27 de outubro de 2012

Incorporando Wittgenstein à minha incipiente filosofia


Tive várias aulas sobre Wittgenstein e acabei sendo influenciado por sua filosofia. Se você não conhece o filósofo, já sabe o que fazer: pesquise. Num primeiro momento eu teimei em aceitar as suas ideias que rompiam com a tradição metafísica, em especial a cartesiana, que balizou o pensamento ocidental devido ao seu bem fundamentado dualismo sujeito e objeto. Eu mesmo me vi confrontado; a minha pesada bagagem cultural e intelectual de nada valia: questões éticas, políticas, estéticas, metafísicas e religiosas não passariam de non sense e falatório vazio, aquilo que o austríaco chamava de “roda solta”. Ou seja, toda aquela clareza e convicção dos pensadores ao longo da história de que havia o mundo de um lado e o sujeito pensante de outro, com a necessária conclusão de que a realidade era inferida pelo observador, tinha o mesmo valor de conversa fiada em botequim ou em salão de beleza. Isto é, psicologia popular, porém com insígnias aos acadêmicos que se julgavam acima da carne seca.  

Mais tarde surgiram as polêmicas entre empiristas e racionalistas, mas isso não importava, pois ambos tinham a referência como fundamento do conhecimento ou, para usar um termo específico, da epistemologia. Enquanto as ciências naturais se desenvolviam, paralelamente as ciências humanas precisavam se encaixar em algum método para garantir algumas certezas, ou pelo menos se justificar. É claro que sem as pretensões de um saber exato, afinal seu laboratório são as intranqüilas relações sociais. Assim que padrões eram descobertos, “naturezas humanas” eram anunciadas, com uma crescente cobertura midiática. Era como se tudo que saísse do homem possuísse essências, restando aos cientistas, ou filósofos, descobri-las, ainda que elas se esquivassem feito galinha matreira. Então a terra se abriu, dragou as ilusões e fez um estrago no círculo intelectual equivalente a um tsunami ou a uma hecatombe. Uma perspectiva devastadora talvez no mesmo nível das assombrosas descobertas de Einstein e de Planck, contemporâneos do também excêntrico Ludwig.

Esses anos 1920 foram uma aventura mesmo, o pós-guerra 1.0 prometia muito, foi preciso um pós-guerra 2.0, e posteriormente sua derradeira (tomara) versão 3.0, para o homem receber lições de humildade a fim de não ferrar com tudo e simultaneamente não viver (ainda) em cenários futuristas, de odisséias no espaço, de viagens no tempo ou de eugenias com fins para lá de duvidosos. As perspectivas da vanguarda eram espantosas, bastava o indivíduo mergulhar de cabeça nas filosofias da época para virtualmente viajar para outra dimensão, dispensando tecnologia e alucinógenos. O problema é que grupos, ou antes memes, conservadores exerciam seu costumeiro papel de freio e de visão dura da realidade insossa. São tantas idéias que precisam vingar e tantas pessoas com inveja da felicidade e da subversiva criatividade alheia que não podem permitir contínuas ameaças ao status quo; para ambas o mais provável efeito dessa dança das cadeiras é a balbúrdia e a anarquia, ainda que os reacionários depois de alguns anos ou gerações venham a se adaptar às mudanças e se insiram no contexto (pós) moderno. Quem pensa devagar precisa viver devagar, delegando aos aventureiros os riscos da vida perigosa, autêntica e artística. Esses pioneiros pagam o preço por se desprenderem da embarcação, deixando a correnteza cumprir seu destino. E eles não ligam por terem sido molhados e, porventura, terem engolido água, pois às vezes só uma enxurrada pode retirar do espírito as crostas da tradição.

Voltando... Wittgenstein reduziu as questões filosóficas a esclarecimento lingüístico, deixando o filósofo como mero limpador das vidraças – ou seriam lamparinas? – textuais. No máximo a sua inovação viria de perguntas perspicazes e pertinentes. É claro que a galera deu chilique, afinal todo mundo perderia o emprego e a pompa do dia para a noite, restando contar aos alunos sobre história da filosofia e praticar a exegese sobre os calhamaços acumulados até então, pois a especulação em busca das verdades já era. Sim, desapareceram: a verdade, a essência platônica ou mesmo aristotélica e as perguntas do tipo “o quê é isso”. E daí? Através dos jogos de linguagem as pessoas continuariam a se entender. Cada palavra, cada frase, cada contexto, cada prática, cada passo na teia argumentativa forneceria significados, muitas vezes únicos e na maioria dos casos efêmeros, mas que teriam sua efetividade. Assim como nem tudo na vida é gravado fidedignamente pela memória, os significados de cada jogo realizado entre duas ou mais pessoas são intercambiáveis, como uma bexiga passada de mão em mão que ora enche, ora esvazia, até um engraçadinho acabar com a brincadeira. As regras gramáticas, apesar de postas a priori a fim de possibilitar um entendimento universal, não impedem a criação de outras regras durante o uso. É como o futebol, que começou com certas instruções básicas e hoje é jogado de várias maneiras, com a exigência do gol e da bola no pé para haver um vencedor no final, no caso de ser algo mais que uma brincadeira.

Doravante, todo dono da verdade passou a ser ridicularizado por quem compreendera o relativismo das questões humanas. A verdade está aqui, no mundo, cabendo à linguagem proferi-la, com o homem sendo seu humilde porta-voz, não há o que ser feito a fim de colocá-lo num pedestal como gênio da nação. É claro que o poder, a grana e outros artifícios continuaram a seduzir vários incautos para prosseguirem com as homenagens magníficas em direção da vanglória – fato compreensível, porquanto a maioria das pessoas é maleável e carente e utiliza lógicas pouco rigorosas. O Geninho foi uma pessoa esforçada que captou os fatos com os recursos disponíveis e com uma lógica impecável. Houve mais um avanço da ciência, viva! Agora, o que isso significa para a vida de bilhões de pessoas deste planeta? Pouca coisa.

O que realmente interessa aos terráqueos dotados de articulação simbólica não são as questões científicas ou filosóficas, são aquelas não naturais e bastante existencialistas. Eles irão invariavelmente adotar uma postura sujeita a contestações sem fim, pois é sem referência e está aquém de verificações. Mas sua vontade pessoal, e conseqüente satisfação, bastariam como réplica. Quem estrutura a própria vida fugindo das contradições passará por apuros, com chances de entrar em pane rapidinho. Abraçar uma filosofa por inteiro demanda várias compromissos, do contrário transbordariam incoerências. As filosofias não concorrem entre si, cada pessoa pode puxar um pouco de cada uma delas, atentando-se às incongruências práticas desse ecletismo. Não há progresso aí, há o que o estruturalismo ensinou: fases históricas de desenvolvimento que podem se comunicar e que dispensam hierarquias. Tanto é que mitologias milenares vigoram em todos os pontos do planeta onde existam grupos sociais atrás de “virtudes” e “bem-estar”.

Essa metafísica é importante, mas não enquanto busca por verdades, e sim por sentido. Cada um tem preferências, gostos e afeições – algo mais subjetivo seria impossível –, logo é bobagem querer padronizar os costumes. Haverá sempre arbitrariedade, tanto para um indivíduo solitário quanto para um líder autoritário. Dar valor a certo costume é garantir a sua verdade (no sentido de convicção) ou reconhecer que esse hábito é verdadeiro é valorizá-lo? Confrontar juízos é comparar entre as opções disponíveis o que é melhor para a própria vida, assim vão sendo consolidadas convicções e rumos, só após percorrer esses caminhos a pessoa poderá julgar a própria conduta. Os projetos devem ser traçados – é bom lembrar que deixar de escolher é uma escolha – para no fim serem frustradas ou garantidas as expectativas. Com o preenchimento delas ao longo da vida a pessoa obterá muitos significados, entre eles o da alegria à existência, que talvez seja o anseio mais universal de todos: felicidade sem remorsos. Contudo se nada disso tiver sido feito, a tentativa de inércia máxima continuará válida. Não há garantias para além do querer, há apenas o esforço de se conduzir bem e a esperança de atingir bons resultados. É nesse subjetivismo que a ética, avessa à verdade objetiva, inevitavelmente atinge a todos, responsabilizados por seus atos sociais. Olvidar não se pode das punições institucionais, tácitas ou expressas, pois mesmo que todo pensamento correto seja válido (não há pecado) nem toda ação é válida, pois com ela perturbamos terceiros, avulsos à ética do agente.

Joguemos, enfim, a escada fora, sabendo separar o que é a estrutura lógica que fornecerá epistemologias, que são de pouco valor ao cidadão do mundo, e o que é jogo de linguagem e da existência, que muito diz e valora, só podendo ser objetado por alguma contradição intrínseca que nem dará curto circuito no caso de autoengano. Por outro lado, as referências tradicionais (Deus, Ciência, Estado e Leis) batem em nossa cabeça o tempo todo com seu atiçador de lareira importuno, lembrando-nos de que a civilização cobra seu preço: o mal-estar dos impulsos necessariamente reprimidos. Sorte de quem age e se projeta contentemente. Ele é compreendido e se compreende, dribla o niilismo que sai por uma porta e entra por outra, e ainda preenche a sua vida e a dos outros com sentido. Sentido diverso daquele de até então, empurrado goela abaixo, e agora arbitrariamente (também consensualmente!) construído, em parte à revelia dos poderes vigentes, com fins de satisfação cínica. Sem os rigores de metodologias cartesianas, mas pragmático, o sujeito falará o que o mundo (não uma cultura isolada) permite pensar e praticar. Por fim, é aconselhável agir sem hipocrisia, seguindo as regras propostas e acordadas, visto estas possuírem pretensões universais, para os relacionamentos não descambarem em sofismo: ética do vale tudo, jogo social bárbaro e sem sentido além de violência gratuita, acusações ou vandalismo. No mundo e na linguagem está todo o segredo da realização. Isso é o que minha interpretação confusa conseguiu captar e traduzir para vocês, meus críticos compreensivos.
 §Ś
P.S.: Favor perdoar a miscelânea de perspectivas sem aprofundamento, o castelinho ainda está sendo erguido, e sem a devida minúcia de engenheiro.

2 comentários:

  1. "Espíritos Grandiosos sempre encontraram oposição violenta de mentes medíocres."
    Albert Einstein

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  2. Lembrei de ti quando vi este vídeo...
    http://www.youtube.com/watch?v=dSrT2hnbSVs&feature=BFa&list=PL07B0335DB52A516B

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