A política encontra-se esvaziada. É claro que me refiro aos
conteúdos. Haverá eleições em breve, até lá os que discordam de mim talvez
passem a me endossar. No fim dos anos 1980 (há apenas 25 anos), quando a democracia
voltara a ser uma realidade dos brasileiros, os candidatos eram muito mais “peitudos”.
Os programas eram divergentes, havia ideias ousadas no ar, o eleitor conseguia
separar o que cada um estava pedindo. Até que desembarcou por aqui o modus operandi da política dos países
com democracia avançada (Europa e EUA basicamente), tornando-se uma ingrata constante,
pois o que importa no final das contas é ganhar as eleições. A maior
conseqüência desse maquiavelismo – será que faz sentido usar esse termo quando
se trata de democracia? – foi o marketing político. O fim: vencer. O meio:
fazer o povo digitar na urna o número do(s) candidato(s) contratante. Técnica,
acima de tudo, no processo. Isso foi só o começo; vamos aos detalhes.
Ter lábia, saber quando avançar, recuar ou provocar, sorrir,
dar pinta de simpático, confiável e competente, vestir a roupa adequada a cada
ocasião, etc. São diversas as técnicas empregadas pelos aspirantes a cargos
públicos, quase sempre mais interessados em mamar nas tetas da máquina estatal
inchada e em adquirir poder e prestígio ante seus conhecidos, e quiçá toda
nação, do que a fim de trazer bem-estar a seus eleitores e de melhorar o país. Sendo
assim, que vença o mais astucioso (ou o mais rico). São tantos os embustes e
tantas as voltas que ele precisa efetuar que no fim a ideologia se perde; pouco
importará no que ele acredita. O comitê de campanha preparará o terreno e farão
pouca diferença as bobagens que o sacana dirá durante os poucos meses de
corpo-a-corpo. Vimos isso no caso esdrúxulo de Joaquim Roriz, que colocou sua
mulher como candidata ao governo porque ele mesmo havia se tornado inelegível
aos 45 do segundo tempo. O pior é que a coitada quase ganhou, mas todos sabiam
que quem mandaria no DF seria ele. Viva a legislação e o jeitinho brasileiro!
O discurso dos picaretas é sempre soft, exige pouco esforço para ser assimilado, não incomoda e não
enfada, é como um vendedor que precisa agradar à cliente e não pode dizer que
ela está gorda nem que a roupa ficou ridícula com tanta banha saltando.
Honestidade é um dos maiores defeitos que um candidato pode ter – é claro que
nenhum jamais admitirá isso publicamente. O caricato e clássico personagem
Justo Veríssimo do saudoso Chico Anysio servia de alívio para os
telespectadores, porque eles sabiam que os políticos pensavam aquelas
imundícies, mas calavam-se. Veríssimo pelo menos tinha uma virtude: era sincero.
Há muitos políticos que sequer possuem uma única virtude, são tão bundões
quanto à imensa maioria do eleitorado. Tanto os políticos quanto os eleitores
sabem que estão fazendo errado, mas vão fazendo mesmo assim, e o curso dos
fatos vai nessa toada, ética ladeira abaixo.
Não há processo dialético, nada é acrescentado ao
conhecimento e à melhoria do “fazer política”. Os argumentos devem descer
suave; a fumaça do charuto é doce; o veneno mata aos poucos, como os
agrotóxicos e hormônios que consumimos e são liberados porque não há pesquisas
que corroborem “afirmações conspiratórias”. Mundo de plástico, seres de plástico,
humanidade plastificada, paraísos artificiais cambiáveis, tudo é simulacro de
utopias perdidas, tanto o concreto como o abstrato são descartáveis após três lavagens;
enquanto isso desejamos apenas rir e nos divertir com o circo que é montado
pelo poder. É preciso acabar com toda e qualquer ilusão: todo poder é conservador,
grosso modo quer se manter no topo,
sem alterar o status quo. O mundo
corporativo se baseia nisso, os ricos se aliam uns aos outros e todos se
protegem – lobby pra quê te quero! –,
como numa grande irmandade maçônica ou judaica, ainda que ocasionalmente saiam
faíscas devido à competição por uma fatia maior do bolo. Mas chamar o pobre
para participar da festa ninguém chama. Pelo contrário, seduzem a base da
pirâmide com brindes e truques, e o show continua para delírio da platéia
entretida. Na sociedade hedonista rir é o melhor remédio, a verdade fica pra
depois.
A democracia é um sistema necessário, o menos ruim dos que
foram concebidos por mentes de boa intenção; é a que mais facilita combater
tiranias, porém ela ainda é uma porcaria. Seu efeito mais nefasto é nivelar por
baixo. Então cada cidadão se acha razoável porque não está abaixo de seu
colega, contudo ambos são medíocres. Ouvimos na mídia constantemente alguém
defender a democracia com unhas e dentes, como se o não democrata fosse um
déspota, nazi, servo do demônio, feio e mau. E nesse espírito de grupo eles
acabam achando que estão no caminho certo – “ó, até que parecemos bons, justos
e belos” –, e tudo vira questão de solucionar os buracos da administração; esse
é mais um tipo de discurso esvaziado. Há melhores e piores, ainda que sob
certas perspectivas e alternando-se com o tempo; os primeiros estarem acima dos
segundos não parece algo injusto. Injustiça é não dar oportunidade que os piores
suplantem em algum ponto os melhores do momento, bem como usar critérios
toscos, e.g. ser o mais baba-ovo da
chefia.
Enquanto a mídia faz seu papel de trazer algumas verdades à
tona o pacato cidadão se põe ao lado dos denunciantes, mas tão logo os velhos políticos
tornam a aparecer na pose correta, com toda a finesse que lhes é exigida e toda a desenvoltura que repetidamente
lhes garantiu cadeiras e cheques gordos, o eleitor põe em prática sua
volatilidade e idiotice. O pavão entre o povão sabe conquistar, diz que está em
sintonia com os assuntos mais urgentes de seu povo e antenado com os temas
atuais. Ele expõe plataformas indolores, toca jingles que grudam na cabeça,
profere chistes que encantam os indecisos e hesitantes, e no fim está feita a
merda. O futuro governante doura a pílula, primeiro diverte, então aplica a
paulada quando (re)assume a vaga de manda-chuva – o supositório é enfiado tão
sutilmente no nosso rabo que nem percebemos que fomos feitos de trouxa. O papinho
mole e a conversa barata dos canalhas atordoaram seu público, que acabou
confirmando o maldito número na urna eletrônica. De fuxico em fuxico todos
acabaram pagando o pato, inchando a pança dos macacos-velhos. E quem vai dizer
que o processo não foi democrático? É claro que foi, para delírio de Malufs,
Rivas e Sarneys, todavia, para tristeza da ética e da boa política.
Do outro lado, o bobo da corte de vez em quando toma o lugar
do rei. Tiririca e Eneias são os maiores exemplos da palhaçada que foi feita no
picadeiro do Congresso. Após ver tanta roubalheira, tanta promessa não
cumprida, ouvir inúmeras denúncias de corrupção, desvio de recursos e ver tudo
quase sempre acabando em pizza neste país, o da infausta impunidade, o próprio
eleitor se tornou um cínico. Ele ficou de saco cheio com a canalhice vigente e
reiterada e protestou votando nos candidatos mais bizarros. Já que todos
avacalham, ele também vai dar uma zoada no esquema. Sem culpa nem medo,
tentando escarnecer dos outros como tão bem o fazem Vossas Excelências
engravatadas. E viva a morte na vergonha na cara. São cerca de 2/3 de
analfabetos políticos que votam sem refletir e analisar criticamente as
propostas, o histórico, os ardis e a fragilidade dos candidatos. O pior é que
essa maioria é capaz de decidir toda e qualquer eleição, jurando que agiu
corretamente; de fato não há como contestá-la, ela é fruto do sistema, é apenas
conseqüência inevitável do que foi plantado há 10, 20, 30, 50 anos atrás pelos panacas
que a precederam.
Essa massa é que precisa ser conquistada, ou pelo menos não
perturbada. Portanto, questões importantes ficam para depois, foquemos no que
ela quer e está acostumada: fast food,
fast ideas. Se algum chato quiser saber dos temas polêmicos, que procure algum
cabo eleitoral bem informado e tire suas dúvidas impertinentes. Do próprio
candidato ninguém jamais ouvirá uma frase realmente impactante, algo como: “eu
defendo o aborto” ou “vou lutar pela legalização da eutanásia” ou “não
descansarei até a maconha ser liberada”. Só candidatos e/ou partidos nanicos
levantarão bandeiras tão pouco ortodoxas. Levantar a voz e falar verdades é
quase um crime eleitoral, certamente é suicídio político se a aspiração for
grande. Nenhum deles é corajoso a ponto de mexer em vespeiros, e na verdade só
refletem a hipocrisia dominante em nossa sociedade. Fazem ou fizeram cagadas,
tocam ou tocaram o terror, não são bons partidos nem para a própria filha, porém
se escondem sob o trabalho cuidadoso dos marqueteiros bem pagos; e fica tudo
por isso mesmo, pois imagem é tudo (ou sede é tudo?). Mudanças são propostas,
mas persiste o atraso. Por que será? Se for transmitida segurança e vendido o carisma
estará tudo certo, o bom trabalho terá sido feito.
Repito a frase inicial: “a política encontra-se esvaziada”.
A banalização é geral, entre mortos e feridos fingimos que estamos a salvo.
Perdemos as raízes, perdemos valores, referências, critérios, tudo parece
bacana se a embalagem for bonita, se o brinquedinho brilhar no escuro, se o
Inmetro liberar e se o pastor falar que tá valendo. Proferimos odes ao vazio e
loas à futilidade. Os caras-de-pau são tão infames e ignóbeis que voltam ao
mesmo cenário como se nada tivesse acontecido, como se tivessem sido vítimas de
um complô maligno, vide Fernando Collor e Zé Dirceu. Os irritantes sorrisinhos
forçados parecem uma máscara que os Motosserras usam quando saem à rua pedindo
por votos para desbancar os incompetentes e perversos, como se eles mesmos
fossem algo diferente e muito melhor. Eu vejo as mesmas expressões se
repetindo, quase ensaiadas, só mudam os bolsos. Votamos para escolher o cofre
no qual serão depositados nossos impostos e o modelo de chicote que nos
fustigará pelos próximos quatro anos. São as mesmas caras, só mudam as garras,
que serão mais ou menos afiadas que as anteriores, mais ou menos cruéis que as
de antanho. E não adianta anular o voto, nem pensar como Bukowski, que “política
é o mesmo que foder cu de gato”, pois não escolher já é se posicionar politicamente.
Deixemos de ser inconsequentes.
Nessa Gotham City continental seria melhor que o Curinga
viesse nos salvar de tamanha picaretagem, conversa fiada e covardia.
Morreríamos com um sorriso no rosto e veríamos a verdade escancarada, após
décadas de olhares desviados e da eficaz camuflagem corriqueira dos donos do
poder. Como ninguém se prontificou a assumir o papel do Batman, ou se apareceu
esse destemido cidadão ninguém lhe deu bola, estamos à mercê da néscia
politicagem que tanto nos quer estúpidos e embasbacados. Enquanto isso, estamos
na sala gritando com o Datena pela cabeça do maior bandido das últimas 24
horas; ah, como isso alivia!
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