Imagine você como uma cabeça voadora. Só a cabeça, alguns
braços retráteis e um compartimento do tamanho de um notebook servindo de
ombros e pescoço. Os braços são resistentes e maleáveis com alguns metros de
extensão e três dedos em cada um que mais parece um canivete suíço ou a mão do
Inspetor Bugiganga. O compartimento eletrônico o permitiria dispensar meios de
transporte e pernas, movimentando sua cabeça poderosa em alta velocidade e sem
muita preocupação com eventuais batidas, pois ela estaria muito bem protegida
por um capacete blindado. Coração, ossos, músculos, garganta e pulmões só dão
trabalho e podem ser facilmente substituídos por membros numa estante,
escolhidos dia-a-dia como se eles fossem roupa ou maquiagem, dependendo do
humor matinal para serem utilizados. Imagine só isto: seu “corpo” tão veloz
quanto um carro!
Mas essa parte física seria pouco utilizada de qualquer
forma, pois sua mente estaria muito mais conectada num mundo virtual de
infinitas possibilidades, pois as mentes de outras cabeças etéreas estariam
conectadas numa nuvem wi-fi globalizada, como em Matrix, com a diferença que
esse mundo paralelo pareceria mais o Grande Lar ou outra coisa bonitinha que se
pudesse imaginar. Para quê ficar com o feijão com arroz quando se pode comer
escargots e lagosta de café-da-manhã? Isso para quem ainda sentisse vontade de
comer, essa coisa primitiva superada por nanopartículas que eficientemente
captam toda a energia necessária para se viver a partir do sol e da água
mineral, e nada mais. Até porque metabolizar um corpo de alguns quilos não
demandaria muitas calorias.
Para quê nariz quando não há pulmões para processar
oxigênio? O compartimento faria esse trabalho, como ventoinha de computador. Nem
por isso o olfato precisa deixar de existir, muito pelo contrário, você
perceberia odores que nem o mais arguto animal farejador a vagar pela face da Terra
hoje consegue. Um sensor em qualquer lugar da sua cabeça faria esse nobre
trabalho para você. Olhos veriam em raio-x, infravermelho ou com lentes de
telescópio, bastando para tanto trocá-los, como unhas postiças de travesti.
Orelhas com qual finalidade, quando as ondas sonoras são mais bem peneiradas a
partir de aparelhos do tamanho de uma ervilha implantados no lugar do ouvido?
Um programa poderia ser modulado para captar as frequências mais agudas, que sequer
os cães conseguem ouvir; as mais graves, que se aproximam ao som do Big Bang;
ou simplesmente ignorá-las (mute mode on),
quando você for meditar e se concentrar em um sentido apenas, como o olfato, ou
em ideias grandiosas, atualmente impossíveis para nossa capacidade intelectual.
Isso mesmo que você pensou, Darth Vader é fichinha. E ele não estará numa
galáxia tão, tão distante.
Seu cabelo poderia ter o penteado da moda ou o mais exótico
possível, seriam tantos formatos que ninguém mais estranharia. Uma vez dado o
comando para seus braços mecânicos, dê adeus à ida aos salões de beleza: sem cansativas
filas, irritantes fofocas ou mal entendidos. Suas mãos seriam mais precisas que
as de Edward mãos-de-tesoura, qualquer cor, condicionador e demais cosméticos
seriam prontamente entregues em lojas de departamento na esquina. Mas como eu
disse, é provável que no mundo físico poucos estivessem realmente ligando para
o decadente corpo. A ação de fato se desenvolveria em redes, com os malucos
iniciando e encerrando existências como videogame; starts seriam dados a todo o
momento por milhões de birutas comodamente encerrados num quartinho protegido por
aí. Afinal, para quê casa se não é preciso cozinhar, deitar em camas, sentar em
cadeiras, estirar-se em sofás, tomar banho, trocar de roupa, alimentar os
peixinhos ou rolar com o cachorro? Móveis domésticos seriam itens de museus
como ferro a carvão.
Esqueça como o homem fez sua história e prepare-se para o
futuro. Mundo pós-humano. Esquisitices à parte, um cenário semelhante ao
exposto é bastante viável. Em poucas décadas (5, 10 ou 15), acredite, a
tecnologia pode muito bem avançar a ponto de realizar (quase?) inteiramente esse
panorama, que soa como excentricidade a nós – humanos limitados pelo aparato
corporal ineficiente, a tal prisão platônica. Como não existe outro mundo (ou
pelo menos a certeza dele), alguns cientistas doidões resolveram projetar o
mundo das ideias por aqui mesmo. Ou no mínimo logo ali, além das conexões de
internet – ou por outra alcunha certamente batizada. E nem tão longe, aqui
mesmo, pois o corpo/a cabeça seria bastante remexido: dentro dele haveria
tantos chips, softwares e partículas minúsculas que a parte eletrônica talvez suplantasse
a orgânica. Tudo objetivo e correto, beirando à perfeição. Cabe questionar: ela
existe? Para alguns, parece-me que sim.
Viagem minha? Infelizmente (para mim, sujeito analógico e
anacrônico), não. Busque autores pancadas como Ray Kurzweil, Nick Bostrom e
Edgar Franco. Saber sobre Cybercultura ajuda também, e a referência é Pierre
Lévy. Pesquise sobre futurismo, transhumanismo, promessas da nanotecnologia,
imortalidade humana, backup da mente e outros temas correlatos que nos remetem
aos ousados e fascinantes livros e filmes de ficção científica. É assustador,
mas para muitos é promissor. Homem (?) sem amarras. Ou ser biônico plenamente
satisfeito e realizado (!). Para mim, é mais o triunfo da objetividade fria e
hedonista que julga haver uma resposta definitiva para a vida: progredir
tecnologicamente e inundar os sentidos de informações muito além de um oceano
terráqueo. Uma galáxia seria pouco. Uma vida não é o suficiente para explorar o
universo.
Ou quem sabe seja simplesmente crítica de alguém atrasado
que tem medo das inúmeras implicações que uma revolução, uma gigantesca mudança
de paradigma e uma novidade imprevisível podem trazer. Sem dúvida, há muitos
pontos positivos, como redução de conflitos, sustentabilidade ambiental,
erradicação da miséria, educação (ainda que meramente técnica) e
previsibilidade comportamental. Mas nada possui só lados bons e tem unanimidade
entre os sujeitos pensantes. Penso que o grande problema seja ético, bioético.
A máquina é superior ao homem? A razão deve predominar sobre as confusas emoções,
custe o que custar, doa a quem doer? Se bem que estamos falando de um conjunto de
seres insensíveis e autossuficientes. Não se aplica?
Fica a dica para você refletir sobre conjecturas possíveis e
que podem ser comparadas com casos mais concretos e próximos de sua realidade,
cada vez mais mutante e acelerada. Esforce-se e concordará comigo. Até onde
você quer ir? Querer será poder. Desejou, conquistou. Simples assim. Simples?
Nunca é simples quando se fala de vontade. Vá pensando aí, para mim foi útil,
espero que para você também seja. Enquanto isso, aproveite este mundo, onde
querer é só o primeiro passo para poder.
Para encerrar, fico com esta frase de Giacoia Jr: “Uma das
acepções do niilismo é esta: o ideal do humano reduzido à intensidade
minimalista da sobrevivência; o ideal de felicidade rebaixado ao hedonismo
consumista, à incapacidade de elaborar uma experiência de sofrimento, ao desejo
obsessivo de bem-estar, conforto burguês e segurança, o acobertamento no
anominato do coletivo, a diluição de toda verdadeira personalidade, a negação
da diferença pela tirania identitária do uniforme”.
P.S.: Eu deveria ter pesquisado mais, para escrever com mais
embasamento. Deixarei essa tarefa a meus leitores. Quis liberar o fluxo de
ideias de uma vez só. Estava represado, achei o assunto instigante e, como uma criança,
me empolguei, mais agi que pensei. Deixarei o cuidado reflexivo para o tempo.
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