Alheio a esse imbróglio acerca da legitimidade do
conhecimento (o epistemológico sobre o know-how), resumirei minha experiência
de cerca de uma década com a filosofia, com seus altos e baixos, entre leituras
aprofundadas e contatos ligeiros, de rabo de olho. Posso dizer que a filosofia
tem basicamente três objetivos, ou melhor, utilidades práticas: a questão do
saber, especialmente no que se refere ao conhecimento histórico produzido pelo
homem desde os gregos; o exame crítico dos fatos, que significa basicamente ter
um pensamento lógico que dificulte a sedução dos embustes e a passada de perna
pelos espertinhos de plantão; e por fim a busca pela felicidade, se não a
plena, ao menos um tipo que salve a pessoa da decadência dos valores e dos
horrores do cotidiano. Tudo isso eu passei a perceber desde que me interessei pela
leitura de filósofos, em especial dos empiristas do iluminismo (Locke, Hume,
Voltaire) em diante. Afinal, antes disso a grande maioria tratava de problemas
teológicos ou demasiadamente metafísicos – herança escolástica que não me
interessa.
Para mim não é tão nítida a transformação pela qual eu passei
nesses últimos dez anos, porque foi tão gradual quanto o movimento de precessão
dos equinócios. Eu sei que fico diferente a cada livro ou artigo lido, mas como
absorvo a conta-gotas esse tipo de conhecimento penso que fica mais óbvia a
mudança do ponto de vista de alguém que tem contatos mais esporádicos comigo,
principalmente se esse alguém me conhece há muito tempo. Ele sairia da conversa
pensando “pô, esse cara mudou, ele não costumava falar essas coisas, agora
virou um chato que fica racionalizando tudo e buscando respostas para os
problemas do mundo”. Eu perceberia a
minha mudança indiretamente, a partir da ignorância e superficialidade alheia,
mais que pelo arcabouço teórico que adquiri; assim como percebo que sou alto ao
me deparar com tantas pessoas de altura mediana (cerca de 1,70m). Talvez se eu
tivesse registrado minhas angústias diárias e comparasse com as que sinto hoje,
eu estivesse mais apto a notar as alterações de conduta e visão de mundo.
E em que exatamente eu mudei? Fico menos irritado em
discussões. Ainda gosto de debater, contudo com a cabeça mais aberta, a fim de
ouvir opiniões divergentes sem esquentar a cabeça, até porque sei que há os
mais diferentes pontos de vista e que o meu é só mais um; se eu não consegui
convencer meu interlocutor, me satisfaço em deixá-lo com a pulga atrás da
orelha. Desenvolvi melhor minha argumentação, pois aulas de lógica, linguagem e
filosofia analítica foram de grande serventia nesse ponto. O que me levou a
melhorar a escrita neste blog, basta você, escasso leitor meu, comparar meus
textos dos últimos 24 meses com os de 4 a 5 anos atrás. A filosofia de certa
forma me deixou mais calmo, pois passou o afã de alcançar respostas sobre o
funcionamento do mundo, da sociedade e da mente, além do sentido da vida;
aprendi que não há respostas definitivas, mas sugestões que são mais ou menos contundentes.
Deixei de crer no relativismo, acredito que há verdades no mundo, todavia elas são
esclarecidas pelas ciências naturais, enquanto as humanas acomodam um lapso
que, se por um lado nos faz quedar insatisfeitos, por outro lado traz graça à
vida, permitindo justamente este tipo de discussão. Transito, então, entre o
dogmatismo e o relativismo.
Acho muito estranho escutar colegas se queixarem que
esperavam certas coisas do curso de filosofia, mas não acharam respostas nem
respaldo a suas aflições originais. Eu duvido que o curso tenho sido inútil a
ponto de precisar ser completado na marra, só para garantir um diploma ou
reduzir o peso na consciência de vários anos jogados no ralo. Ou eles não prestaram
atenção nas aulas, e nem leram os textos indicados e fornecidos pelos docentes,
ou a inteligência deles é muito abaixo da exigida para um graduando ou são acostumados
a fórmulas prontas, sempre aguardando por respostas categóricas. Se eu que já
estudava e conhecia muita coisa consegui apreender muitas passagens novas e
interessantes, eles que partiam quase que do zero deveriam estar com a sacola
cheia de conteúdo e informações filosóficas. Cada um que cuide da sua vida e
saiba o que é melhor para si, porém esse tipo de reclamação me deixa um pouco incomodado,
pela falta de sabedoria. Ora, é freqüente ouvir de pessoas curiosas que
filosofia era um curso que elas sonhavam em fazer, e só não o fizeram por falta
de tempo ou disciplina para enfrentar anos de livros pesados; as que têm essa
oportunidade não deveriam deixá-la passar como se fosse mais uma obrigação na
agenda.
Eu ouvia bastante de familiares e conhecidos para fazer
tratamento (psicológico ou psiquiátrico), afinal nenhuma igreja iria ajudar um
ateu. Eu sempre o recusei, pois penso que problemas se resolvem a partir de
ações e não reações ou cumprimento de normas e prescrições de médico ou de
palestrante. Ajuda efetiva é você mesmo quem faz, quando corre atrás e se
esforça para destrinchar e atenuar seu(s) problema(s) – e até mesmo afirmar se de
fato há problema a ser enfrentado. A filosofia, portanto, foi um caminho
natural, assim como a ciência, porém esta se concentra em explicar como o mundo
é, e não para quê ele me serve. A filosofia tem uma abordagem mais humanista e
subjetiva do que o frio método científico, que eu entendo como um tipo de conhecimento
para seres dotados de pensamente lógico – nada garante que máquinas e cyborgs
do futuro não venham a utilizá-lo em plenitude, até mais que nós humanos, porém
da parte subjetiva, que é o foco da tradicional filosofia, eles jamais tirarão
proveito. Foi um desafio, sem dúvida, meus estudos autodidatas e imprevisíveis,
contudo sou muito grato a tudo que li e aprendi, sem eles eu seria outra
pessoa; tenho certeza que seria mais irritável e incompleto do que sou hoje em
dia.
Pergunto-me todo dia, para quê viver? Se não fui capaz de eliminar
essa grande questão existencial (e quem é que conseguiu isso?), muitos aspectos
já foram solucionados. É para achar algumas respostas coerentes e minimamente
satisfatórias que estudo questões filosóficas, ou seja, não é com anseios
técnicos ou profissionais, mas para aplacar angústias niilistas, que sei que
são um perigo iminente e renitente. É de certa forma uma terapia, uma tentativa
de cura para não entrar em colapso com tantos buracos e vazios. Para tanto, a
atividade crítica é essencial, é minha “alma roqueira e rebelde”, talvez isso
tenha sido o que me aproximou da filosofia, conforme a definição de John Dewey:
“filosofia é a crítica dos valores, das crenças, das instituições, dos
costumes, das políticas, no que se refere seu alcance sobre os bens”. É típico
de pentelho isso, mas o que posso fazer?
Minha personalidade pede por provocações e ironias. Para não
acabar rabugento e cínico, tive de me unir à arte, em seu aspecto estético,
lúdico e brincalhão. Não que essa tática tenha sido um xeque-mate às aflições e
às rotulações, mas foi a forma que encontrei de equilibrar as exigências
racionais e as emocionais. Penso que quem ignora respostas fáceis, dogmáticas e
que apelam à autoridade, como é comum no discurso religioso, deve compensar
esse desamparo com muito ímpeto atrás de soluções mais condizentes com o mundo
contemporâneo, que é quando entram filosofia, arte e ciência. Isso me serviu,
mas é preciso muito cuidado, por depender demais de autonomia, humildade e disciplina.
O homem tem uma tendência a se autovangloriar, caindo no autoengano. Faço o que
posso em me aperfeiçoar e evitar essas babaquices, mas sou humano...
Deixo a bola levantada para os que se interessarem em
mergulhar nesse universo ainda pouco difundido, em comparação com o misticismo
e as amenidades vigentes. Alerto que é caminho sem volta. Doravante, persisto em
minha metamorfose ambulante.
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