4 de maio de 2014

O que aprendi com a Filosofia


Neste texto quero simplesmente exercitar minha memória e a capacidade de refletir sobre a minha própria história, como numa microbiografia, tratando exclusivamente sobre a importância do estudo da filosofia para mim. É claro que não há imparcialidade nesse tipo de análise e muito menos precisão dos efeitos que se aglutinaram para formar a pessoa que sou hoje. É estranho que a história seja mais bem vista pelo retrovisor, principalmente se ela se concentrar num pontinho distante, como se a imagem gigantesca e nítida não servisse. Será mesmo que o apelo emocional é tão nocivo para um exame minucioso dos fatos? Não esqueço uma frase que ouvi de um professor uma vez: “qualquer escrava romana sabia mais da história de Roma do que qualquer historiador pós-graduado atualmente”. Acredito nisso, mas os pensadores em geral discordam, sendo assim (aos olhos racionalistas) performances culturais e crônicas têm menor credibilidade que documentos acadêmicos.

Alheio a esse imbróglio acerca da legitimidade do conhecimento (o epistemológico sobre o know-how), resumirei minha experiência de cerca de uma década com a filosofia, com seus altos e baixos, entre leituras aprofundadas e contatos ligeiros, de rabo de olho. Posso dizer que a filosofia tem basicamente três objetivos, ou melhor, utilidades práticas: a questão do saber, especialmente no que se refere ao conhecimento histórico produzido pelo homem desde os gregos; o exame crítico dos fatos, que significa basicamente ter um pensamento lógico que dificulte a sedução dos embustes e a passada de perna pelos espertinhos de plantão; e por fim a busca pela felicidade, se não a plena, ao menos um tipo que salve a pessoa da decadência dos valores e dos horrores do cotidiano. Tudo isso eu passei a perceber desde que me interessei pela leitura de filósofos, em especial dos empiristas do iluminismo (Locke, Hume, Voltaire) em diante. Afinal, antes disso a grande maioria tratava de problemas teológicos ou demasiadamente metafísicos – herança escolástica que não me interessa.

Para mim não é tão nítida a transformação pela qual eu passei nesses últimos dez anos, porque foi tão gradual quanto o movimento de precessão dos equinócios. Eu sei que fico diferente a cada livro ou artigo lido, mas como absorvo a conta-gotas esse tipo de conhecimento penso que fica mais óbvia a mudança do ponto de vista de alguém que tem contatos mais esporádicos comigo, principalmente se esse alguém me conhece há muito tempo. Ele sairia da conversa pensando “pô, esse cara mudou, ele não costumava falar essas coisas, agora virou um chato que fica racionalizando tudo e buscando respostas para os problemas do mundo”.  Eu perceberia a minha mudança indiretamente, a partir da ignorância e superficialidade alheia, mais que pelo arcabouço teórico que adquiri; assim como percebo que sou alto ao me deparar com tantas pessoas de altura mediana (cerca de 1,70m). Talvez se eu tivesse registrado minhas angústias diárias e comparasse com as que sinto hoje, eu estivesse mais apto a notar as alterações de conduta e visão de mundo.

E em que exatamente eu mudei? Fico menos irritado em discussões. Ainda gosto de debater, contudo com a cabeça mais aberta, a fim de ouvir opiniões divergentes sem esquentar a cabeça, até porque sei que há os mais diferentes pontos de vista e que o meu é só mais um; se eu não consegui convencer meu interlocutor, me satisfaço em deixá-lo com a pulga atrás da orelha. Desenvolvi melhor minha argumentação, pois aulas de lógica, linguagem e filosofia analítica foram de grande serventia nesse ponto. O que me levou a melhorar a escrita neste blog, basta você, escasso leitor meu, comparar meus textos dos últimos 24 meses com os de 4 a 5 anos atrás. A filosofia de certa forma me deixou mais calmo, pois passou o afã de alcançar respostas sobre o funcionamento do mundo, da sociedade e da mente, além do sentido da vida; aprendi que não há respostas definitivas, mas sugestões que são mais ou menos contundentes. Deixei de crer no relativismo, acredito que há verdades no mundo, todavia elas são esclarecidas pelas ciências naturais, enquanto as humanas acomodam um lapso que, se por um lado nos faz quedar insatisfeitos, por outro lado traz graça à vida, permitindo justamente este tipo de discussão. Transito, então, entre o dogmatismo e o relativismo.

Acho muito estranho escutar colegas se queixarem que esperavam certas coisas do curso de filosofia, mas não acharam respostas nem respaldo a suas aflições originais. Eu duvido que o curso tenho sido inútil a ponto de precisar ser completado na marra, só para garantir um diploma ou reduzir o peso na consciência de vários anos jogados no ralo. Ou eles não prestaram atenção nas aulas, e nem leram os textos indicados e fornecidos pelos docentes, ou a inteligência deles é muito abaixo da exigida para um graduando ou são acostumados a fórmulas prontas, sempre aguardando por respostas categóricas. Se eu que já estudava e conhecia muita coisa consegui apreender muitas passagens novas e interessantes, eles que partiam quase que do zero deveriam estar com a sacola cheia de conteúdo e informações filosóficas. Cada um que cuide da sua vida e saiba o que é melhor para si, porém esse tipo de reclamação me deixa um pouco incomodado, pela falta de sabedoria. Ora, é freqüente ouvir de pessoas curiosas que filosofia era um curso que elas sonhavam em fazer, e só não o fizeram por falta de tempo ou disciplina para enfrentar anos de livros pesados; as que têm essa oportunidade não deveriam deixá-la passar como se fosse mais uma obrigação na agenda.

Eu ouvia bastante de familiares e conhecidos para fazer tratamento (psicológico ou psiquiátrico), afinal nenhuma igreja iria ajudar um ateu. Eu sempre o recusei, pois penso que problemas se resolvem a partir de ações e não reações ou cumprimento de normas e prescrições de médico ou de palestrante. Ajuda efetiva é você mesmo quem faz, quando corre atrás e se esforça para destrinchar e atenuar seu(s) problema(s) – e até mesmo afirmar se de fato há problema a ser enfrentado. A filosofia, portanto, foi um caminho natural, assim como a ciência, porém esta se concentra em explicar como o mundo é, e não para quê ele me serve. A filosofia tem uma abordagem mais humanista e subjetiva do que o frio método científico, que eu entendo como um tipo de conhecimento para seres dotados de pensamente lógico – nada garante que máquinas e cyborgs do futuro não venham a utilizá-lo em plenitude, até mais que nós humanos, porém da parte subjetiva, que é o foco da tradicional filosofia, eles jamais tirarão proveito. Foi um desafio, sem dúvida, meus estudos autodidatas e imprevisíveis, contudo sou muito grato a tudo que li e aprendi, sem eles eu seria outra pessoa; tenho certeza que seria mais irritável e incompleto do que sou hoje em dia.

Pergunto-me todo dia, para quê viver? Se não fui capaz de eliminar essa grande questão existencial (e quem é que conseguiu isso?), muitos aspectos já foram solucionados. É para achar algumas respostas coerentes e minimamente satisfatórias que estudo questões filosóficas, ou seja, não é com anseios técnicos ou profissionais, mas para aplacar angústias niilistas, que sei que são um perigo iminente e renitente. É de certa forma uma terapia, uma tentativa de cura para não entrar em colapso com tantos buracos e vazios. Para tanto, a atividade crítica é essencial, é minha “alma roqueira e rebelde”, talvez isso tenha sido o que me aproximou da filosofia, conforme a definição de John Dewey: “filosofia é a crítica dos valores, das crenças, das instituições, dos costumes, das políticas, no que se refere seu alcance sobre os bens”. É típico de pentelho isso, mas o que posso fazer?

Minha personalidade pede por provocações e ironias. Para não acabar rabugento e cínico, tive de me unir à arte, em seu aspecto estético, lúdico e brincalhão. Não que essa tática tenha sido um xeque-mate às aflições e às rotulações, mas foi a forma que encontrei de equilibrar as exigências racionais e as emocionais. Penso que quem ignora respostas fáceis, dogmáticas e que apelam à autoridade, como é comum no discurso religioso, deve compensar esse desamparo com muito ímpeto atrás de soluções mais condizentes com o mundo contemporâneo, que é quando entram filosofia, arte e ciência. Isso me serviu, mas é preciso muito cuidado, por depender demais de autonomia, humildade e disciplina. O homem tem uma tendência a se autovangloriar, caindo no autoengano. Faço o que posso em me aperfeiçoar e evitar essas babaquices, mas sou humano...


Deixo a bola levantada para os que se interessarem em mergulhar nesse universo ainda pouco difundido, em comparação com o misticismo e as amenidades vigentes. Alerto que é caminho sem volta. Doravante, persisto em minha metamorfose ambulante.

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