ele não é colorido e manjado, ele é sombrio e autêntico, ele instiga os inconformados e provoca os inteligentes que ainda não possuem experiência para compreender o que é a vida pós-moderna.  No Brasil dos anos 80 havia as boys bands, as bandinhas de criança e as de festa, mas havia o rock sério e pesado, sendo que este perdurou. Hoje, no entanto, após um hiato, restou o rock festivo e o suave, para fazer as meninas menstruarem sem dor - principalmente após a morte (física) do Chorão e a (psicológica) do Lobão.

Terceiro ponto: há muitas válvulas de escape. As pessoas, em especial os jovens, se compararmos a 30, 50 anos atrás, conseguem encontrar substitutos e reduzir suas frustrações rapidamente. O rock, como eu disse, é (ou deveria ser) sombrio, é uma excursão ao lado negro da força, com sua superação pela expressão artística. Porém, com o excesso de meios para extravasar essa raiva juvenil e antiburguesa, não dá tempo para acumular energias ‘negativas’ que emocionem o sujeito como ocorria antes, quando o único meio para agir melancólica e agressivamente na vida era por introspecção e conversas tête-à-tête com outro sujeito que pensasse de forma semelhante. Não há como formar um grupo (extenso) que gere um movimento coeso como ocorreu nos anos 50, 60, 70, e até mesmo nos anos 80 e 90. Os interesses são muito variados, as distrações são muito grandes e os indivíduos estão dispersos. Além disso, o que ainda não foi dito, inventado e experienciado? É bem mais complicado ser original. O sistema capitalista na era da informação conseguiu absorver essa gente, unir os dados e impedir que artistas com ideias ousadas e incisivas prevalecessem na grande mídia, relegados ao underground. Nunca o mainstream foi tão careta.

Quarto ponto: há uma grande nostalgia pelas bandas clássicas. Isso não abre espaço para que novos artistas e novas concepções vinguem. O capital entendeu isso e vende os shows de ‘rock pesado’, como Iron Maiden, Metallica e AC/DC, esquivando-se da alcunha de ser ‘contra o rock’. Ora, esse pessoal virou marca, já deu tempo mais que suficiente para formarem um público imenso e cativo, que paga preços exorbitantes por um ingresso, mais os boxes de CDs, DVDs, figurinhas e bonecos. Gene Simmons foi quem iniciou esse processo, replicado mundo afora, de atrair o fã colecionador e gastador. Eu gostaria que esses mesmos investidores aplicassem sua grana em bandas com menos de 5 anos de estrada e 2 discos na bagagem. Duvide-o-dó. É disso que se trata a mídia conservadora e covarde, não estimula a cena musical divergente, mas apenas os produtos rentáveis, ou seja, vende o pop e o mais do mesmo - é claro que isso sempre aconteceu, a mídia preferia mostrar o galã Elvis ao estranho Johnny Cash, contudo a diferença é isso estar hoje exacerbado.

Por fim, noto que hoje em dia o mais importante é parecer bacana, sorridente e vencedor. O ‘loser’ não se insere socialmente, então resolve se tornar ‘emo’, choramingando porque não tem amigos e porque seu círculo não entende as suas tristezas. Ora, esse ressentimento é e sempre foi muito comum entre os adolescentes, o que mudou é esses jovens se trancarem num quarto planejando seu corte de cabelo, suas mensagens suicidas e seus vídeos chamativos e tristonhos. Ora, ora, pegue uma guitarra, um microfone ou uma bateria e faça um som que expresse sua inconformidade com o mundo ou com seus vizinhos, ou então escreva um livro com todos esses pensamentos soturnos, infelizes e rancorosos e divulgue-o entre a galera rock – a geração Beat (beatniks) era formada mais por escritores que por músicos (de jazz e blues) e influenciou fortemente o nascimento do Rock. Não há mal algum nisso, é apenas ingenuidade sua pensar que só os outros são felizes; as máscaras dominam as relações sociais, a sua máscara é apenas a mais mal modelada, por enquanto, pois pode se transformar, ficando bela, ainda que bizarra, desde que haja uma ação autêntica sobre ela. A vontade deve se direcionar para fora e não para dentro, pois isso corrói qualquer um, mas é o que tem acontecido: de tanto fingirem, as pessoas se esqueceram de cuidarem de si mesmas, deixando o invólucro bonitinho, enquanto o conteúdo ficou podre, carcomido por essa vontade verdadeira reprimida.  O rock expressa angústias, entretanto, numa sociedade neurótica e vigilante, ser revoltado, feio e barulhento parece incomodar demais, fazendo crescer nesses moleques a culpa de serem excluídos por não se adequarem ao padrão de conduta ‘normal’.

Percebo, ainda, uma ojeriza em pertencer ao underground. É a velha questão dos modismos. “Ninguém mais escuta rock, isso é som de velho, do tempo do seu avô”. É como pedir para um jovem ouvir Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Carmem Miranda ou Cartola. Jovem tem horror a ser ultrapassado, ele precisa ser descolado, cool, pagar de gatão, ainda que seja contra suas preferências estéticas e reações emocionais. Há uma primazia pela inserção social, senão sofreria bullying, esse demônio juvenil - basta ser 'zoado' pelas imperfeições da natureza, o jovem então se esquiva de provocar mais pilhérias por seu jeito excêntrico. Apesar de tudo, ainda existem garotos e garotas com massa encefálica em funcionamento saudável e com obstinação para enfrentar esse trator da homogeneidade de pensamento e do espírito de rebanho, suportando o fato de serem avulsos. O Clown do Slipknot criou uma boa personagem para esses rejeitados do sistema: maggots. Eles são vistos como vermes pelos ‘descolados’, no entanto não param de se reproduzir e ainda possuem alguma expressividade e beleza, ignoradas pelo status quo. É uma pena, pois amplia o preconceito de ambos os lados. O rock (enquanto movimento cultural) morreu, mas seus descendentes ainda demorarão muito tempo para serem extintos. Et vive la résistance!
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P.S.: Indicações de leitura (na realidade a 1ª é um imperativo aos que se interessam pelo tema, já a 2ª não): “O Rock Morreu: mas a boa notícia é que ele está embalsamadohttp://whiplash.net/materias/biografias/197236-industriamusical.html#ixzz3KUMsSxSt

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