20 de dezembro de 2013

De insônia sob a lua


De insônia, após um dia de muitas leituras e conversas íntimas e esclarecedores, talvez por inspiração de notáveis e também por influência da lua cheia que dividia nessa noite seu reinado, pois obscurecida por várias finas nuvens esparsas que davam a impressão de ondular sob o céu azul escuro, deixando o clima bastante ameno para uma cidade tipicamente calorenta, mas não nesses dias chuvosos de fim de primavera; sentei-me ao relento e deixei o fluxo das idéias e dos sentimentos percorrerem meu corpo, então vestido apenas de cueca, para azar dos vizinhos que porventura me viram seminu e para sorte dos mosquitos sedentos por algum sangue diabético, zumbizando sem parar para refletir se o escritor aqui apreciaria essa ladainha aguda e irritante, porém sem dúvida mais agradável que o alto e repetido coaxar dos sapos em época de procriação em poças de terrenos baldios próximos de meu lar e em processo de tomada do matagal que hospeda vários espécimes; assim é a Natureza na periferia urbanoide, deveras povoada por seres que perderam a capacidade de contemplá-la.

Refleti sobre a função do corpo: manter o ser vivo, fazê-lo perceber o mundo, ser fonte de prazer e ser o primado da individualidade, isto é, ser o principal responsável por definições de tal sujeito. Esqueça sua mente, seu caráter, seu ego, seu pretenso centro de pensamentos, é o corpo (leia-se cinco sentidos) o grande culpado por haver tantos selfs (eus) por aí. A identidade é metonímia das experiências e preferências do sujeito, que, como o próprio nome diz, está sujeito a algo maior. Em que momento do fluxo de percepções você diz “agora estou no comando, está o mundo sujeito a mim”? Voltamos à primitividade, como quando éramos preponderantemente animais, sem muito progresso ao longo do tempo, ao contrário das culturas humanas, que transmitem conhecimento a cada geração, de forma exponencial, a ponto de o avô ser uma peça de museu viva diante dos hábitos “avançados” e modernos de seu neto. “Ow tio, ajuda eu ae; ow tio, cê ta por fora; falou, véio”.

A razão é escrava dos afetos, que emanam justamente dos sentidos, ou seja, do obsoleto corpo, com suas juntas, seus músculos e seu esqueleto. Ela fará de tudo para manter intacto esse receptor de sinais do ambiente e para sentir prazeres mais prolongados e/ou intensos e/ou passíveis de repetição no futuro, apesar da inevitável decadência do organismo. Ainda não somos máquinas puramente pensantes. Desejamos, através do “pecaminoso” corpo, para lamentos de Platão, Descartes e mofados escolásticos. E desejaremos enquanto precisarmos fundamentalmente do corpo para viver; não haverá abnegação, abstração ou ascese que impeça a vontade de ter e ser mais e mais qualquer besteira. Sem essa de “vaso da alma”, a alma é que é um vaso forjado por cada indivíduo. Mas quem abdica desse artesanato durante sua vida, ainda mais após o advento da modernidade, com suas ordens, normas e princípios racionais libertadores? Receptáculo ambíguo...

Isso, continua brilhando sobre mim, tímida lua, deixa-me semi-lunático, a proferir frases inauditas e inapreensíveis. Em nossa viagem astral eu divago e tu vagas. Deixem os infelizes rogarem suas deploráveis pragas. Meu corpo te agradece. E o teu?

∞√↔Ω™

P.S.: Talvez esse texto fizesse parte de um romance que eu sei que não escreverei em 15 anos. Não sou disciplinado para conectar inúmeros pensamentos a fim de formar um volume maior que algumas páginas. Devo contratar alguém para reunir os trechos que tenho certeza que formariam um livro digno de publicação, mas indigno de reconhecimento? Até lá, conjecturo sair da obscuridade do meu minúsculo quarto e do meu soturno diário.

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