28 de janeiro de 2012

O Fascínio das Máscaras

As máscaras me fascinam. Você pode até discordar, mas este texto não é sobre você, é sobre mim, e também não quero convencer ninguém do poder que elas causam, é apenas para justificar meu sentimento. Talvez tenha sido o filme O Máskara que eu adorava ver quando criança. Justificativa boba, com certeza, racionalizar as emoções perde grande parte do encantamento delas, com isso nós acabamos por descobrir falhas e defeitos, sejam dos objetos sejam os nossos, durante o trajeto do discurso. Bem, isso é o que menos importa, eu apenas me delongo por exercício literário a fim de estimular minha prolixidade.

Originalmente, as máscaras, que podem ser feitas de materiais sólidos e relativamente duros ou então de corantes para pintar o corpo, serviam para fins religiosos e ritualísticos. Muitos devem saber disso, afinal quanto mais primitiva uma sociedade, mais os aspectos místicos e sobrenaturais permearão aquela cultura. A principal simbologia é no sentido de encarnar as forças da entidade desejada (persona, no caso do teatro), se não a própria entidade mítica, visando afastar coisas prejudiciais, como secas, morte ou dilúvio, ou atrair coisas boas e elevadas, como clarividência, curas e coragem. Ocorre, por vezes, um conflito, ou uma dualidade, entre o bem e o mal. Ambos existem, cabe ao homem saber utilizar cada um dos pólos no momento que lhe for conveniente e arcar com suas conseqüências, como ocorre no candomblé. A presença do mascarado facilita a leitura dos participantes do culto e assegura alguma ordem em meio ao caos natural, ou ainda à confusão da cosmogonia.

Os ritos são envoltos em seriedade moral, reforçando um compromisso emocional e social, regulando, coagindo e disciplinando os membros. Há também as máscaras fúnebres, que facilitam a travessia dos mortos, como ocorria no Egito, as de animais que encarnavam o espírito selvagem do espécime, e as que representam funções sociais, como símbolo de status ou de passagem para outra fase da vida. Há, ainda, aquelas para a guerra ou combate, que protegem física e psicologicamente o soldado/guerreiro, entre outros exemplos. O ponto em comum entre todas elas é a mudança de personalidade e a identificação com a ideia.

E por que se faz necessária essa mudança, esse intercâmbio de caráter e de atitudes? O homem tem muita dificuldade em ser íntegro e autêntico o tempo inteiro, precisando de formas de êxtase e evasão, acessando o inconsciente, ou seres metafísicos? Até que ponto uma vestimenta encarna outro aspecto da personalidade, que não havia no corpo totalmente nu? A máscara é o adorno mais representativo em dissimular, camuflar e transmutar a pessoa? É provável que sim, afinal evoluímos socialmente para aprender a identificar minúsculos detalhes do rosto, como rugas, pintas, expressões, heranças genéticas e desfaçatez. Coisa que não acontece com o restante do corpo, que apresenta formatos, relevos e texturas mais homogêneos, e dependendo da cultura encontra-se totalmente escondido.

Expressões multifacetadas, necessidade de assumir uma aparência pública de títulos e possuir um orgulho por ser tão honrado. Quando a pessoa se resume a essas procuras incessantemente e nega aquela calma meditativa que os orientais tanto nos ensinam, que seria sinônimo de serenidade e do maior passo no trajeto diário da felicidade (é claro que aconselhar a adoção exclusiva desta postura zen aos ocidentais é um erro, eu falo da lição), essa pessoa me pareceria perdida e escrava de seu ambiente, com a cabeça rodando diante das pressões da competitividade. Esta máscara egocêntrica seria a da hipocrisia, que seduz pela ilusão de ser um axioma, bem diferente daquela primordial, que era a que buscava curas e crescimento pessoal pela comunicação com forças e espíritos diversos. Como prismas e caleidoscópios que nos oferecem imagens borradas, distorcidas e oscilantes, mas que estimulam a criatividade e uma perspectiva enriquecida, através das novas percepções.

Nos Carnavais de Veneza ou do RJ, nas Saturnais romanas, no Mardi Gras de New Orleans, nas festas à fantasia corriqueiras, está implícita a idéia de libertação, de se fazer o que não se pode ou não se deve praticar na rotina de trabalho e estudos. Pela catarse, pela epifania, pela inversão de valores e de papéis, os sentimentos de pertencimento à natureza, à vida, ao grupo, se fortalecem. São momentos dionisíacos de despersonalização em prol da integração e do pacto, de denúncia do ridículo de normas, instituições e paradigmas, e de percepção de ser apenas mais um integrando um todo grandioso e importante. Doravante, são reveladas a fragilidade e a efemeridade da existência, o que nos enriquece, faz perder a arrogância no mundo fechado em que estávamos – este não passava de uma criação ilusória para proteção contra os inimigos desconhecidos que sempre suprimem as idiossincrasias.

Os teatros romanos e gregos, preferencialmente este último, lidaram muito bem com a idéia de representação e imitação. Oscilavam o trágico e o cômico, o sagrado e o satírico, o real e o falso, alegrias e tristezas. Aludiam a temas e personagens do passado, evocando-os no momento da encenação. Os atores, o cenário e as máscaras eram os principais símbolos para a compreensão do público, bem como do aspecto mítico e moral que carregava. Pela mediação entre o texto/roteiro/mito e o espectador/iniciante o ator/articulador (hypokrités) se transforma num herói ou vilão, capaz de enfrentar qualquer adversidade, expressando com todo o corpo a mensagem, mas que só a máscara é capaz de enfatizar.

E o que se pode falar de hoje? Onde estão as máscaras, ou os mascarados, da contemporaneidade? Bem, elas existem, mas ainda resgatam a memória dos antepassados e a tradição de uma cultura longeva? Elas estimulam a fantasia e o lirismo no espectador? Ou todo o caráter mítico, mágico e sobrenatural se perdeu e foi substituído por desejos egoístas e inseguros, que querem se refugiar num anonimato apenas para prejudicar os outros, sem trazer simbologias éticas e de partilha? Em parte sim, conforme vemos os avatares nas redes sociais que anseiam por denegrir a imagem dos outros porque a própria reputação está manchada ou é nula. Há ainda a espoliação das artes populares pela máquina e pela globalização esmagadora; a arte e o artista, regionais e envolvidos na cultura carregada de simbolismo próprio, passam a ser estigmatizados como artesanato e artesão, tornando-se, enfim, peça e operário. Nessa linha vai se perdendo o rico e subjetivo sentido da vida.

Não é preciso estar em cima do palco ou participando de um ritual para vestir uma máscara e se transformar. Roupas, decoração, maquiagem, corte de cabelo e alteração de semblante já seriam suficientes para a mente captar a intenção e alterar, ao menos em parte, o sentimento e a expressão do indivíduo em terminada situação. O maior exemplo é a mulher que sai para a festa ou a balada. Sem um vestido bonito e atraente, sem uma maquiagem que esconda defeitos e sem um penteado bem cuidado e invejado, ela se sentiria insegura na roda de amigos e para ser considerada gata pelo namorado ou pelos homens que ela deseja atrair. No trabalho e em ocasiões formais ocorre a mesma coisa, com quem precisa de segurança para não ser esculachado por olhos perversos. Se usássemos uma máscara, que possui uma expressão fixa e transmite, geralmente, uma intenção apenas, seria mais fácil. Mas a vida social exige dinamismo e complexidade, essas simplicidades são quimeras.

Por fim, descrevo o que penso dos heróis e vilões mascarados. Ao assumir o anonimato o herói realiza atos duplamente heróicos. Primeiro, por “fazer o bem” sem isso ser necessário e, segundo, por não querer glória (enquanto cidadão comum). A dúvida é saber até que ponto o homem ordinário ainda tem orgulho de sua limitação e não precisa se modificar para se sentir bem. O Superman não conta porque ele, ironicamente, não é humano. O Batman é um caso mais oportuno, pois ele não tem superpoderes e tem uma vida boa como magnata. Ao vestir a armadura ele se torna uma pessoa sombria que desperta medo em muitos conterrâneos, e não é incomum ele abdicar de seu alter ego, cansado da fantasia e da maldade de sua sociedade. Mas a esperança não morre e ele persiste com o personagem salvador. O Wolverine é outro que prefere ser ele mesmo a ser herói.

Contudo, a maioria prefere a idéia de ser grande e idolatrado. Esse também é o caso dos vilões, só que esses agem mais para chamar atenção porque não conseguem ou não gostam ser bons moços. Eles se mascaram para não serem reconhecidos; é fácil notar que seus personagens servem para fazer o que sempre quiseram, mas que a moral não permitia. Sob a máscara a coragem aparece e o homem que ali havia antes não existe mais, por ser medroso. Resta saber até que ponto sua crise de identidade se manifestará, se o comportamento antissocial era seu ideal e só faltava o empurrão do anonimato ou se a vanglória subiu-lhe à cabeça, a ponto de se tornar um vício, não querendo voltar no tempo para levar uma vida mais frugal. Há rebeldia, insegurança e dificuldade de entender e lidar com as opressões. Fugindo para a “maldade”, o vilão colhe os frutos da sua rapina e dos seus raptos, porém fica condenado pelos outros e por si mesmo a usar a máscara. Sem ela doerá ver no espelho a contradição entre a honestidade e a ingenuidade daquele rosto outrora ético e a ganância do bandido disfarçado. Fora das HQs nós também fazemos essas escolhas, qual máscara usar, quando e por quanto tempo? Elas são reflexos de nossas personalidades ou elas passam a incorporar em nós características antes ausentes? A partir disso, agiremos: herói ou vilão?
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P.S.: Esse assunto rende mais ainda, até pq eu não falei tudo o q gostaria, mas como parece ser um tema nerd (HQ) e eu não tenho opiniões muito abalizadas, deixo por isso mesmo. É assim, muitas vezes me contento com o pouco q tenho, a frugalidade pode ser um bom remédio para ambições desmedidas - a gestão do pior.

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