12 de dezembro de 2013

Um eu lírico extravagante


A Moça e o Corvo


Pousou o corvo no umbral em paz
Ela fitou a criatura negra
e ignorou sua voz macabra
a repetir “nunca mais”.

“Aqui não, seu bicho feio”
fechou a janela e voltou-se ao espelho,
lhe era urgente a maquiagem
contra olheiras, sardas, rugas.

O pássaro de mau agouro
paciente aguardava a sua hora,
observando a infausta vaidosa
se distrair pra ser levada embora.

Há remédios contra toda
desventura ou imperfeição.
Nem desconfia a moça fútil
que a morte é sem apelação.

Adentrou ao quarto róseo
um vendaval e uns vaga-lumes,
seguidos do lustroso ser negrume.
Não se suspeitava desespero.

Direto na veia do pescoço,
tão delgado e perfumado,
perfurou e insuflou veneno.
Após, o sangue escorreu em seu dorso.

Esboçou um sorriso o corvo cínico
com bico exultante e rubro
gotejando o suco vívido.
Crocitava “sempre mais”

A porra de um soneto

Escrever os versos todos certinhos
Por muito tempo foi esse o caminho
Mas proibido pra mim, algo preto
E agora esboço a porra de um soneto.

Conhece a chata contagem da métrica
Qualquer e todo poeta, aspirante
Reduzido às velhas linguagens fétidas
Não faz arriscar nem ir adiante.

É poesia de museu, tardia
Ao incauto e apaixonado irradia
Algum tipo de lírica blasée

Porém, sente logo no bucho azia
O experimentado, ali em companhia

De quem tem loucuras para escrever.

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