(ou o que entendo por metafísica de artista)
Sem
o apolíneo e sem o dionisíaco restaria só o feio, o grotesco e o horripilante,
e por vezes encontramo-los por aí, espalhados pelo chão como fragmentos
perdidos dos produtos de um comerciante chinês fracassado e alucinado, já em
processo de desrazão, isto é, prestes a adentrar num hospício qualquer, desses
de beira de parque. Se essas bizarrices valem a pena serem contempladas?
Divirta-se e depois me conte como elas são, ou apenas lhe parecem,
fenomenologicamente falando. Apenas considere a possibilidade (ok?) de eu
sorrir ironicamente de volta a você. Anote: tentar é melhor que reclamar.
Há
baixa e alta cultura, como existem baixas e altas mulheres e elevados e
rebaixados automóveis, mas nada que implique em correlação diretamente
proporcional de fonte de prazer, pois é tudo uma questão axiológica e de
experiência de vida. Se parece o máximo ficar indo de bar em bar bebendo e
sorrindo como o cara mais contente e sortudo do mundo, azar o dele, só os
idiotas se acham felizes o tempo todo. Para ser realmente feliz é preciso de um
parâmetro de comparação, o que no caso significa ter passado por tristezas,
amarguras e melancolias. É lá e cá. Toda rosa tem seus espinhos e toda estrada
tem suas trepidações; quando não há curvas nem barrancos o sono chega rapidinho.
Benditos desalinhos!
Razão
e emoção, vulgarmente falando, devem ser aliadas para que um indivíduo possa
declarar-se sadio; ambas em excesso – e ao mesmo tempo é claro – fará desse
sujeito alguém mais altivo, podendo diferenciar, enquadrar e selecionar entre acontecimentos
diversos, tanto os internos quanto os externos – algo que os demais
desafortunados restariam inaptos para identificar, sua baixa cultura os resume
em marionetes do sistema operante e dominador. Alguém se lembrou do conceito
marxista de alienação? Quem for incapaz de abstrair que se ferre, apesar do
materialismo imperante ver com maus olhos os sujeitos fantasiosos, deveras
patéticos, afetados e malogrados em relação aos donos da turma, com séquitos a
seus pés e carrões na garagem. Falar demais tem lá suas vantagens, mas é tão
frágil que exige que jamais se pare de falar, especialmente de se vangloriar. O
sensato fala o que, como e quando for necessário, e sempre ouve mais que diz.
Pose,
imagem e futilidades, isso passou a ser bacana, afinal consegue-se realizar as
próprias vontades, seja através do contato direto, seja pelo mundo virtual, com
o objeto de desejo, o sonho de consumo; coisa que não passa de persistente ilusão,
pois não há reflexões sobre o valor desse objeto, portanto o desejante torna-se
presa do desejado. Nada contra essa submissão, a crítica é por esse sujeito
julgar-se top, vip: um pouco de desilusão o traria para a realidade, quem sabe
pela primeira vez na vida. Na modernidade líquida transgressor é quem se dedica
exclusivamente por uma pessoa e brocha se nem ele e nem a outra se amarem. Devoção
a uma simbologia única. Mas somos ensinados e estimulados a abrir demais a
cabeça e a beber de várias fontes. Então, esquecemos de quem somos ou fomos.
Tudo
isso seria algo transcendental, concordo, contudo o resgate de uma dose de
metafísica não faria mal a ninguém. Alguém irá discordar de mim por esse apelo
a algo mais que o mero usufruto das mercadorias que todos nós nos tornamos? A
fim de ter autonomia, não ser a vítima neurótica que vive tagarelando e
procurando por bodes expiatórios ridículos para compensar a frustração por ser tão
néscio ou ignóbil ou pusilânime (palavras bacanas). É ofensivo? Ora, às vezes é
tão bom baixar a bola. Ir além do ego e não decair em moralismos. Abstruso?
Confundir-se num mundo confuso é uma tentativa de inverter os sinais, ou seja,
uma possível salvação entre os escombros do futuro, essa miríade de paraísos
perdidos dos sujeitos prepotentes, sempre carentes, pois não há aprovação que
lhes satisfaça.
Assim
como o homem só ensina bem o que para ele tem poesia, o homem só ama
incondicionalmente quem desperta nele constantes poesias. Mas isso é muito raro,
de perto todos tem defeitos e só uma musa/deusa é capaz de tal proeza, pois
perfeita e estável num pedestal de cristal ou num podium olímpico. Aí entra o
poeta para buscar inspiração para viver solitariamente ou ao lado de quem for.
Alivia saber que há uma semi-divindade para devotar suas composições e seus
sentimentos sublimes. É preciso praticar a sublimação para esse sujeito não se
resumir ao prazer solitário nem se ferir demais com tal amor não correspondido –
ou alguém sente-se bem com a rejeição eterna? Desistir não é possível porque o
prazer foi intenso demais para ser abdicado, assim como o próprio sofrimento
torna-se algo diferente após ter sido ressignificado por repetidas
demonstrações de afeto elevadas esteticamente, se não pela forma inovadora,
artisticamente falando, pelo menos através da expressão de uma subjetividade
que luta para se afirmar e não decair/adoecer.
Viver
o que é dito, viver como deveria ser, viver apesar da pressão contrária e da
necessidade de compostura e adaptação ao meio. O poeta encontra-se nesse
conflito perpétuo, quer realizar as fantasias, mas se frustra porque o mundo
não é tão belo quanto seus iluminados olhos percebem nem as pessoas em geral
têm uma concepção poética desse mundo infausto. Melhor delirar um pouco do que
render-se inteiramente à burocrática realidade. Apesar de seu corpo invariavelmente
envelhecer a cada dia, sua alma poética renova-se a cada contato com as musas,
rejuvenesce aceder ao mundo platônico, desde que provisoriamente. Sem a música
viver seria completa e irremediavelmente errático, assim como sem substâncias
ou hormônios que distraem o vigilante e amolador ego viver seria insuportável,
exceto se nos tornássemos máquinas perfeitamente racionais.
Por
um pouco de provocações, ironias e esculachos, é somente isso o que pede o
espírito dionisíaco dos poetas, que tanto leem e zelam pelas palavras
corretamente encaixadas nos versos, ainda que soltos e subversivos. A boa obra
de arte abarca esses dois lados, e que me perdoem os críticos. Dedicar a vida à
arte custa esses espasmos incompreensíveis para os meros mortais defensores da
etiqueta, por eles o artista acaba taxado de excêntrico ou, pior, de porra
louca. Ora, jamais espere correspondência por uma dedicação fajuta, pela
entrega feita pela metade; colhemos o que plantamos. Primeiro, projete o seu
melhor, e posteriormente aguarde. Poderão vir tapas como retribuição, mas a boa
consciência restará leve, a outra parte é que foi ingrata. A poesia deve ser escrita
com sangue, a partir das entranhas, portanto o amor também deve ser visceral.
Crer num Eros temperante como mediador do desejo carnal e da ascese simbolista.
Aqui e agora importa muito, pois o estado de espírito não volta; sentimentos
represados poderão entalar na garganta até a pessoa perder a voz, para nunca
mais ser um artista, e no fim morrer, sem dúvida de modo mais triste. Portanto,
perder em definitivo o acesso às figuras míticas é ficar concebendo as coisas
de forma mecânica, sem possibilidade de redenção.
Só
a arte salva. Só um artista é capaz de se salvar. Isso é acessível a todos. Assim
como o amor. Porém, poucos querem ser autênticos e, ao mesmo tempo, devotos. É
tão fácil seguir a corrente, imitar o padrão, fazer exigências, e, o que é
pior, surtar quando suas expectativas não são cumpridas. Viver é andar numa
corda bamba, é suportar, e até mesmo, demandar, oscilações; a coragem e a fortaleza
não são virtudes vulgares. E o vulgo? Sobrevive.
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