24 de junho de 2014

Sabedoria tardia e Ímpeto prematuro


Jovem é moleque, gostar de brincar, de experimentar; ele aprende aos poucos a conciliar as necessidades corporais com as morais. O jovem tende a optar pelas necessidades mais imediatas, fingindo que se arrepende quando toma uma dura das pessoas mais velhas (pais, professores, vizinhos, etc). É comum que esses mais velhos (maduros?) adotem a tática da repressão, dando muitas broncas, podendo até partir para a agressão, por ser mais simples e ligeiro que explicar tim-tim por tim-tim os atos falhos e como eles deveriam ser. Isso vai formando uma personalidade. Educar é cuidar. Não, não vou falar sobre a Lei da Palmada, quero apenas demonstrar que os nossos primeiros contatos com o mundo são físicos (pelos cinco sentidos) e só depois de muito processo civilizatório é que passamos a abstrair as situações, percebendo o mundo mais pelo intelecto que pelos dados imediatos.

 Acreditar em tudo o que chega via sentidos seria cair em erro quase sempre. Seria se contentar com a frivolidade das aparências. O Sol parece todo dia girar em torno da Terra, no entanto é o contrário o que ocorre. Há pouco mais de 400 anos essa crença foi substituída pela correta e certamente uma criança de hoje, que nunca ouviu falar em movimentos celestes, pensará que o Sol dá voltas em torno de nós, igual à Lua. Não quero apelar a platonismos, como se as essências estivessem em outro mundo, cujo acesso se dá após muita reflexão, e talvez somente após a morte. Eu me refiro apenas às respostas quase mágicas da ciência, que demonstra o que há “por trás do espelho”, no mundo inacessível sem aparelhos avançados e adequados. Nosso corpo evoluiu para captarmos o essencial para sobreviver, e felizmente a humanidade conseguiu evoluir a ponto de inventar coisas que vão além desse receptáculo básico e deveras fosco. Ou algum míope deixaria de usar óculos, vivendo com dor de cabeça?

Retomando, o jovem vai formando convicções, apesar de ignorar a imensa quantidade de informações existentes e as teorias esclarecedoras, ainda que conflitantes. Por vezes, quando se é teimoso, as convicções, geralmente errôneas devida à baixa atividade intelectual, se enraízam de tal forma que passam a se confundir com a identidade desse jovem, que passaria a ter dificuldade em abdicá-las, pois seria um suicídio simbólico. Então vemos pessoas de meia-idade e idosas com ideais simplórias e ingênuas, por que infelizmente não seguiram o conselho de ser “metamorfose ambulante”, como se transformações fossem mais que mudar de roupa e de perspectiva, como se fosse amputar um membro ou sacrificar um ente querido. O mundo muda e quem faz parte dele deve estar preparado em seguir o fluxo, ainda que certos conteúdos permaneçam – um pouco de resistência tem lá sua importância, o que abriria portas para outro tema (inclusão social) que não abordarei aqui.

Eu, como um crítico ferrenho do pensamento mágico e supersticioso, percebo que o homem se deixa enganar com muita facilidade. A imaginação voa e inventa mundos, ou então aceita os que foram inventados, desde que essa fantasia seja conveniente. Temos então charlatães e adivinhos ganhando uma grana por aí, aproveitando-se dos sonhos e do afã do povo ver seus problemas (grandes ou banais) resolvidos imediatamente. Essas ilusões na verdade são esperanças depositadas no que parece ser razoável e funcional, mas que um mínimo de ceticismo e de pesquisa logo assinala a roda solta que não deixa o veículo sair do lugar, apesar de seus passageiros pensarem que estão dando um suave passeio. Elas são castelos construídos no ar, ou seja, não têm qualquer fundação e estrutura que suporte o rigor da lógica estraga-prazeres. Digo que são dois os grandes motivos desse contumaz engano: a busca da felicidade por meio da esperança num futuro melhor que o presente e a ausência de critérios e formação racional a fim de reduzir as chances de posteriores erros pueris.

Duas frases são comuns de ouvir de quem não costuma controlar sua vida por meio de planejamento (racionalidade e disciplina): “se eu ganhasse na mega-sena eu resolveria minha vida” e “ah se eu pudesse voltar aos 18 anos com a cabeça que tenho hoje”. Ora, é difícil ter duas coisas ao mesmo tempo, como tempo e dinheiro ou maturidade e vontade. Como o homem nunca estará satisfeito para sempre, seu paraíso parecerá distante, lá em Pasárgada; tudo tem dois lados, cada ação gera uma reação. Sabedoria é ter ciência de fatos da vida como esses e ficar contente com a vida que escolheu levar. Não digo que é fácil, o senso crítico é como um músculo, se exercitado se expande, e se inerte se atrofia. É como aponto no título deste texto, quando a sabedoria chega, ela costuma estar atrasada, como se não valesse mais, pois a vontade encontrar-se-ia enfraquecida e o corpo, cansado, isto é, como se um homem maduro fosse o oposto de um homem prático e impetuoso. “A sensação de felicidade ao satisfazer um impulso instintual selvagem, não domado pelo Eu, é incomparavelmente mais forte do que a obtida ao saciar um instinto domesticado”, alertava-nos Freud.

Muitos se deixam levar pela emoção, saem do estádio com sorriso de orelha a orelha se o seu time venceu, dizendo que é o melhor do mundo; por outro lado, quando perde, pedem logo a cabeça do técnico e do goleiro. Quem jogou bola quando criança sabe do que estou falando, a falha mais óbvia seria a grande causa da derrota, ninguém se lembra do gol perdido pelo atacante nem da falta que o juiz ignorou. Somente pessoas razoáveis superam isso e interpretam o jogo com sensatez e equilíbrio. Os tolos e os extasiados costumam gritar e infelizmente convencem os desavisados que suas opiniões são as corretas. Triste cenário esse em que se ganha no grito, evidencia a força do acaso e a falta de critério e de soluções padronizadas; a época em que autoridade definia a verdade deveria ter ficado para trás...

Aconselha-nos sabiamente Montaigne no ensaio Sobre os coxos: “Quem impõe seu discurso como um desafio e um comando mostra que sua razão é fraca” e “todos os abusos do mundo são gerados pelo fato de que nos ensinam a temer confessarmos nossa ignorância; e somos obrigados a aceitar [grifo meu] tudo o que não conseguimos refutar”. Dessa aceitação irrestrita do obscuro como um fato nasce a força das mandingas e dos tabus. E ai de quem ousar duvidar! Contudo, os que têm em mente que “ausência de evidência não é evidência da ausência” suspenderá seu juízo e separará o que é artigo de fé e o que é de comprovação empírica. Mas, como eu disse, o homem se deixa enganar, prefere crer no que não pode compreender do que hesitar; prefere dar respostas categóricas sobre isso a dizer que algo meramente parece verdadeiro, mas que não poria sua mão no fogo. Nisso está o ímpeto infantil e a histeria feminina: “a Virgem chorou”, “o herói é grande”, “Deus é fiel”, “a alma reencarna”. Quem garante esses milagres, que extrapolam as leis da física? Certas questões são impossíveis de haver segurança, não passam de crenças facilmente contestáveis.

Enfim, parece ser mais aceitável perdoar essas tolices, esses erros de percepção, afinal, “errar é humano”. Porém, quando o pensamento supersticioso se torna a regra e o pensamento lógico se torna a exceção algo deve ser feito. Não pode ficar assim. É o que defendia Carl Sagan, alertando-nos dos perigos que uma massa de tontos pode provocar. Quem tentou contestar alguém que crê firmemente em OVNIs, abduções e demais conspirações extra-terrestres deve estar me entendendo. O que é mais provável: que a pessoa alucinou ou é uma esquizofrênica, ou que um ET perdeu seu tempo vindo até aqui para dar uma zoada com um caipira qualquer? O que é mais provável: que há pessoas especiais, com dons mediúnicos que fundam seitas com os mais absurdos fundamentos e ideologias, ou que elas adquiriram alguma psicopatologia após tantos pesares e falta de nutrientes? Eu tenho uma teoria que todas as religiões nasceram, ou pelo menos se fortaleceram, por causa desses malucos. Mas como é só uma teoria, você pode me objetar à vontade. Tolere-me.

O jovem é apressado, quer tudo pra ontem e custe o que custar. O tirano também tem esses anseios. Porém, o mundo e a sociedade progridem muito mais por pequenos passos e saltos do que por demandas prontamente satisfeitas ou por revoluções grandiosas. As revoluções são eficientes apenas em sentido negativo, para apagar o que existe, como uma chacina ou um meteoro que cai, aniquilando grande parte dos viventes. Cultivar um lar ou um quintal é demorado, todo jardineiro sabe disso. Exercitemos a paciência, viver é perigoso, subamos degrau por degrau, persistentemente, como na fábula A Lebre e a Tartaruga. Paciência, juvenil! E ânimo, meu velho sábio!


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