O iluminismo talvez tenha sido o primeiro grande movimento a defender a autonomia do sujeito pelo uso da Razão, a isso de chama Modernidade; ante a histórica opressão das instituições hegemônicas (Igreja, Estado e Senhores semideuses) cada indivíduo deveria tomar ciência de suas potencialidades e agir em prol de seus interesses, sempre os mediando com as demandas que o cercam (direitos aliados a deveres). Em resumo, o século XVIII lançou as bases teóricas, o século XIX ensaiou uma prática aliada a teorias mais modernas e o século XX enfim enraizou os princípios iluministas em todo Ocidente, é claro que com graus relativos à localidade e ao estágio civilizatório em questão. Portanto, nos países ocidentais foi imperativa a separação entre o poder republicano e o eclesiástico – é o processo de laicização ou secularização. É óbvio que no dia a dia ainda se notavam pequenos centros atrasados e os esparsos devotos a algum tipo de reverência aos coronéis ou sacerdotes da região, nada que políticos aplicados em instaurar o pleno Estado de Direito não pudessem evitar.
Contudo, o problema reside justamente neste ponto: quem foram os arretados, bravos e determinados que alteraram as leis, a fim de efetivar a autonomia de seu povo e conterrâneos? Interesses mais imediatistas e corporativistas não costumam falar mais alto quando o que está em jogo é uma disputa entre milhões de iguais, incorrendo inevitavelmente em perda de privilégios e da idolatria a meros ilusionistas? Somente líderes modestos e visionários defenderiam e se engajariam em prol dessa isonomia generalizada, gerando uma cultura de meritocracia e também de menores pretensões e presunções aos bem sucedidos. É mais fácil ser preguiçoso e deixar as coisas rolarem: que os acasos da vida cuidem da sorte, que o destino esteja nas mãos de algum deus ou santo e que o dedo indicador velozmente aponte a um culpado qualquer, tanto ao miserável bode expiatório quanto ao invisível dono do poder. Quem está psicologicamente preparado para ser o único responsável pelo próprio fracasso, bem como para dividir os louros da vitória com vários benfeitores? Questões existencialistas...
Contudo, o problema reside justamente neste ponto: quem foram os arretados, bravos e determinados que alteraram as leis, a fim de efetivar a autonomia de seu povo e conterrâneos? Interesses mais imediatistas e corporativistas não costumam falar mais alto quando o que está em jogo é uma disputa entre milhões de iguais, incorrendo inevitavelmente em perda de privilégios e da idolatria a meros ilusionistas? Somente líderes modestos e visionários defenderiam e se engajariam em prol dessa isonomia generalizada, gerando uma cultura de meritocracia e também de menores pretensões e presunções aos bem sucedidos. É mais fácil ser preguiçoso e deixar as coisas rolarem: que os acasos da vida cuidem da sorte, que o destino esteja nas mãos de algum deus ou santo e que o dedo indicador velozmente aponte a um culpado qualquer, tanto ao miserável bode expiatório quanto ao invisível dono do poder. Quem está psicologicamente preparado para ser o único responsável pelo próprio fracasso, bem como para dividir os louros da vitória com vários benfeitores? Questões existencialistas...
A sociedade já passou pelo
processo de individualismo extremo, nunca antes visto na história do planeta, e
agora tende a corrigir essa ingenuidade com a idéia de sustentabilidade, ao
menos é o que vislumbro para este século. Processo bastante doloroso e cercado
de teimosia, afinal o homem é um animal deveras vaidoso. Sendo assim, o ego
deixaria de estar no centro das ações e das emoções, passando a se acomodar
numa posição mais humilde. Os fragmentos não são vistos apenas num quadro
cubista, mas pela janela do apartamento e dentro do próprio quarto. As antigas
referências e solidez se diluem no atual mundo líquido, confundindo qualquer um
que tente estruturar um sistema com motivos racionalmente justificáveis do
porquê das coisas serem como são – é a
controversa pós-modernidade.
Nesse cenário, o medo se impõe
como corriqueiro, as ameaças estão por toda parte e são incontroláveis, por
mais que gastos com segurança tentem nos persuadir que a partir de então
poderemos dormir em paz. Isso tanto é culpa de uma grandiosa cultura do medo
que estimula os “cidadãos de bem” a se trancafiarem em casa quanto da razão
cética que projeta cenários onde qualquer catástrofe pode acontecer, disparando
casos de neurose, ansiedade e depressão. A intenção de libertar o homem se
tornou uma faca de dois gumes: uns com liberdade em excesso e outros temendo a
liberdade dos primeiros. A vigilância encontra-se disseminada, não só nessa
parte física, mas também na parte imperceptível, isto é, nas entrelinhas dos
discursos, conforme se nota com a volta do politicamente correto. Como há
vários mecanismos e ferramentas tecnológicas que permitem a uma pessoa
minimamente inteligente e esforçada conseguir (quase) tudo o que quiser – e tanto
é assim que vemos hackers adolescentes tocarem o terror em governos inteiros, entre
outros casos chocantes que intensificam o debate popular e midiático sobre a
maioridade penal –, o meio mais eficiente que a sociedade encontrou para
reprimir seus membros foi por meio das mensagens do poder que se mostram e se
escondem diariamente, sendo mais acessadas por estudiosos e gente esperta, não
pelo cidadão mediano. É incrível quão poucos são os que se reconhecem tapados e
covardes, no entanto formam a maioria da população. E é incrível como exige-se
coragem de todos, sob pena de ser taxado de arregão, franguinho ou fracote, mas
se possível a galera sai de fininho quando a batata assa pra valer e a mão
começa a queimar.
O ser humano historicamente teve
se conviver em grupos reduzidos, onde era preciso agir in loco para poder interferir no meio. Havia normas tacitamente
instauradas para estimular, repreender, recompensar e punir os membros. Com o
advento da informática e com a explosão demográfica, portanto da comunicação
global, instantânea e em massa, isso ficou muito difícil. Leis e mais leis
fizeram-se necessárias. Ou então espionar tudo e todos, como se enxugasse gelo.
Percebo nisso uma tendência ao retorno do senso de coletividade, pouparia
custos, bem como um abandono da privacidade, agora um luxo, ou mera
excentricidade.
O que isso tudo tem a ver com a
covardia da juventude? É devido a esse panorama, mais outros pontos que deixo
de fora, que a família se fechou cada vez mais para paparicar seus rebentos e
formar mimados antiéticos. A única coisa sagrada passou a ser a própria vida e
a do filho que recebe o “excelente código genético” de pais que precisam se
achar importantes. Caso o mundo não reconhece o valor desse pai, ele fará com
que seu micro clã seja espetacular. Tratar o filhote como reizinho eleva a
autoestima tanto da cria quanto do genitor. Doravante, se alguma besteira fosse
cometida pelo filhinho querido, ele se esconderia debaixo da saia da mãe, se um
rolo qualquer acontecesse, correria para a aba do pai, se algum babaca o importunasse,
chamaria o titio delegado para resolver a treta – exemplos de amparo familiar
não faltam. Não creio que isso ocorra desde sempre, havia outras coisas
sagradas. A mortalidade infantil era elevadíssima, nascer e morrer era mais
banal que na atualidade.
A família protege em excesso a
criança e, isoladamente, não a prepara para a vida política (cidadania). O Emílio de Rousseau deveria
necessariamente ser criado em comunidade precisamente para evitar a
proliferação de Narcisos. No lar, sem concorrência, o garoto acostuma-se a pedir,
a fazer o que bem entende, a tirar proveito das situações, caso aja como um
pimpolho, conforme a professora ensinou, e a se dar melhor ainda, caso aja como
o amiguinho malandro se gabou. Para enfrentar o que pode dar errado, como um
trapezista que dispensa a rede de segurança abaixo de si, quem está disposto? Alguns
trocam os pés pelas mãos e se tornam tempestuosos, ignorando qualquer tipo de
risco, vivendo intensa e brevemente, como um James Dean. A meu ver, estes se sentem
enfastiados com a facilidade de tudo e resolvem brincar de roleta russa para haver
um pouco de emoção. Por outro lado, quando aparece um aventureiro consciente e
treinado pulando de precipícios, pegando ondas enormes e escalando montanhas
gélidas, sempre vem um temeroso para taxá-lo de louco, problemático e suicida.
Ora, o objetivo é viver ou simplesmente perdurar? Recuar diante do amor,
hesitar aplicar toda a força que há dentro de si, ser prudente e espalhar as
fichas para pelo menos ganhar um pouco aqui e ali, esquivar-se do sofrimento à
frente (inevitável e balsâmico), são formar de viver pela metade,
posteriormente será necessário se contentar também com meia felicidade. Mas
isso existe? Se sim, vale a pena?
Há diferença entre covarde,
corajoso e intemperante (um Aquiles touro-louco). O meio-termo é a coragem.
Nela encontra-se o indivíduo equilibrado que sabe dos riscos que corre, e opta
por atravessá-los, pois tem um objetivo maior, e se consegue superá-los sentir-se-á
o máximo, talvez recebendo, de quebra, honrarias por seu feito. Porém, hoje em
dia as coisas são executadas com um lastro de segurança. Logo que alguém vai
comprar um veículo, uma casa ou uma jóia, o vendedor já oferece o seguro, como
se apenas o pão-duro ou o desmiolado fosse recusá-lo. Aparentemente, há tanto a
perder que é melhor subir degrau por degrau do que saltar por vários de uma só vez,
porque haveria a possibilidade de quebrar a cara, literalmente, em caso de
falhas. É tão difícil assim simplesmente se divertir e não se preocupar com bagatelas,
preferindo aproveitar o momento de virilidade e de provisória insensatez? É
sempre um dilema escolher entre gastar e poupar. Passamos por ele o tempo todo.
O problema é que noto que a maioria prefere ou adiar seus sonhos ou não se
responsabilizar pelos efeitos colaterais enquanto (acha) que realiza seus
ideais.
Há um instinto de conservação
predominando em praticamente todos os lugares. Voltamos a ser macaquinhos que
aprontam na surdina, que dão um tapa e fogem logo, que fazem algazarra para
distrair a vítima, que agem em bando para espalhar a responsabilidade por atos
quase sempre inglórios. Quem sabe nunca tenhamos deixado de ser efetivamente o
astuto homo sapiens, que sobreviveu
graças à sua diferenciada flexibilidade e malícia. E fomos nos convencendo de
que somos homo politicus, então no
“deixa que eu deixo” ninguém se compromete, que a culpa recaia no destino ou em
conspirações escusas. Ser corajoso é ser ético, é fazer aquilo que a maioria
não ousa fazer, ou que pelo menos espera até a linha de frente garantir que não
há problema em atravessar a ponte. Ser ético o tempo todo é ser herói, é ser
modelo de ação para a maioria que se escora nos protegidos do líder, puxando o
saco de ambos e se vangloriando por fazer parte de um time vencedor. Ser herói
hoje em dia é ser anacrônico, ou ninguém dá bola ou é achincalhado prima facie, por propor loucuras e não
ter amor à vida nem respeito à tradição. Parece-me que existem heróis, e aos
montes, por aí, todavia passam despercebidos devido ao comportamento de manada
que impera – são tantos os grupinhos especializados e padronizados vigorando em
praça pública ou virtual. Vale mais ser mais um no bojo. Vale mais ter uma
ninharia para chamar de sua.
O que expus retrata a decadência
de valores viris e senhoris, o espírito guerreiro foi transferido para o esporte.
A diferença é que na guerra é preciso criar as próprias normas e honrar os
veteranos que superaram tanto a disciplina militar quanto as tentações do
massacre e da humilhação aos derrotados. Já no esporte está tudo esquematizado,
basta seguir o padrão tático, ter um pouco de talento e de raça que o atleta
vencerá, sendo coroado e idolatrado por seus freqüentes títulos. Ai daquele que
não praticar o fair play, terá que
dar n explicações sobre sua falta de caráter. As câmeras logo o denunciariam. Não
há muito espaço para improvisação e nem para dilemas éticos, como ocorre
invariavelmente no campo de batalha.
A covardia é o medo consentido. E
quem sente medo diariamente está com o caráter vil formado; diante de uma
situação perigosa, o alarme soará, seu instinto de bicho assustado dará os
comandos às pernas, ligeiro correrá até escapar da terrível ameaça ou até ele perder
o fôlego, não sem antes procurar um abrigo qualquer com seu radar de homem das
cavernas. Contudo, momentos de perigo, ou ao menos de dúvida sobre a melhor
solução, se sucedem de hora em hora, não tem como fugir o tempo todo, a pessoa
pode até tentar, mas toda renúncia sempre será um tipo de escolha. Ainda que os
problemas sejam varridos para debaixo do tapete, amanhã ou depois esse manto
será retirado e o entulho voltará com tudo para cobrar os juros do fujão. Há
uma frase muito boa sobre tudo isso: “Os covardes morrem várias vezes antes de
sua morte, mas o homem corajoso experimenta-a apenas uma vez” (W. Shakespeare).
Agora, focando no jovem, há um
eterno retorno do conflito pais e filhos,
leia-se uma geração a ser ultrapassada por outra. Na adolescência, digamos dos
11 aos 21 anos, os hormônios estão à flor da pele e a petulância é uma ordem
interna da vontade de poder, por mais que não haja qualquer embasamento a esse
sentimento de superioridade. Ali se fazem mais presentes que no adulto mais
maduro e calejado: o espírito de rebanho, o temor da exclusão social, a
submissão à voz do líder do grupinho almejado, a ânsia desmedida e infundada de
ser aceito naquela panelinha sem graça e autoritária.
Esses nichos, essas gangues
juvenis, essas tribos urbanas e infantis praticam o bullying como autodefesa e estratégia de sobrevivência, pois como
não há raízes, o jeito é cortar indícios de raízes dos vizinhos. Esses nichos costumeiramente
recebem qualquer novato e postulante à vaga de imbecil arrogante com desprezo e
hostilidade, ato que sofrerá pequenas variações no futuro, quando for ele mesmo
um membro cativo. O novato
passará por provações, exigências, trotes, ritos e protocolos inoportunos. São exames
que exigem menos coragem do que tenacidade, persistência e flexibilidade, ou
seja, personalidade suprimida. O mais interessante é que após passar pelos
testes o calouro jura que foi corajoso. Diante de uma falsa questão qualquer
resposta servirá e ilusória será. Para fazer parte da patota vence-se pelo
cansaço. O pior é que está cheio de trouxa para se submeter a isso com um largo
sorriso no rosto, ansiando, babando, a fim de condescendentemente retribuir a
seus tiranos. Para compensar essa inferioridade momentânea ele irá se rebelar contra
pais, professores e demais educadores de fato, pois sabe que estes jamais
revidarão suas agressões como deveriam. Numa atroz inversão, a culpa de suas
humilhações não será dirigida aos que o tratam como criança, mas aos que o veem
como potencial adulto responsável, pois ele mesmo ainda é mais um imaturo e
marrento, ainda não está pronto para ser grande.
Não está pronto e dificilmente um dia estará. Geração
Peter Pan: quer a leveza das brincadeiras e não quer o peso e a dureza da vida
adulta circunspecta. Quer direitos e benesses até seus 30, 40 anos, quer ser
herdeiro, playboy, madame, VIP. Quer ter status e causar inveja. Claro, sem
heroísmo, apenas com a máscara da vitória, comprada, tecida ou bem maquiada. É
uma viadagem sem fim. Posso estar sendo machista e conservador, mas os valores
femininos parecem ter corrompido definitivamente os antigos valores viris e
aristocratas. A sociedade pode ter se tornado melhor, mais tolerante e capaz de
enfrentar novos desafios, assim como os neandertais deveres rudes e ríspidos
sucumbiram e nós não, essa vida mais racional e cheia de picuinhas demandou novas
posturas, azar dos que não se adaptarem, eles não terão sucesso.
Eu somente constato esse quadro. Talvez a coragem seja um
valor dispensável ao século XXI, para tristeza dos saudosistas de bestas-feras
valentes e destemidas vestindo toscas armaduras e impunhando punhais por eles
mesmos forjados. Não haverá outro William Wallace nem outro Lampião, viraram
lenda, que os filminhos de Hollywood, as séries da HBO e os livros de história
nos dêem um mísero apanhado do que foram esses guerreiros. Para o bem e para o
mal, não se repetirão. Para o bem ou para o mal, não seremos corajosos.
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