1 de maio de 2014

Egos sedentos e feridos


Reclamação todo mundo ouve quase que diariamente, e só um santo para não exercer o queixume de vez em quando. Mas que gente que vive reclamando é um porre, dificilmente alguém vai me negar. São os ranzinzas, os rabugentos, os “morrugas”, os embirrados.  Muitos sequer têm noção de que incomodam o próximo; outros sabem que são pentelhos e pouco se importam, não podem deixar passar uma oportunidade de se fazer notar – ainda que seja com a pecha de importunos. E você aí, encheu o saco de alguém hoje?

Triste constatação, o homem como sujeito que não quer se convencer que está sujeito a inúmeras situações e não tem controle de quase nada de sua vida; reage para tentar inflar e/ou amansar seu ego. Ou você nunca tinha percebido isso, achando-se dono da situação e livre para fazer o que bem entendesse? Escute-se reclamando da TV, do PC, do nenê, do fuzuê, e o que mais lhe aborrecer. Talvez tenha uma parte da percepção dos outros sobre essa pessoa inconveniente que é você. Não que eles também não sejam assim, mas quem sabe não fizeram esse teste, colocando-se como observadores de si mesmos. E aí, notou sua chatice?

Isso tudo é normal, o homem (na dita situação normal) busca prazeres e foge de dores (termo que deve ser lido como oposto ao prazer). E como fazer para alcançar tais deleites? Cada um (minimamente livre) que aprenda a gostar do que lhe parece bom e faça de tudo para manter certas pessoas, certos cenários, certos objetos perto de si. “Ah, mas só ricaços podem ficar em sombra e água fresca o tempo todo”, algum invejoso poderá rebater. E quem foi que disse que esse tipo de vivência é boa? Percalços fazem parte do aprendizado. Se você só teve contato com um mundinho cor-de-rosa e sorridente, é provável que você jamais saberá valorizar coisas sutis e corriqueiras, sem critérios para comparar o que é valioso com o que é banal. “É isso mesmo, esse povo tem uma vidinha fútil”, um recalcado poderá me ratificar. Não se deixe enganar, é um sinal de inveja, ainda que de outro tipo. Pois quem disse que a sua vida ordinária e repetitiva também não é fútil, talvez mais que a do playboy e a da perua?

O prazer nos traz sensações de bem-estar e de poder. Sexo e drogas são grandes tentações por causa disso, deixam algumas pessoas tão contentes e satisfeitas que passam a se achar superiores às demais, tão tristonhas e cabisbaixas, como se estas se preparassem para o abate. A atividade libera certos hormônios que nos incita a querer mais, a repetir o que foi bacana e a buscar desafios que nos engrandeça e nos divirja ainda mais dos vizinhos infelizes. “Eu quero, eu posso, eu consigo!” são alguns dos imperativos de livros e palestras de autoajuda. Não que sejam exatamente balelas, mas são discursos vazios e simplórios demais. Tudo bem, às vezes a felicidade se encontra nas coisas mais simples, mas um pouco de experiência e inteligência dispara o alerta contra um golpe mequetrefe. Se a fórmula para conquistas, e posterior vida feliz, fosse tão óbvia e acessível não haveria tanta gente mal-humorada e deprimida. Seria desprezar a capacidade de raciocínio e esperteza das pessoas. “Coitados, eles têm a resposta ali, na ponta do nariz, e não a agarram”, lamenta algum tolo com um best-seller na mão. O homem é mais complexo que isso; substâncias e dizeres rápidos e certeiros podem até alegrar e divertir, porém duram pouco. Até mesmo bichos amestrados se cansam da sequência resposta-recompensa. Então, já se fez de patinho hoje?

Palavras de estímulo pipocam pelos ambientes porque nunca as pessoas quiseram tantas coisas e, como é de se esperar, nunca se frustraram tanto. Tento inverter o jargão “querer é poder”. Vejo que querer é justamente cavar um buraco para ter de preenchê-lo mais tarde. Tente você fazer um buraco em seu quintal e ficar contente com o trabalho de porco. Depois vá lá, jogue terra de volta, ajeite a graminha e espalhe uns gnomos. É provável que o jardim esteja mais feio que antes, mas você estará mais satisfeito, pois estava cansado de olhar para flores banais. O homem é assim, prefere fazer besteira para depois consertar e mostrar para todo mundo que é um vencedor – o pior é que a maioria compra a idéia fajuta – do que ficar tranqüilo, sem cometer grandes erros para ninguém reparar. Nesse mundo de pose mulherão não é a vizinha de óculos, mas a Roberta Close. Sacou a patifaria?

“Não admito que filho meu faça/seja isso, eu o expulso de casa”, vocifera um pai linha-dura, enquanto outro, mais psicopata, jura que mata. Que escolha um filho desses pais tem? Ou se reprime ou foge de casa. Seus desejos não sairão de lá repentinamente, contudo, como a força de vontade ainda é pequena quando a pessoa é pequena, é provável que o garoto repasse os preconceitos patriarcais e ignore os anseios ultrajantes (aos olhos do pai). Isso é um grande problema? Eu penso que sim, pelo fato de que quanto mais ferido, retalhado, lesado for o ego de uma pessoa mais perigosa ela se torna, ou para ela mesma ou para os outros, colegas ou avulsos. Suas vontades terão de ser redirecionadas, senão advirão doenças, e as conseqüências podem vir a ser nefastas. Uma personalidade formada em função de exigências sociais e paternais não pode ser autêntica, o que mandarem fazer, será feito. E o pior é que essa pessoa se julgará dona de si, exigindo afagos e mimos. Você é um desses alienados?

Em suma, queremos, seja a guerra, seja a paz pelo preço de guerrear. Ao querer tentamos realizar o desejo. Quase nunca pensamos que esse desejo é maior que o objeto desejado, por isso valorizamos o objeto ou a pessoa que foi conquistado(a). Assim, é mais fácil perceber a retribuição, é palpável. Nosso ego precisa de vitórias, para se achar digno de viver e ser admirado. Por mais que não haja vitórias, inventamos – e.g. pagar impostos. Ninguém quer ser o loser (fracassado), quem pensa que é um, pode crer, está doente. Orgulho e vaidade caminham juntos, como se competissem entre si; ao “subir na vida” a humildade da pessoa vai se escondendo, a menos que ela seja bastante autovigilante. E não é incomum naquela que se estagnou haver um orgulho contumaz, como se jamais se permitisse perceber a própria pusilanimidade. Gente ignóbil é mais comum do que se imagina, domina o mundo – ou eu que sou um desesperançoso com a espécie humana? Egos precisam de afagos e de engodos; políticos, “celebridades” e mafiosos não me deixam enganar. Após e exposto, você abaixou sua bolinha ou, mais do que nunca, fará questão de empinar o nariz publicamente?

Dizem que ter autoestima é tudo; pode até ser, mas não inibe o fato de ser um egocentrismo. Com o tempo a tendência é restringi-lo, e nem por isso será reduzido o bem-estar, pelo menos entre aqueles que realmente venceram na vida. Se você entendeu o que eu disse e for aplicar as lições é provável que em breve vá perceber essa satisfação serena. Ou eu que estou com o ego inflado? Ou eu que sou um golpista?Você que sabe, se seu ego permitir-lhe uma análise mais imparcial. Diante disso, você me endossa ou me impugna?

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