A mídia – ou os media, como você prefirir denominá-la –
não tem como ser imparcial. Ela sempre carregará um cunho político quando
desejar atrair atenção para si e arrecadar grana a partir dessa popularidade. E
quando não é essa a intenção dos investidores e jornalistas? Ela é uma
panfletagem disfarçada. Sua ideologia se oculta em conteúdos a princípio
avessos a questões políticas, como é o caso de esportes e classificados. Porém
seu ideário está lá, mesmo que escondido embaixo de travesseiros
revolucionários ou conservadores. Muitas vezes o posicionamento é escancarado,
como são a Veja (direitista) e a Carta Capital (esquerdista), nesse caso
o leitor sabe de antemão o que esperar ver na revista. Mas na maioria dos casos
é preciso um contato mais prolongado com o impresso ou então dicas de um
conhecido sobre a publicação.
Editores jamais permitirão certos
dizeres, os contrários às diretrizes e políticas da empresa, nem ofensas
dirigidas a ela mesma, senão perderia sua credibilidade. No máximo, permitem-se
zombarias, ou um auto-escárnio, algo que seja claro e rapidamente identificado
como piada, que reluza a ironia para que nenhum desavisado, à exceção dos
idiotas e dos autistas, não perceba que a falha foi intencional, para entreter
um pouco a platéia, ou seja, os consumidores. Nada mais em voga do que fazer o
público rir e sentir-se bem, tanto com a graça quanto com o engano de ser mais
esperto que os detentores dos meios de comunicação. Também são permitidas opiniões
avulsas, de colunistas e cronistas quase sempre polêmicos, seguidas do
enunciado “este jornal não se responsabiliza (ou coaduna) com as opiniões aqui
emitidas”, ou alguma frase semelhante a essa. É uma forma de se precaver contra
futuros processos arrastados, bem como ataques furiosos do público cativo que
deseja jogar tomate em quem escreveu/falou tamanha baboseira. Ora, da
intolerância nascem intolerantes.
Vejam, se foi aberto um espaço
entre os poucos que restam naquela mídia é porque alguém do meio ou gostou ou é
parceiro de quem expôs tais informações. A conivência é óbvia, tanto é que
ambos são processados (o autor e o jornal/mídia). Depois vem a mea culpa, mas até explicar que focinho
de porco não é tomada rende uma odisséia – doses amargas de venenos despejados
de todos os lados, bem como escoriações de tantas pedras atiradas por quem não
tem cabeça aberta nem é paciente para tentar entender o que está acontecendo, a
fim de tentar um debate mais civilizado, ainda que acalorado. Escolhas são feitas
todo momento, um jornal não é uma feira livre ou uma praça pública, onde
qualquer um pode subir num púlpito e berrar suas frustrações, suas ameaças ou seus
produtos. Em toda propriedade privada há censura. Há gargalos, mais ou menos
frouxos, automáticos ou arbitráveis, porque sem eles seria um deus dará. Nenhum
bacana pode chegar chutando a porta e falar ao editor “publique isto aqui porque
eu sou demais”. Há fiscais e redatores selecionando o que vale a pena mostrar,
o que é descartável e o que é abominável.
Por que o menino inocente que
ficou paralítico após um bebaço atropelá-lo em plena calçada rende mais
manchetes que uma senhora de meia-idade que conseguiu um transplante de rim
após anos de espera na fila de doação de órgãos? Há pesquisas de mercado a fim
de reconhecer a priori o que será
mais comovente e bombástico, logo rentável. Só iludidos e incautos ainda
acreditam em telejornais que apenas noticiam: os fatos como são; a realidade
nua e crua; o mundo tal como aconteceu. É impossível contar todas as histórias
do planeta, muito menos com detalhes e contextos subjacentes, que escapam à
primeira vista. Os profissionais sabem como as coisas mais ou menos funcionam,
e as seguem, costumeiramente em prol da boa repercussão pelo público – o leigo
e avoado mais o atento e fiel. Tanto é assim que os jornais quase sempre repassam
as mesmas notícias. Porra, há tanta coisa acontecendo por aí e somente aquela
meia dúzia de fatos foi escolhida, tem coisa errada aí! Pois é justamente a
linha editorial e a práxis jornalista, ambas padronizadas, que entram em cena e
geram essa indústria de notícias. Celeridade está continuamente na pauta do
dia.
Veículos especializados são mais
interessantes, mas esses têm o objeto definido de cara, seu público-alvo está
em busca de detalhes, de aprofundamento no tema, por isso ali todos são menos
hipócritas, não escondendo suas intenções e causas, ainda que esses meios nada tenham
a ver com política, como revistas sobre bicicletas, maquiagem ou dietas. Porém,
ao traçar como norte tal objeto, este passa a ser valorizado, como algo que uma
boa parcela da sociedade deveria também levar a sério; portanto a ética é
explícita, ficando a política nos meandros das escolhas conscientes. Na hora em
que o governo estimular ou desestimular a atividade/comércio de seu objeto de
pesquisa as intenções dos donos das revistas ficarão claras: alegria quando do
estímulo, pois trará maior venda ao produto/serviço; reclamação quando do
desestímulo, leia-se, prejuízo. A ideologia comunista é maluca, afinal, ignora
o peso que a busca pelo lucro tem para o ser humano; o capitalismo é mais
realista.
Não há motivo para assombro, você
tem certeza que algum dia decidiu sobre algo com total imparcialidade? Por que
esperar tal juízo divino e perfeito de alguém que busca dinheiro, poder e
influência? Você, no lugar deles, faria diferente? Se você for um idealista (radical
e ingênuo) jurará que sim, na posse de saberes e grana, prestando grandes
favores ao país a seu querido povo. Mas eu duvido muito. Você é mais um homem,
sempre com algum grau de vaidade e de orgulho, quase sempre em níveis elevados
quando a terra é ampla e seus direitos, quase ilimitados. Tolos são os que
acreditam em santos. Precavidos são os que desconfiam dos ardis dos homens. Os
espertos vivem, já os trouxas simplesmente sobrevivem. A natureza ainda é
preponderante em nós, após mais alguns séculos de civilização talvez o cenário
se transforme, enfim radicalmente. Até lá, toleremos nossa parcialidade e
nossas pretensões.