13 de maio de 2014

Política atual: mesmas caras, outras garras


A política encontra-se esvaziada. É claro que me refiro aos conteúdos. Haverá eleições em breve, até lá os que discordam de mim talvez passem a me endossar. No fim dos anos 1980 (há apenas 25 anos), quando a democracia voltara a ser uma realidade dos brasileiros, os candidatos eram muito mais “peitudos”. Os programas eram divergentes, havia ideias ousadas no ar, o eleitor conseguia separar o que cada um estava pedindo. Até que desembarcou por aqui o modus operandi da política dos países com democracia avançada (Europa e EUA basicamente), tornando-se uma ingrata constante, pois o que importa no final das contas é ganhar as eleições. A maior conseqüência desse maquiavelismo – será que faz sentido usar esse termo quando se trata de democracia? – foi o marketing político. O fim: vencer. O meio: fazer o povo digitar na urna o número do(s) candidato(s) contratante. Técnica, acima de tudo, no processo. Isso foi só o começo; vamos aos detalhes.

Ter lábia, saber quando avançar, recuar ou provocar, sorrir, dar pinta de simpático, confiável e competente, vestir a roupa adequada a cada ocasião, etc. São diversas as técnicas empregadas pelos aspirantes a cargos públicos, quase sempre mais interessados em mamar nas tetas da máquina estatal inchada e em adquirir poder e prestígio ante seus conhecidos, e quiçá toda nação, do que a fim de trazer bem-estar a seus eleitores e de melhorar o país. Sendo assim, que vença o mais astucioso (ou o mais rico). São tantos os embustes e tantas as voltas que ele precisa efetuar que no fim a ideologia se perde; pouco importará no que ele acredita. O comitê de campanha preparará o terreno e farão pouca diferença as bobagens que o sacana dirá durante os poucos meses de corpo-a-corpo. Vimos isso no caso esdrúxulo de Joaquim Roriz, que colocou sua mulher como candidata ao governo porque ele mesmo havia se tornado inelegível aos 45 do segundo tempo. O pior é que a coitada quase ganhou, mas todos sabiam que quem mandaria no DF seria ele. Viva a legislação e o jeitinho brasileiro!

O discurso dos picaretas é sempre soft, exige pouco esforço para ser assimilado, não incomoda e não enfada, é como um vendedor que precisa agradar à cliente e não pode dizer que ela está gorda nem que a roupa ficou ridícula com tanta banha saltando. Honestidade é um dos maiores defeitos que um candidato pode ter – é claro que nenhum jamais admitirá isso publicamente. O caricato e clássico personagem Justo Veríssimo do saudoso Chico Anysio servia de alívio para os telespectadores, porque eles sabiam que os políticos pensavam aquelas imundícies, mas calavam-se. Veríssimo pelo menos tinha uma virtude: era sincero. Há muitos políticos que sequer possuem uma única virtude, são tão bundões quanto à imensa maioria do eleitorado. Tanto os políticos quanto os eleitores sabem que estão fazendo errado, mas vão fazendo mesmo assim, e o curso dos fatos vai nessa toada, ética ladeira abaixo.

Não há processo dialético, nada é acrescentado ao conhecimento e à melhoria do “fazer política”. Os argumentos devem descer suave; a fumaça do charuto é doce; o veneno mata aos poucos, como os agrotóxicos e hormônios que consumimos e são liberados porque não há pesquisas que corroborem “afirmações conspiratórias”. Mundo de plástico, seres de plástico, humanidade plastificada, paraísos artificiais cambiáveis, tudo é simulacro de utopias perdidas, tanto o concreto como o abstrato são descartáveis após três lavagens; enquanto isso desejamos apenas rir e nos divertir com o circo que é montado pelo poder. É preciso acabar com toda e qualquer ilusão: todo poder é conservador, grosso modo quer se manter no topo, sem alterar o status quo. O mundo corporativo se baseia nisso, os ricos se aliam uns aos outros e todos se protegem – lobby pra quê te quero! –, como numa grande irmandade maçônica ou judaica, ainda que ocasionalmente saiam faíscas devido à competição por uma fatia maior do bolo. Mas chamar o pobre para participar da festa ninguém chama. Pelo contrário, seduzem a base da pirâmide com brindes e truques, e o show continua para delírio da platéia entretida. Na sociedade hedonista rir é o melhor remédio, a verdade fica pra depois.

A democracia é um sistema necessário, o menos ruim dos que foram concebidos por mentes de boa intenção; é a que mais facilita combater tiranias, porém ela ainda é uma porcaria. Seu efeito mais nefasto é nivelar por baixo. Então cada cidadão se acha razoável porque não está abaixo de seu colega, contudo ambos são medíocres. Ouvimos na mídia constantemente alguém defender a democracia com unhas e dentes, como se o não democrata fosse um déspota, nazi, servo do demônio, feio e mau. E nesse espírito de grupo eles acabam achando que estão no caminho certo – “ó, até que parecemos bons, justos e belos” –, e tudo vira questão de solucionar os buracos da administração; esse é mais um tipo de discurso esvaziado. Há melhores e piores, ainda que sob certas perspectivas e alternando-se com o tempo; os primeiros estarem acima dos segundos não parece algo injusto. Injustiça é não dar oportunidade que os piores suplantem em algum ponto os melhores do momento, bem como usar critérios toscos, e.g. ser o mais baba-ovo da chefia.

Enquanto a mídia faz seu papel de trazer algumas verdades à tona o pacato cidadão se põe ao lado dos denunciantes, mas tão logo os velhos políticos tornam a aparecer na pose correta, com toda a finesse que lhes é exigida e toda a desenvoltura que repetidamente lhes garantiu cadeiras e cheques gordos, o eleitor põe em prática sua volatilidade e idiotice. O pavão entre o povão sabe conquistar, diz que está em sintonia com os assuntos mais urgentes de seu povo e antenado com os temas atuais. Ele expõe plataformas indolores, toca jingles que grudam na cabeça, profere chistes que encantam os indecisos e hesitantes, e no fim está feita a merda. O futuro governante doura a pílula, primeiro diverte, então aplica a paulada quando (re)assume a vaga de manda-chuva – o supositório é enfiado tão sutilmente no nosso rabo que nem percebemos que fomos feitos de trouxa. O papinho mole e a conversa barata dos canalhas atordoaram seu público, que acabou confirmando o maldito número na urna eletrônica. De fuxico em fuxico todos acabaram pagando o pato, inchando a pança dos macacos-velhos. E quem vai dizer que o processo não foi democrático? É claro que foi, para delírio de Malufs, Rivas e Sarneys, todavia, para tristeza da ética e da boa política.

Do outro lado, o bobo da corte de vez em quando toma o lugar do rei. Tiririca e Eneias são os maiores exemplos da palhaçada que foi feita no picadeiro do Congresso. Após ver tanta roubalheira, tanta promessa não cumprida, ouvir inúmeras denúncias de corrupção, desvio de recursos e ver tudo quase sempre acabando em pizza neste país, o da infausta impunidade, o próprio eleitor se tornou um cínico. Ele ficou de saco cheio com a canalhice vigente e reiterada e protestou votando nos candidatos mais bizarros. Já que todos avacalham, ele também vai dar uma zoada no esquema. Sem culpa nem medo, tentando escarnecer dos outros como tão bem o fazem Vossas Excelências engravatadas. E viva a morte na vergonha na cara. São cerca de 2/3 de analfabetos políticos que votam sem refletir e analisar criticamente as propostas, o histórico, os ardis e a fragilidade dos candidatos. O pior é que essa maioria é capaz de decidir toda e qualquer eleição, jurando que agiu corretamente; de fato não há como contestá-la, ela é fruto do sistema, é apenas conseqüência inevitável do que foi plantado há 10, 20, 30, 50 anos atrás pelos panacas que a precederam.

Essa massa é que precisa ser conquistada, ou pelo menos não perturbada. Portanto, questões importantes ficam para depois, foquemos no que ela quer e está acostumada: fast food, fast ideas. Se algum chato quiser saber dos temas polêmicos, que procure algum cabo eleitoral bem informado e tire suas dúvidas impertinentes. Do próprio candidato ninguém jamais ouvirá uma frase realmente impactante, algo como: “eu defendo o aborto” ou “vou lutar pela legalização da eutanásia” ou “não descansarei até a maconha ser liberada”. Só candidatos e/ou partidos nanicos levantarão bandeiras tão pouco ortodoxas. Levantar a voz e falar verdades é quase um crime eleitoral, certamente é suicídio político se a aspiração for grande. Nenhum deles é corajoso a ponto de mexer em vespeiros, e na verdade só refletem a hipocrisia dominante em nossa sociedade. Fazem ou fizeram cagadas, tocam ou tocaram o terror, não são bons partidos nem para a própria filha, porém se escondem sob o trabalho cuidadoso dos marqueteiros bem pagos; e fica tudo por isso mesmo, pois imagem é tudo (ou sede é tudo?). Mudanças são propostas, mas persiste o atraso. Por que será? Se for transmitida segurança e vendido o carisma estará tudo certo, o bom trabalho terá sido feito.
 
Repito a frase inicial: “a política encontra-se esvaziada”. A banalização é geral, entre mortos e feridos fingimos que estamos a salvo. Perdemos as raízes, perdemos valores, referências, critérios, tudo parece bacana se a embalagem for bonita, se o brinquedinho brilhar no escuro, se o Inmetro liberar e se o pastor falar que tá valendo. Proferimos odes ao vazio e loas à futilidade. Os caras-de-pau são tão infames e ignóbeis que voltam ao mesmo cenário como se nada tivesse acontecido, como se tivessem sido vítimas de um complô maligno, vide Fernando Collor e Zé Dirceu. Os irritantes sorrisinhos forçados parecem uma máscara que os Motosserras usam quando saem à rua pedindo por votos para desbancar os incompetentes e perversos, como se eles mesmos fossem algo diferente e muito melhor. Eu vejo as mesmas expressões se repetindo, quase ensaiadas, só mudam os bolsos. Votamos para escolher o cofre no qual serão depositados nossos impostos e o modelo de chicote que nos fustigará pelos próximos quatro anos. São as mesmas caras, só mudam as garras, que serão mais ou menos afiadas que as anteriores, mais ou menos cruéis que as de antanho. E não adianta anular o voto, nem pensar como Bukowski, que “política é o mesmo que foder cu de gato”, pois não escolher já é se posicionar politicamente. Deixemos de ser inconsequentes.

Nessa Gotham City continental seria melhor que o Curinga viesse nos salvar de tamanha picaretagem, conversa fiada e covardia. Morreríamos com um sorriso no rosto e veríamos a verdade escancarada, após décadas de olhares desviados e da eficaz camuflagem corriqueira dos donos do poder. Como ninguém se prontificou a assumir o papel do Batman, ou se apareceu esse destemido cidadão ninguém lhe deu bola, estamos à mercê da néscia politicagem que tanto nos quer estúpidos e embasbacados. Enquanto isso, estamos na sala gritando com o Datena pela cabeça do maior bandido das últimas 24 horas; ah, como isso alivia!


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