26 de junho de 2010

Arte e Artistas

Diante da arte meu prazer é rebaixado por quem não o compartilha. Sinto-me só. A singularidade é um outro nome da solidão. Meu amigo adora a obra que eu desprezo, assim duvido de mim mesmo. Porém, a arte não se comprova, experimenta-se. Questão de gosto, que deseja ser onipotente, apesar de ser deveras subjetivo, e possui a petulância de querer se impor a todos os observadores.

A arte parece que nunca vai morrer e que não tem um momento preciso de nascimento, ou seja, preexistia em algum lugar, e que um sujeito inspirado fez a graça de proclamá-la a nós, mortais. A obra-prima paira acima de nossas consciências, só um dom exótico poderia torná-la objeto de veneração. O artista é um místico, um intérprete dos deuses, vê o que os demais não vêem – paradise lost. Após contemplar a iluminação, exprime-a com suas idiossincrasias e técnicas adquiridas. A fallen god remembers his heaven.

O homem ordinário, então, idolatra, torna sua concepção de gênio em efetividade e satisfaz a própria vaidade, enquanto o artista se regozija com sua pretensa divinização. Actually, he digs his own grave. E que ninguém observe como é feito o trabalho, é onde reside a mágica, um ilusionista nunca revela seus truques, ou haveria desapontamento, a beleza seria desvanecida. Véu que mantém a imagem sacra. Contudo, poeta (poien: criar) ou teórico (theôrein: observar)? Inovador ou plagiador, sonhador ou confidente, historiador ou profeta? Ingênuo culto ou sábio ignorante.

Em arte a posteridade se autoproclama juiz, o futuro é um céu imenso que atrai, como chamá-lo de vazio? Nostalgia e esperança. Alto e baixo, julgamentos e valores antropocêntricos, pois no infinito, todas as direções de equivalem – horizontalidade do ser. Entretanto, só o homem julga, é o eixo ao qual toda vertical deve ser paralela – egocentrismo. O sol está em nós, o desejo cria seu céu, sonhos se repetem, tenazmente. A imaginação conjectura a promessa do zênite, mas do obscuro e do incognoscível nada se prova – agnóstico sonhador ou artista sonâmbulo.

Não há o belo em si, o prazer é seu limite definidor, a cada desfrute uma criação – pathos e hedonismo. Beleza é duplicação temporária: pela mutabilidade do objeto sentido e pela fugacidade de quem o sente. Valor é historicidade afetiva, a (r)evolução do tempo muda a sorte das coisas, logo, não há finalismo. Assim, a obra não é mais causa, mas efeito do desejo, a inspiração torna-se a face oculta deste.

Artista, mais albatroz que Hermes – o oráculo da sua própria vontade – escuta trovejar internamente as potências subversivas do desejo; idéias que percorrem as veredas íngremes da criação. Ícaro ascende furiosamente. Renúncia à contumaz crença da perfeição, porém, só há troca e regressão. Tudo era id na origem, no corpo adulto permanece a infância, e sua perversidade, sua ânsia por prazer, sem objeto e sem unidade. E cada um sofre o peso da criança que foi, é e continuará sendo.

Ouroboros: só partimos para ficar, só saímos para voltar. Crescer é um jogo e envelhecer é a morte. Letting go, só há viagem para o esquecimento, time heals. Consolação sem fantasmas. Humor. Sublime: o ponto derradeiro, o cume, a região cega que funda os demais valores.

O sonho, muitas vezes precoce, de estar voando significa o desejo ardente de estar apto para os atos sexuais – Vênus inspiradora. E o artista preserva a parte sonhada de sua infância e a recria, para continuar a sonhar que se tornará grande. Leva a vida como brincadeira, apesar da burocracia e dos deveres ubíquos se contraporem a essa concepção lúdica. Nesta velha dança a gente não se cansa de continuar criança. Por isso não importa, a quem não teve infância, o amor e a arte.

Vida como fenômeno estético. Arte como guardiã do sono de viver, como máscara da solidão, expressão vital e espírito maculado. Por sofrermos, precisamos do prazer; como toda criação é uma alegria, pelo intrínseco aumento do ser, é mister amar a arte, para criar o que nos falta ainda a ser; é a superação do drama de não ser.

A vida, enfim, livre da morte, ou ainda, não há morte, só há vida que se cessa. O criador e o observador da arte encontram em si o meio de superar o que os atemoriza. Sentem em si um excesso ou uma falta de sentido no senso comum e buscam o equilíbrio através da oscilação.

O desejo é estético quando só desfruta de si mesmo. Ele abraça o fugaz, o transitório, o frugal, os ciclos, os fluxos e os movimentos. Enquanto o prazer não, este é neurótico e compulsivo, sempre se anulando e querendo repetir. No entanto, há no perverso algo de artístico. Um incomodado que quer incomodar. Projeção do desejo pela não adaptação à realidade.

A arte avança, sem progresso. Nos museus é onde se conhece a criação, mas fora dele é que se cria. Toda arte é criadora, e seu oposto? Toda criação é artística? Cada um tem a estética que merece.

Artista é como que um ponto de condensação do universal no singular. Original todos podem vir a ser, mas ser verdadeiro é raro, é o diferencial. Se não fosse pela arte, os segredos de cada um permaneceriam trancafiados. Mas a faculdade de expirar uma inspiração se impõe ao artista, porque ele quer tudo o que tem e faz. É possuído por si e reinventa os valores e as regras de suas obras.

Incapacidade de viver a morte na plenitude de sua satisfação. A arte sobrevive a si, o passado torna-se presente na efetividade do prazer proporcionado. Ficamos, então, contemporâneos do eterno; na cultura, os vivos são dominados pelos póstumos.

No começo tudo era incipiente, toda inovação era grandiosa, os precursores e a vanguarda ficaram com os méritos e as glórias culturais, e o que resta, agora, tão tarde? Apenas técnica e cópia? Todo trabalho criativo exposto como artesanato, mercadoria para as massas? A raridade é um encanto insubstituível, o que é infungível tem seu preço elevado. Crise da época, concorrência ingrata. Milhões de anônimos que sequer buscam seus lugares ao sol, ou em meio aos flashes, almejam apenas reconhecimento num nicho cada vez mais reduzido – entropia e perda da criatividade.

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