Retomo um assunto do momento, a
política – ano de eleições faz a gente pensar nisso com mais constância –,
quero explicitar, e até mesmo exortar, a minha posição política. Mesmo sabendo
ser algo em desuso colocar-se um rótulo, eu me defino como um liberal de
esquerda. No caso, existem muitos termos técnicos, para não cansar demais
revezarei entre definições e exemplos. Para mim seria a solução de grande parte
das mazelas que nos assolam, mas como exige humildade, vontade política,
educação e humanismo talvez ela continue como um sonho restrito a “paraísos” do
primeiro mundo, como Suécia, Canadá e Nova Zelândia. Não custa (muito) falar,
portanto eu discurso, por ora.
Apesar de não ser um ardoroso defensor
da democracia, eu me declaro democrata, mais por pessimismo que por ideologia,
ou seja, sei que ela leva à mediocridade, a nivelar por baixo, mas a princípio
permite liberdades que outros sistemas torceriam logo nariz, não tardando a
reprimi-las, o que acabaria por nivelar mais por baixo ainda. Explico-me,
acredito que liberdade de pensamento enobrece mais uma pessoa que riquezas
materiais – é como comparar o Qatar com a Austrália. Sendo assim, não é a mera
existência do luxo e da ostentação que fazem uma nação rica, mas seu capital
cultural, que invariavelmente passa por instituições livres para pesquisar e
refletir sobre qualquer conteúdo que achar conveniente. É isso que fez dos EUA
uma nação poderosa e é a falta disso que ameaça seu invejável império. Afinal,
quando se atinge o topo as pessoas tendem a se tornar conservadoras a fim de
manterem suas posses e seu status diferenciado. Volto à importância da
democracia, ou pelo menos do republicanismo: a ausência de cuidados com o povo
em geral torna-se um hábito com fins de privilegiar a elite. A democracia acaba
forçando uma melhor distribuição de renda, embora haja nefastas práticas
populistas e caudilhistas em democracias novatas.
Esse foi o primeiro ponto. O
segundo é sobre a economia. É óbvio que o livre mercado é preferível à contumaz
intervenção estatal da ideologia socialista. Porém, penso em agências
reguladoras restringindo bastante a atuação de espertinhos que quebram bolsas
de valores e até mesmo países, como ocorreu na crise de 2008, cravando a
derrocada da ideologia neoliberal. Um keynesianismo ajustado às demandas parece
sempre uma adequada solução. Isto é, quando a economia vai bem, libera-se o
mercado, com menos impostos, com leis trabalhistas mais frouxas e com vistas
grossas à entrada de pessoas e produtos; quando a economia começa a patinar,
aperta-se o cerco, revertendo as práticas anteriores. É questão pragmática, não
tem segredo. Sei que o grande problema é que as pessoas se apegam a ideias e
privilégios, como se ter sido mão aberta por muito tempo tivesse se tornado sua
identidade. Não deveria ser assim, mas como a burocracia e o legalismo imperam
sobre as oscilações naturais do capitalismo, temos esse descompasso entre
teoria e prática, especialmente em nosso país, de herança portuguesa: literal,
historicamente injusto e hierárquico.
Isso que expus talvez não agrade
nem à direita (liberal economicamente) e nem à esquerda (defensora do Estado).
Economia é uma ciência com muitas variáveis, visões radicais parecem apresentar
soluções rápidas para questões urgentes, contudo não tarda para apresentarem
suas fraquezas. Crises são inerentes a qualquer sistema aplicado, no
capitalismo isso é fato percebido por qualquer ser pensante, para tanto a
moderação se faz necessária, tento conciliar tanto a ideia de circular a grana
e os bens como os cidadãos acharem melhor quanto a ideia de dividir a riqueza
mesmo entre os que pouco colaboram para essa circulação. Ser livre não pode ser
simplesmente ausência de coação, querer fazer tudo ao mesmo tempo. Há o velho
dilema entre liberdade e igualdade em ação, quanto mais um aumenta mais reduz o
outro. Opta-se por valores, de preferência consensualmente, a fim de evitar
guerras. Ao invés de ser “8 ou 80”, defendo algo como “33 ou 55”. IDH e FIB
(felicidade interna bruta) são índices muito melhores que o PIB, no qual o
Brasil é sétimo. Num país latino esse discurso racional e comedido pode não
contagiar, o que angaria votos é gritar e acusar.
Quando eu era mais novo eu achava
absurdo como a sociedade japonesa se organizava economicamente, aparando demais
as arestas dos jovens, impedindo o nascimento de talentos. Hoje entendo melhor
e aceito como justiça social maior que o modelo americano, por exemplo. Não tem
como justificar a maioria ganhar até mil reais mensais e a minoria ganhar por
mês mais de 1 milhão. Não é porque a meritocracia não é um princípio que as
pessoas não vão se esforçar para demonstrar qualidade e eficiência, há outros
fatores em jogo, como solidariedade e honra. (Além disso, o mérito depois de um
tempo se torna corporativismo, mesmo no esporte, quando certos clubes se unem
para se afirmarem sobre outros, criando uma barreira, um fosso dificilmente
superado pelos que estão de fora.) Admito que numa sociedade individualista e
emergencial como a nossa talvez esse esquema não sirva. Por aqui se aplicam
dois ditados: “farinha pouca meu pirão primeiro” e “em terra de cego quem tem
olho é rei”. Compara-se com o vizinho ao lado, que normalmente é alguém menos
que medíocre, e se tiver uma grama ligeiramente mais verde bastaria para se
aposentar. Quem tem uma visão cosmopolita ou sequer de princípios? São poucos,
a maioria é imediatista.
O que, grosso modo, defende a doutrina liberal? O jusnaturalismo (direitos
inalienáveis, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos), o
contratualismo (convenção partilhada entre os indivíduos da nação), o laissez faire econômico (menor atuação
estatal na economia) e o individualismo (liberdade de fato e igualdade
jurídica). Alguns desses conceitos são polêmicos, mas a princípio são simples
de entender e de defender, principalmente no mundo atual. Radicalizações do
liberalismo levaram a correntes realmente elitistas, o que não concordo, pois
não somos bichos para viver sob os acasos da natureza, sob o domínio do darwinismo
social, até porque somente psicopatas defenderiam a eliminação dos que não se
adequarem às normas e aos padrões vigentes. Toda direita é conservadora, visa
proteger seus ganhos e repreender, chegando a violentar, os estranhos
(minorias). Cada homem é um universo à parte ao mesmo tempo em que é inserido
socialmente em uma ou mais culturas, recusar essa sentença é ser imbecil. Quem
tem sérios empecilhos (talvez cognitivos) em reconhecer a complexidade e a
imprevisibilidade das ações humanas não poderá ser um liberal; no cotidiano se
percebe isso, todavia os estúpidos são teimosos demais para ver. Decorre disso
o pluralismo que todo liberal deveria defender.
No século XIX duas grandes
correntes políticas competiam: o socialismo/comunismo, encabeçado por Marx, e o
utilitarismo, sob a liderança de Stuart Mill. À exceção dos países de forte
influência inglesa, os demais compraram a ideologia marxista (Rússia, França,
Alemanha, América Latina). Eu vejo Stuart Mill como um pensador muito melhor
que Marx, contudo é mais frio, mais distante dos anseios diretos do povo. Por
outro lado, ele é muito mais humanista: “maior felicidade possível,
compartilhada pelo maior número possível de pessoas”. Como nessa escola não
havia utopia, nem chamada à luta (revolução), nem manifestos dirigidos aos
ressentidos, acabou sendo taxada de elitista. Quem estuda e reflete consegue
enxergar qual delas é mais razoável. E qual delas no fim acabou prevalecendo (à
parte Centros Acadêmicos e Sindicatos)? Não sou idiota para afirmar que tal
doutrina de 200 anos atrás deva ser basilar às práticas atuais, apenas defendo
que se prefiram certos princípios desta em detrimento da outra, sempre moldando
às demandas contemporâneas.
Tentei deixar minha posição
liberal de esquerda: democrata, capitalista e a favor de melhor distribuição de
renda – na verdade eu me vejo como um comunitarista (pesquisem sobre isso para
preencher a lacuna de uma postagem que ficaria grande demais, afinal este
assunto rende um livro ou no mínimo um artigo). Percebo que ela tem como
objetivo isto: fazer com que o desenvolvimento das potencialidades individuais (liberdade)
se harmonize com a melhoria dos habitantes da cidade como um todo (igualdade),
pois como toda ação gera reação(ões), um progresso, ainda que lento, é
preferível a turbulentos sobressaltos, que inevitavelmente provocam medo e
precaução nos covardes (essa maioria de qualquer povo civilizado). Busco sempre
pensar, em ética e política, em situações que salvaguardem diversas formas de
liberdade. Daí minha posição em temas polêmicos: a favor do aborto, da
eutanásia, das drogas, das cotas, de manifestações, de expressar opiniões, da
universidade privada desde que haja ensino público de qualidade, entre outros
(tudo com restrições específicas, detalhes que toda lei contém). Isso seria
tema de outro post, que talvez saia
em breve, dependendo da motivação e do tempo deste que escreve e tenta não ser
mais um blogueiro imbecil e inútil.
Para fechar,
fiquem com este excerto de Isaiah Berlin (Quatro
ensaios sobre a liberdade): “Pode ser que o ideal de liberdade de escolher
os próprios fins [...] e o pluralismo de valores a isso ligado sejam apenas o
fruto tardio da nossa civilização capitalista em declínio. [...] Os princípios
não são menos sagrados só porque sua duração não pode ser garantida. Na
realidade, o próprio desejoso de algo que garanta eternidade e segurança aos
nossos valores em algum paraíso objetivo talvez só seja uma forma de saudade
das certezas da infância e dos valores absolutos do nosso passado primitivo”.
P.S.: Comprem minha proposta e leiam sobre
liberalismo e comunitarismo. Indico também a leitura do livro que inspirou o
texto acima: “Filosofia Política para Educadores” de Paulo Ghiraldelli Jr,
Manole, 2013, em especial os capítulos 2, 4, 5, 10 e 16.
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