13 de janeiro de 2013

Inveja do lado de lá


O criticado de hoje é o aliado de amanhã, o bode expiatório de sino dourado de hoje é o compadre de amanhã, o Exu chuta que é macumba de vestes badaladas de hoje é o santo de amanhã, a persona non grata metidinha de hoje é o parceiro de amanhã. É assim a vida dos invejosos sem opinião formada. Falar, reclamar, chiar, resmungar, choramingar pitangas porque foi excluído da patota é comum para quem não sacou como os fatos se amarram. O novo rico, ou apenas a classe média emergente, não me deixa mentir. E eu queria estar enganado, mas não sou iludido.

“A nossa inveja dura sempre mais tempo que a felicidade daqueles que invejamos.” Talvez a inveja seja o pecado capital mais recorrente de nossos pobres e ignorantes cristãos. É tão fácil falar mal do playboy de vida mansa quando se está do outro lado da rua. O sentimento ruim surge de bate-pronto e precisa sair para não deprimir o pé-rapado. Então o coitado enche a boca para reclamar da falta de ética dos burgueses de condomínio. Quem mais rasga o verbo é quem mais tem culpa no cartório. É igual a pai safado de menina bonita ou marido possessivo de mulher boa, eles aprontaram das suas, sabem do que outro homem ou as mulheres são capazes, portanto professam loquazmente sua hipocrisia aos colegas, vizinhos e cachaceiros da meia-noite. Não se enganem, discurso inflamado é sinal de culpa enrustida.

Como a maioria dos homofóbicos que dizem não admitir filho, amigo ou político baitola, esse ou já queimou ou ainda queima ou se contorce de vontade de queimar a ruela. Reconhece que aquilo não é legal socialmente, mas no escurinho se diverte pra valer. Quem sabe não seja inveja da diversão alheia mais do que incômodo pela perversão que degenera os bons costumes interioranos? Nem eles sabem responder. Recalcar por demais os prazeres faz com que conscientemente só seja repassado o sermão que se acabou de ouvir ou que insistentemente é gritado nos ouvidos pelos submissos anos da miserável vida de periquito. A gaiola é a maior fomentadora da inveja. O bichinho quer sair e aproveitador a saudável liberdade dos transeuntes risonhos e bem vestidos. O oprimido sempre carregará a dor da humilhação sofrida. Quanto pior o sentimento, maiores serão os gritos. As grades podem até sair de seu rosto, mas permanecem em seu peito comprimido.

E se o voluntarismo não significar felicidade autêntica, há uma farmácia na esquina fornecendo antidepressivos aos angustiados e apressados urbanos. Um sorriso na face é um grande sinal de vida boa, ou no mínimo de uma vivência satisfatória. O que um sorriso não é capaz de provocar! Um infeliz é capaz de mudar de time, de bairro, de profissão, de ideologia e de caráter para possuir um sorriso contumaz em seu já cansado rosto, em sua expressão cabisbaixa e em seus ombros derrubados por pesos físicos e metafísicos. A aparência garante mais sucesso que a legítima personalidade. Assim pensam os fracos de espírito e deslumbrados pela encenação.

 Manifestações externas de aprovação contam mais pontos que a retidão moral que sabe identificar o certo e o errado, o digno e o ignóbil, o faça e o não faça. Estoicismo nada pode contra as torrentes hedonistas que espalham fotos de gente sorrindo e pulando de alegria. Como dizer que a vida desses não é boa quando seu quarto é mobiliado por itens sombrios e circunspetos? Conclusão lógica: divertir-se é melhor que suportar no osso as lombadas e intempéries da encosta nebulosa e estacionada. Motivação torna-se a palavra de ordem, mas para isso é preciso mudar de ares, conhecer novos idiotas e tornar-se mais um. Pertencer é um imperativo, o contrário é fracasso. Por essas e outras o compartilhamento garante a alegria dos carentes.

Falta, sempre falta, algo, nem que seja ruim. O que não pode predominar é o vazio. Esse é o mal maior. Ocupar-se é não dar sopa para o azar. E assim se precaver do terrível demônio da modernidade: o tédio. Só que nessa espiral muitos bestalhões são lançados em mundos indesejados, com mais problemas que o anterior, mas tudo bem, antes apagar incêndio a jogar pedra no lago. Chegando junto dos que prometem farra e vida boa, o reclamão e mal amado vai à forra, claro que não sem batismos e impaciência até sintonizar a frequência sem chiados. Que os infelizes que ficaram para trás entendam e se adaptem ao novo sujeito. Pergunto: quem se sujeita mais aqui?

Pose, poser! Flashes não faltarão, pipocarão até cegá-lo, quem sabe isso não será o necessário para fazê-lo voltar a enxergar? Enquanto a inveja for sua força motora não haverá salvação, o fetichismo é sua pretensa redenção. Talvez tenha sido o melhor pra sua vida, do contrário haveria suicídio ou veias escorrendo por ralos. Apenas saiba que continuará ralo, sem sacar como os fatos se amarram. Apenas sua postura mudou: os criticados agora recebem elogios e a vidinha de antes se tornou alvo de escárnio. E chega de se vangloriar que o lado daí é o melhor e que o lado de cá da rua restam os losers. Cada um com sua fantasia de felicidade e suas acusações de tolice. A sua inveja permanece, mas não gerou inveja nos outros, seu objetivo não foi totalmente concluído.

“Ninguém é realmente digno de inveja, e tantos são dignos de lástima!”
 
P.S.: Tentarei iniciar uma nova fase, com escritos mais despojados, dependerá da inspiração, da disciplina e do tempo vago. Não que isso vá mudar alguma coisa...

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