16 de outubro de 2013

Em Defesa da Arte Ilusória e Simbólica

O artista, com sua moral mais frouxa que a do cientista, gosta de inventar sentidos para o que sente, ansiando por mais que o óbvio e o ordinário. Após tomar consciência disso, doravante ele continuará a acreditar em condições fantasiosas, ilusórias e agradáveis. Como uma criança, mantém a imaginação fértil e vê graça em situações banais para um adulto esclarecido. A empiria do mundo é necessária, mas está longe de ser suficiente. Na verdade, ele precisa renunciar à frieza da explicação racional ou da argumentação lógica e conclusiva. Ele até aceita essas verdades objetivas e genéricas, porém se resumir a elas seria reduzir seu ser a condições claustrofóbicas, dentro de um mundo material e desprovido de simbologias abstrusas. Ou seja, ele vai além do que a ciência informar, numa tentativa de não alienação, bem como para não se achar mais uma peça instrumental para o objetivo de outros, objetivos esses raramente nobres ou motivadores.
O mundo é visto, portanto, como uma exposição gigantesca, ora ao ar livre (as melhores) e ora em salas quadradas (as rentáveis). Cada elemento da realidade pode ser combinado aleatoriamente com outro, ao bel prazer do espírito sequioso por enlevar esse indivíduo inspirado e inspirador – ao menos a quem aceita essa metafísica repleta de interpretações, ora herméticas, ora psicodélicas. O que de fato importa é tornar a própria vida mais leve e fornecer meios para fazer com que mais pessoas também relaxem, contemplem e participem desta exclusiva visão de mundo, ora insinuando, ora chacoalhando a sociedade. Isso tudo pode ser papo de doido, mas cada um é capaz de ver essas cores, essa aquarela informacional que a inércia da rotina nos condiciona a não enxergar; dá para vê-las mesmo num ambiente acizentado e sem fazer uso de psicotrópicos, basta para tanto aceitar esses paliativos estéticos que incitam as paixões adormecidas após anos de repetição (trabalho, deveres, afazeres domésticos e praxes das relações sociais).
O sentimento mítico permanece no homem e, após a morte de Deus, o misticismo se sentiu órfão e foi se abrigar em religiões pouco fundamentadas, mas também entre os artistas insatisfeitos com dogmatismos, o que gerou vanguardas modernistas e os movimentos hippie e beat, por exemplo. O uso mínimo do intelecto (bom senso) é o suficiente para reconhecer a falsidade de todas as religiões tradicionais; assim sendo, restou aos artistas contemporâneos expressarem sua inquietude ateísta e instintiva de forma alternativa e em conjunto com os gatos pingados desprovidos do manto divino. O início do século XX foi pródigo nisso.
Que o século XXI não se resuma a cumprir os desígnios da máquina, que as pessoas se esforcem em criar algo propositivo e além da rigidez (talvez perfeição) dos computadores, essas calculadoras ambulantes incapazes de brincar freneticamente, pelo simples fato de que isso dá prazer e uma ilusória sensação de poder. Abordagens unívocas e consenso geral (unanimidade) enfastiam e não seduzem, apesar de muitos se irritarem com opiniões e manifestações contrárias à sua, mas isso é só o ego resistindo às possíveis ameaças. Enquanto o ser humano estiver aquém da eficiência das máquinas, haverá primazia das emoções sobre esquematismos caretas.
Que a obsessão e a neurose características de sujeitos deveras racionais – condição típica da nossa época transbordante de informações e conteúdos utilitários – sejam destinadas a obras confusas e vislumbradas pelo público, ainda que restritas aos persistentes apreciadores de arte alheia à indústria cultural. Essa tendência à especialização é mais um efeito angustiante da sociedade pós-moderna, e ainda não se assentou; as pessoas não sabem direito o que fazer com tantas expressões que sequer chegam a fundar escolas e já se tornam ultrapassadas. Há muita coisa interessante por aí, porém a ausência de interesse dos investidores por algo sem apelo comercial impede maior aprofundamento do tema/técnica/estilo. O artista cria de acordo com o ritmo e ciclo de suas inspirações ou vivências. Sem retorno, produz ou porque acredita em sua obra ou porque não consegue não se expressar, é maior que sua pessoa. É possível que após um tempo, quem sabe algumas décadas, esse artista encontre quem desfrute da sua vaidade e do seu discurso até então incompreensível ou inapreciável. A genialidade leva sempre um tempo maior para ser digerida pelos medíocres. Para Van Gogh, de que adiantou ter vendido somente um quadro em vida? Ele precisava criar, e criou, regozijando-se, sem dúvida, com cada girassol pincelado.
 Se o artista experimenta seu monstrinho e este não o mata, sabe que o conjunto desses esboços subjetivos terá seu valor reconhecido um dia, mesmo que por mais uns poucos e esparsos malucos como ele. Esse é o sacrifício que a arte autêntica exige. Viver julgando-se incrível, morrer julgado como miserável extravagante. Quem está vazio não pode preencher ninguém, e a maioria das pessoas encontra-se nesse estado, afinal o Ocidente é altamente niilista, por mais que não admita. Sendo assim, a falta de feedback pode ser recebida com algum consolo, pois certos mimos só fazem emergir a vanglória. Enfim, a ficção faz parte da natureza humana, somente quando se tornar outra espécie que o homem parará de sonhar. A arte é quem melhor cumpre esse papel de fábrica de sonhos, mais que qualquer bugiganga nipônica ou yankee. Sem ela, viver seria dispensável.


e³3&E
P.S.: Esse texto foi escrito há algum tempo, eu prometi a mim mesmo trabalhá-lo melhor, até mesmo como projeto de monografia, mas estou sem tempo e foco, fiz pequenos ajustes e publico-o assim mesmo. Às vezes eu preciso de certos empurrões, como eles não chegam, fico com minhas humildes produções independentes e centralizadas. Reconheço o valor da ajuda externa, mas com o passar do tempo estou ficando mais e mais rabugento e cheio de manias, talvez a situação seja irreversível, esse é um dos contratempos da solidão, apesar dela ter para mim vários pontos positivos. Enfim, é uma vida de artista quase eremita. Se eu passasse por mais perrengues é provável que eu produzisse mais e melhor...

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