Reclamação todo mundo ouve quase que diariamente, e só um
santo para não exercer o queixume de vez em quando. Mas que gente que vive
reclamando é um porre, dificilmente alguém vai me negar. São os ranzinzas, os
rabugentos, os “morrugas”, os embirrados.
Muitos sequer têm noção de que incomodam o próximo; outros sabem que são
pentelhos e pouco se importam, não podem deixar passar uma oportunidade de se
fazer notar – ainda que seja com a pecha de importunos. E você aí, encheu o saco
de alguém hoje?
Triste constatação, o homem como sujeito que não quer se
convencer que está sujeito a inúmeras situações e não tem controle de quase
nada de sua vida; reage para tentar inflar e/ou amansar seu ego. Ou você nunca
tinha percebido isso, achando-se dono da situação e livre para fazer o que bem
entendesse? Escute-se reclamando da TV, do PC, do nenê, do fuzuê, e o que mais
lhe aborrecer. Talvez tenha uma parte da percepção dos outros sobre essa pessoa
inconveniente que é você. Não que eles também não sejam assim, mas quem sabe
não fizeram esse teste, colocando-se como observadores de si mesmos. E aí,
notou sua chatice?
Isso tudo é normal, o homem (na dita situação normal) busca
prazeres e foge de dores (termo que deve ser lido como oposto ao prazer). E
como fazer para alcançar tais deleites? Cada um (minimamente livre) que aprenda
a gostar do que lhe parece bom e faça de tudo para manter certas pessoas,
certos cenários, certos objetos perto de si. “Ah, mas só ricaços podem ficar em
sombra e água fresca o tempo todo”, algum invejoso poderá rebater. E quem foi
que disse que esse tipo de vivência é boa? Percalços fazem parte do
aprendizado. Se você só teve contato com um mundinho cor-de-rosa e sorridente,
é provável que você jamais saberá valorizar coisas sutis e corriqueiras, sem
critérios para comparar o que é valioso com o que é banal. “É isso mesmo, esse
povo tem uma vidinha fútil”, um recalcado poderá me ratificar. Não se deixe
enganar, é um sinal de inveja, ainda que de outro tipo. Pois quem disse que a
sua vida ordinária e repetitiva também não é fútil, talvez mais que a do
playboy e a da perua?
O prazer nos traz sensações de bem-estar e de poder. Sexo e
drogas são grandes tentações por causa disso, deixam algumas pessoas tão contentes
e satisfeitas que passam a se achar superiores às demais, tão tristonhas e
cabisbaixas, como se estas se preparassem para o abate. A atividade libera
certos hormônios que nos incita a querer mais, a repetir o que foi bacana e a
buscar desafios que nos engrandeça e nos divirja ainda mais dos vizinhos
infelizes. “Eu quero, eu posso, eu consigo!” são alguns dos imperativos de
livros e palestras de autoajuda. Não que sejam exatamente balelas, mas são
discursos vazios e simplórios demais. Tudo bem, às vezes a felicidade se
encontra nas coisas mais simples, mas um pouco de experiência e inteligência
dispara o alerta contra um golpe mequetrefe. Se a fórmula para conquistas, e
posterior vida feliz, fosse tão óbvia e acessível não haveria tanta gente mal-humorada
e deprimida. Seria desprezar a capacidade de raciocínio e esperteza das
pessoas. “Coitados, eles têm a resposta ali, na ponta do nariz, e não a agarram”,
lamenta algum tolo com um best-seller na
mão. O homem é mais complexo que isso; substâncias e dizeres rápidos e
certeiros podem até alegrar e divertir, porém duram pouco. Até mesmo bichos
amestrados se cansam da sequência resposta-recompensa. Então, já se fez de
patinho hoje?
Palavras de estímulo pipocam pelos ambientes porque nunca as
pessoas quiseram tantas coisas e, como é de se esperar, nunca se frustraram
tanto. Tento inverter o jargão “querer é poder”. Vejo que querer é justamente
cavar um buraco para ter de preenchê-lo mais tarde. Tente você fazer um buraco
em seu quintal e ficar contente com o trabalho de porco. Depois vá lá, jogue terra
de volta, ajeite a graminha e espalhe uns gnomos. É provável que o jardim
esteja mais feio que antes, mas você estará mais satisfeito, pois estava
cansado de olhar para flores banais. O homem é assim, prefere fazer besteira
para depois consertar e mostrar para todo mundo que é um vencedor – o pior é
que a maioria compra a idéia fajuta – do que ficar tranqüilo, sem cometer
grandes erros para ninguém reparar. Nesse mundo de pose mulherão não é a vizinha
de óculos, mas a Roberta Close. Sacou a patifaria?
“Não admito que filho meu faça/seja isso, eu o expulso de
casa”, vocifera um pai linha-dura, enquanto outro, mais psicopata, jura que
mata. Que escolha um filho desses pais tem? Ou se reprime ou foge de casa. Seus
desejos não sairão de lá repentinamente, contudo, como a força de vontade ainda
é pequena quando a pessoa é pequena, é provável que o garoto repasse os
preconceitos patriarcais e ignore os anseios ultrajantes (aos olhos do pai).
Isso é um grande problema? Eu penso que sim, pelo fato de que quanto mais
ferido, retalhado, lesado for o ego de uma pessoa mais perigosa ela se torna, ou
para ela mesma ou para os outros, colegas ou avulsos. Suas vontades terão de
ser redirecionadas, senão advirão doenças, e as conseqüências podem vir a ser
nefastas. Uma personalidade formada em função de exigências sociais e paternais
não pode ser autêntica, o que mandarem fazer, será feito. E o pior é que essa
pessoa se julgará dona de si, exigindo afagos e mimos. Você é um desses
alienados?
Em suma, queremos, seja a guerra, seja a paz pelo preço de
guerrear. Ao querer tentamos realizar o desejo. Quase nunca pensamos que esse
desejo é maior que o objeto desejado, por isso valorizamos o objeto ou a pessoa
que foi conquistado(a). Assim, é mais fácil perceber a retribuição, é palpável.
Nosso ego precisa de vitórias, para se achar digno de viver e ser admirado. Por
mais que não haja vitórias, inventamos – e.g. pagar impostos. Ninguém quer ser
o loser (fracassado), quem pensa que
é um, pode crer, está doente. Orgulho e vaidade caminham juntos, como se
competissem entre si; ao “subir na vida” a humildade da pessoa vai se
escondendo, a menos que ela seja bastante autovigilante. E não é incomum
naquela que se estagnou haver um orgulho contumaz, como se jamais se permitisse
perceber a própria pusilanimidade. Gente ignóbil é mais comum do que se
imagina, domina o mundo – ou eu que sou um desesperançoso com a espécie humana?
Egos precisam de afagos e de engodos; políticos, “celebridades” e mafiosos não
me deixam enganar. Após e exposto, você abaixou sua bolinha ou, mais do que
nunca, fará questão de empinar o nariz publicamente?
Dizem que ter autoestima é tudo; pode até ser, mas não inibe
o fato de ser um egocentrismo. Com o tempo a tendência é restringi-lo, e nem
por isso será reduzido o bem-estar, pelo menos entre aqueles que realmente
venceram na vida. Se você entendeu o que eu disse e for aplicar as lições é
provável que em breve vá perceber essa satisfação serena. Ou eu que estou com o
ego inflado? Ou eu que sou um golpista?Você que sabe, se seu ego permitir-lhe
uma análise mais imparcial. Diante disso, você me endossa ou me impugna?
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