13 de julho de 2013

Duas (subentendidas) Considerações Psicanalíticas: I - Jovens Neuróticos e a Civilização


Observe um garoto – ou guri, piá, pivete, dependendo da sua região -, pode ser uma menina também, tanto faz, você verá como ele é cheio de energia, curioso e alegre. Uma criança normal gosta de brincar, qualquer uma, exceção feita àquelas com algum distúrbio psíquico que leva à apatia e às que, por alguma grave restrição física, cansou de sonhar em mover os braços e as pernas. É verdade que a falta de limites e o excesso de estímulos, ambos quase sempre motivados pela displicência dos pais, está formando uma geração de capetas hiperativos e mimados, ou seja, agitados e petulantes em demasia. Logo mais estarão frustrados com a frieza, a indiferença e a segregação da sociedade adulta. Mas isso é tema de outro post. Grosso modo, as crianças urbanas, ocidentais e a caminho de se civilizarem são tão divertidas e espertas quanto as “selvagens”. O lado instintivo também grita por dentro. O sortudo que ainda preserva a memória de quando era pequeno certamente me ratificará. O sortudo que tem um filho facilmente isso identificará.

Contudo, a educação, o mercado de trabalho, a televisão, a internet, a moral, etc, exigem dos pais que seus filhos percam ligeiro esse lado brincalhão e improdutivo. É preciso aprender a ler, a somar, a escrever, a decorar, a cantar o hino, a repetir frases em inglês, em francês, em cantonês, etc. Disciplina é a palavra, é a ordem. É claro que há uma unanimidade entre os moleques: a chatice de ficar sentado na carteira obedecendo à tia, de fazer os deveres e de prestar atenção em cada besteira dita na escola. Doutrinar é a palavra de ordem. Os pais têm ciência do modelo pedagógico e do conteúdo programático para onde enviam os filhos, apenas não entram em detalhes para não perderam tanto tempo e por confiarem nos diretores, secretários e inspetores.

Detalhe, os bebês crescem rapidinho, a mãe ainda se recupera dos quilinhos a mais e da descarga hormonal, o pai ainda se recompõe financeiramente com os gastos extras e então o pimpolho mal pode ser carregado no colo. Quando vai reparar na ternura, já passou. O menino fala gírias e bate-boca por futilidades. A mocinha já está de olho nos garotos mais velhos e talvez esteja aprendendo a beijar. Todos sabem que precisam seguir inúmeras normas, e eles mesmos criam outras, afinal tendem a copiar o que está implícito em sua rotina. O futuro do país em grande parte depende deles, a sociedade almejada deverá ser como infundida diariamente em suas cacholas em formação: racional, organizada, produtiva, civilizada e hierarquizada. Desse modo prosseguem o jogo. Reprimem cedo suas propensões infantis e travam no tempo. Água represada deixa marcas indeléveis no terreno. Não é fácil notar a criancice dos jovens adultos e a precocidade da puberdade? É como se os assuntos fossem praticamente os mesmos durante uns 20 anos, dos 10 aos 30.

Eis o cenário que vislumbro: brincadeiras são por pouco tempo mera distração, gradualmente a competição se torna séria e o instinto de prevalecer aliado ao pecado capital da vaidade deixam as inocentes crianças neuróticas. Então o mundo se divide em dois, de um lado os agradáveis vencedores e do outro os detestáveis perdedores. Ninguém quer fazer parte do segundo, apesar da maioria nele se encontrar. A leveza de brincar pelo exclusivo prazer lúdico está se perdendo cedo. O que realmente importa é performance e destacar-se. O céu é o limite. O pequeno da turma (café-com-leite) tem que ficar esperto, sua fase de inserção e aprovação é ligeira, célere, em breve ele terá que se afirmar, tentando superar os mais velhos. Essa seriedade é um saco.

Esse sistema quadrado, rígido e excludente combinado com adolescentes que usam uma coroa na cabeça dentro de casa tem seus efeitos claramente percebidos. É o desaforo, a ausência de comprometimento com qualquer causa solidária, a agressão gratuita e a sexualidade precoce. Eles não são ensinados a casar cedo, mesmo assim querer fazer sexo, é claro, e são compelidos a isso, sob pena de ser o cabaço da galera. Quem receber esse rótulo irá se retrair ou então partir para cima dos outros, exercendo aquela marra típica dos juvenis nervosinhos e urbanoides. Sem ritos de passagem claramente identificáveis, como ocorre nas sociedades tradicionais e primitivas, os próprios jovens inventam uma forma de separar os que se julgam prontos para a vida e os que ainda estão embaixo da saia da mamãe. O problema é que na verdade ninguém quer perder o teto e a mesada do papai.

É a autonomia com um grande lastro por trás, e jamais se admite covardia ou moleza. Os índios caçam, recebem instruções desde cedo para enfrentar a vida florestal, reconhecem seu papel social e quando se tornam adultos encontram-se confiantes e sem qualquer vontade de zombar do vizinho. Seu lastro é a natureza. Sua escola é em campo aberto. Sua ambição é viver. Sua alegria está em cada momento. Ele caminha, corre, pula, atira flecha, etc. Enquanto as nossas ficam em salas quadradas, presas em cadeiras quadradas e carregando mochilas quadradas. Os hormônios anseiam por correria e contato, como entre os indiozinhos, porém a grande diferença é que os segundos têm atendidas suas necessidades imediatas e os primeiros se frustram insertos em disciplinas e restrições motoras com promessas de felicidade. Sei que essa é consequência inevitável de uma sociedade mais complexa, povoada e progressista, que talvez se iluda mais que a outra, por mais mítica que seja.

Cada estágio de crescimento tem sua hora de acontecer, é difícil adivinhar o que as crianças exatamente pedem – e nem devem ser plenamente atendidas para não criarmos reizinhos metidos -, o fato é que o organismo dá sinais comportamentais, que são ignorados por professoras mal treinadas e mal amadas, que acusam os fedelhos de endemoniados. Como etapas são puladas, elas nunca se efetivam, fica sempre aquele gostinho de quero mais. Além disso, há uma liberdade de voltar atrás e repetir certos atos que não deveriam ser convenientes para certas idades e posições. Esse relativismo é um saco também, um mínimo de repreensão deve ser internalizada para impedir que brote uma geração de retardados. É o velho bom senso sendo requisitado. Certeza que essa relação entre o indivíduo e sua sociedade nunca deixará de ser conflituosa, desde que permaneça a ideia moderna de sujeito, de um ser à parte dos outros objetos do mundo e fundamentalmente diferente de qualquer outro membro do grupo. Certeza também é que os mais velhos sempre têm suas esperanças frustradas com as reações dos mais novos, decepcionantes e aparentemente sem futuro, então um ataca o outro, de rebelde e de senil. São pais e filhos, em perpétua dialética.

 

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