27 de maio de 2012

Toda frase é dispensável. Nós prosseguimos enunciando-a


Agora, o vazio


Agora partem os valores e os princípios.
Ué, cadê a verdade que cá se postava,
Que amiúde na rotina revelava-se?
Ética dos costumes emblemática


Os pais entregam seus filhos a outrem criar
Em paz estragam a cria de gerações
Então carregam a culpa pelos maus tratos:
Babás supersticiosas, mamães ociosas


Descarga de tensão em jogos virtuais
Bullying, humilhação e pedra em animais.
Uma criança não é anjo e nem capeta,
Busca sua identidade e auto-afirmação;
Anseios sob repressão bastante a afetam


O retrato de família coesa de outrora
Cunhou o reles jargão “tal pai, tal filho”,
Mas se desgastou, seu brilho foi-se embora.
Restaram os genes e o teimoso atavismo


Qual será a influência predominante?
Aparentemente há sorteio, é randômico.
A ignorante pressa nós arrogamos,
Não se nota o óbvio e restam os reclamos:
“O bom dura pouco”, “o mundo está perdido”


Deparar-se com o vazio é comum
É muito incomum lhe sorrir de volta
Ninguém convida agressor algum,
Porém, conviver com o inimigo íntimo
Desperta em nós compaixão – lugar-comum


Preenche-se o vácuo com cores berrantes
Berro interior após lutas hercúleas –
Imperativo do hedonismo a todo instante


Sem vestir a máscara de ator contente
Julgam-me persona non grata ou enfadonha –
O Surto da Síndrome do Decadente

&EΣε€Є

Maletas e Muletas


Qual é o peso das malas que levamos nas viagens?
Será leve se aproveitamos o percurso – leves rodinhas
Mas toda mulher carrega nas costas as bagagens

As covardes traições cometidas contra os queridos
São sinceras fugas diante da angústia de viver sem amor
Quando o outro desejado nos rejeita, resta o rancor

Amor platônico só é bom quando nunca deseja agir,
No mundo ideal toda ação é prova da imperfeição
O que é perfeito se contenta em ser pura potência,
Infelizmente, o homem precisa das aplicações
E doravante se arrepende com as conseqüências

O medo aprisiona, mas ninguém preso fica,
Despontando a gritar regozijos, nem diz ser rica.
A vítima o agressor culpa, pesando sua consciência,
Enquanto isso, toda mulher carrega as bagagens,
Após precisa inventar as próprias miragens

Para viver, por vezes seguimos às cegas.
Segue a seta que tu apontas a ti mesmo
Um dia te pegarás contemplando adegas,
Senão viverás de muletas dependendo;
Eu ando sem elas, jamais me arrependo

.
P.S.: Excepcionalmente 3 postagens no mês, por nele completar  3 anos de blog.


12 de maio de 2012

O Inferno de Strindberg


Trespassando a burguesia temos o infernal, tal qual Hefesto, forjando o modernismo, mas desta vez como fruto poético, e não como metalurgia. Das gélidas trevas, “nascido já nostálgico do céu”, foi compelido a fugir do inferno da sociedade que o criou, por conta do bombardeio moral a suas idéias controversas. Ora, se a racionalização é inútil quando tudo é ilógico e hostil à existência, inevitavelmente conturbada e carregada de tormentos dentro da cachola, o melhor, aliás, o fatídico, é contestar essa tradição. Não antes sem haver uma pitada de vingança, pelo orgulho ferido de ser excluído do meio acadêmico por causa de métodos pouco ortodoxos. Como culpar o pavio curto, as manias e o imanente espírito artístico? O melhor seria nunca ter tido pretensões positivistas, desde que a sociedade aceitasse a subjetividade e os dramas humanos como fonte de conhecimento.

Essas concepções transgressoras da subjetividade aliada a uma proposta criativa para a então eminente arte são permeadas por conflitos e turbulências. As alucinações e os devaneios, sejam visões corriqueiras ou esporádicas, formulam as próprias significações, que são singulares e contíguas e, sem dúvida, criativas e ousadas. E toda a matéria-prima se encontra no cotidiano, na vida pesada, na jornada de dores por perdas e de perdas com dores. Se o fato se apresenta, não o temamos nem reprimamos, absorvamos, ainda que pareça ser uma “luta inútil contra os invisíveis”. Se os números falam, respondamo-los, afinal toda ajuda é bem vinda. Se os parentes e amigos não podem vê-los, que se esforcem para atingir a verdade. Comunicação é relação que exige capacidade de iniciativa, apesar de não estarmos a toda hora pró-ativos – mas que infortúnio!

- Paraliso, destruo, rompo, dissolvo a ordem presente. Sou o incendiário do mundo! Desde pequeno busquei a Deus, mas reneguei esse déspota e encontrei o demônio (Alp). Já que o Inferno é o espelho da Terra, eu serei enviado, como Bhrigu, às profundezas por meu mestre, em face da minha presunção, e trarei de lá o fogo purificador. Mas antes disso, passem pelos labirintos de minha mente, que é inteligível, contudo são poucos os heróis como Teseu dispostos a percorrê-lo.

 É útil, ainda, salientar que a travessia possui muitos pontos cegos e as tochas iluminam-na por pouco tempo; aquele que compreender que deve abandonar o temor o quanto antes, tateando por algum tempo no escuro, encontrará a saída mais cedo, pois as sinuosidades diminuirão. Por tortas estratégias criam-se retas. Enfim nasce o senso estético, deveras atormentado.

No meio da luta entre o bem e o mal, ou ao menos de seus conceitos, o artista buscava auxílio das forças divinas, que até lhe davam forças, contrabalançado pelo medo infundido. Nesse campo de batalha espiritual vozes advogavam para o escritor tomar o caminho mais proveitoso, porém ele se sente puxado violentamente por esses poderes que se movem no mesmo sentido, mas em direções opostas. Como saber se a escolha o levará à redenção ou ao abismo, sendo que as culpas e os pecados enrijecem-se em sua consciência? Durante a existência raramente podemos usar o fio de Ariadne, os  sucessivos pontos de interrogação irão assombrá-lo; saber responder ou evitar as perguntas pode ser tranquilizador. Todavia, se os questionamentos não cessarem, os tormentos aumentarão exponencialmente, trazendo a insanidade ao indivíduo. Logo o inferno êxito logrará.

A fim de obter bons resultados em alquimia, o literato de outrora sofre com a aflição por conta do manuseio de elementos químicos sem a proteção e os cuidados necessários. As mãos encontram-se assadas, a dor crônica o impede de realizar qualquer trabalho manual, inclusive usar a pena; porém o significado das escamas se soltando da pele foi de limpeza, o corpo se encarregava de expelir os venenos. O sangue era a consagração da atividade. Tudo isso era facilmente suportável, a única agonia era não dever agradecimentos além de a si mesmo e à alquimia. A solidão, o silêncio e o deserto eram imperativos ao temperamento irrequieto, curioso e teimoso. Para suportar o isolamento foi preciso dispensar a sociedade, e se fosse preciso, como de fato foi, dirigindo-lhe ofensas, inclusive a entes queridos. Incauta soberba: isolado ninguém faz milagre, é apenas ilusão.

Uma pena isso, pois os impetuosos percebem a burrada após algum tempo e então se consomem de remorsos. Fraquezas dos sentimentais: álcool e meretrizes. Péssimas companhias, apesar de contínuas. A durável vaidade e o orgulho ferido desses seres precisam de escapes e de desculpas, ainda que esfarrapadas – contagia-se pela hipocondria e pela paranóia. O estrangeiro em uma terra não tão estranha vê ciladas em toda parte. Isto é, sai duma jaula e entra numa gaiola. Sentir-se no abismo da tristeza é apenas uma projeção da própria incompetência. Compadece de si para provocar a piedade das misericordiosas. Perdido por dentro, portanto perdido por fora.

Ao velho a juventude é um inimigo natural, desde que ele não a tenha aproveitado, ou seja, envelheceu sem viver, fez-se ranzinza, turrão e casmurro: “o outono aqui dentro, a primavera lá fora”. Após uma sucessão de eventos sem significado, o tédio surge e a melancolia se instaura. Sem paixão a vida é um fardo; incapaz de declarar seu desejo por qualquer dama (interessante ou não) ele ficava passivo, sendo escolhido por alguma rara mulher de atitude. A fim de evitar o sofrimento com uma libido não efetivada, ele reprimia sua paixão e punia-se como se isso fossem “pecados ou tentações” – doente. Na falta de equilíbrio, agarrar-se ao terço, à cruz e aos cristais é a maneira mais rápida para alcançar alguma serenidade. O espírito corregedor do ocultismo remeteu nosso herói ao mundo platônico; longe deste terreno, a nostalgia libertava-o dos anseios carnais e decadentes.

Notas e escritos num diário funcionaram como um bom remédio. Expressar o que incomoda, e exige sair do sujeito para se difundir e influenciar mundo afora, alivia e sempre traz um mínimo de paz de espírito. O problema é se desequilibrar novamente e cair em superstições e manias tolas – efeito da insegurança. Um moderno querer regressar à Idade Média quedará maluco, a história não perdoa. Por ora, é impensável conviver com as dúvidas e as incertezas, apesar de não ser possível escapar delas. A razão organizadora e tirana enfim tem seu efeito colateral: tormentos psíquicos. É mister haver uma fé: a felicidade é um fim a todos, se por um caminho (o racional) não foi possível atingi-la, restou optar pelo outro (o ascético), “e que renasça a harmonia da matéria e do espírito”.

Para retornar o sentimento de juventude e livrar-se dos tormentos foi preciso fugir dos sórdidos ambientes onde freqüentava. Num jardim parisiense a alegria absorveu-o, claro que provisoriamente, enquanto pensava vislumbrar e contemplar a beleza natural que o divino criou. Bastou um leve incômodo (a ele uma maligna provocação) para a paranóia e a irritação voltarem com tudo – todos eram suspeitos de conspirações para infernizá-lo e agravar sua angina. Sem encontrar uma ciência metafísica, tudo lhe parecia deslocado e labiríntico – a beatitude fora perdida. Ao menos ele levantou a hipótese de ser o culpado pela demente imaginação, ainda que não se convencesse disso. E pouco importava sua culpa, ele não se considerava dono do próprio destino.

Vencido, deita-se resignado e disposto a morrer, curvando-se às incomensuráveis forças divinas. Porém, tal qual um judeu, seu orgulho é inflado pelas inúmeras humilhações e ele dirigidas. Vitimiza-se constantemente, em parte a fim de despertar compaixão e clamar por auxílio, em parte porque justificaria seu estado de danação. É mais por birra e vaidade que o ranzinza não se mata – jamais deves regozijar teus inimigos! Podes sair estropiado da luta, “mas com as honras do combate”. Após esse demasiado convívio com a tristeza, ódio, ira e vingança instauraram-se em seu coração definitivamente, ou em sua mente. Malditos sejam os ricos, os felizes, os viventes...

Enfim reconhece que passou por belos momentos, por celestiais estados de espírito, e que essa felicidade, ou alegria, só é possível com os cuidados e com a limpeza da consciência. É a má consciência, esse morcego que à noite bate à porta e entra de assalto no quarto, que traz a perspectiva neurótica e pessimista das coisas. Só dá adeus aos bons sonhos quem não tem paciência e diz não ter tempo para regar o próprio jardim; e os que não sabem o que querem. Esses sonhos parecerão curtos aos olhos de quem os dispensou em detrimento a outros mais atuais. Assim, seguirá em marcha aleatória, em peregrinação a um objetivo sem sentido, pois não sabe o que quer. Quem não reflete sobre o que realmente deseja avistará tentação em qualquer bijuteria.

O demônio tornou-se um espantalho apenas e Strindberg consolou-se com esta graça concedida: Swedenborg devastou as ervas daninhas em sua mente e sua luz clareou o céu. Por fim, expiação, e conseqüente salvação, por uma religião nova e progressista. Após uma formidável batalha contra o verdadeiro inimigo (superego versus ego), a resolução: arrependimento (perdão). A ajuda de Balzac foi pontual: “o remorso é a impotência de quem persiste no erro. Só o arrependimento é força que acaba com tudo”. E sua vida não terminou, não houve tragédia, mas sim cura – redenção! E termina católico, sem trair seus antepassados (a religião mater), e ainda passivo, alegando que foi o próprio catolicismo que o perseguiu e esclareceu-o sobre a existência. Existência essa que servirá de exemplo aos que não se deixarão enganar pela vaidade de um profeta-impostor, que se julgava inútil e tolo, mas que deu, ao menos, uma ínfima contribuição ao mundo, ou uma imensa, se você tiver mente aberta a um aprendizado litero-filosófico.

Fonte Bibligráfica:
STRINDBERG. Inferno. Ed. Hedra, 2010.

9 de maio de 2012

Escuta teus sonhos, se puderes


Oniricamente falando


Não choveu enquanto chovia
E eu me pus a imaginar triângulos redondos
Isso porque meus pensamentos imperfeitos
Inscreviam-se em versos perfeitos


Perfeição do que não está acabado,
Posto que tudo é matéria e nada termina,
Os ideais são deveras ilógicos.
Se discordar, tente você puxar suas linhas


O homem entrou no buraco da agulha
E não quis mais sair daquele fundo,
Poço fundo povoado por anjos
E por quem mais puder ser mudo
Neste mundo infinitamente infinito


Já o buraco da chave não podia adentrar
O buraco da fechadura da dura porta,
Que era rangida por velhas dobradiças
Relembrando-me cânticos de missa


Forte infortúnio afortunado!
Nesse domingo avistei paquidermes:
Do branco nariz dos elefantes broncos
Saíam armas mortais a inimigos,
Mas não a protegidos de Hermes


Nem a seguidores de Orfeu: os líricos.
Ressoava a lira e se esqueciam das normas,
Sejam as civis ou as gramaticais.
Estão conservados em tonéis com formol,
Num mundo onírico, os seus cordões umbilicais


Marujos de calça curta velejavam,
Após suas moafas de rum à beira do cais,
Um barco dentro de uma garrafa
Outrora preenchida de microgirafas


O chamado traiçoeiro e sedutor das sereias
Foi abafado pelo esguicho das rajadas baleias,
O mergulhador aproveitou os jatos d’água
Para surfar sobre o cilindro sibilante.
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Jardins Suspensos em Mim

Um vale foi construído sobre prédios:
Os jardins suspensos metropolitanos.
Era agradável caminhar nesse arcano,
A floresta filtrava nossa diária poluição

Amigos desaparecidos por lá aparecem
Rinocerontes e ocapis luas observam.
Respeito e sorriso são estruturas
Que azuis e verdes conservam

Então recebi no tímpano flechada -
Aviso do que não mais deveria ouvir.
Mas batom cicatriza feridas caladas
Auto-infligidas, por timidez e orgulho

Eu deveria estar lá, e lá estou;
Cá não estou, ainda que o corpo não vá.
A mente voa veloz, projeta ali
O que aqui eu não bem percebi
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