8 de janeiro de 2014

O Estranho e o Ego


Sinto-me estranho, na verdade só mais estranho por perceber que vivo ficções. O Ego se rompeu e como defesa finge não se abalar. Doravante, vive o momento, prestando mais atenção aos sinais corporais. O que cair do céu ou se erguer da terra, enfrenta. Sorte eu nunca tive; azar, tampouco: esforço-dependência.

Nada parece empolgar por essas bandas, então o melhor é ignorar a indiferença desse mundinho. No fundo (mais ou menos profundo), quem se presta a se alegrar com pequenas conquistas deve se motivar com elas, simplesmente porque lhe dizem respeito – procedimento contínuo em prol da fortaleza, ainda que de fachada. Nova defesa do Ego. Não mais o meu. Portanto, a imaginação alça voos (mais ou menos etéreos) para compensar a aspereza da realidade. Mitos insistem em nascer e renascer. A superstição é tenaz e matreira. Ainda muitos se dizem pé-no-chão; se de fato assim fossem, desconfiariam de si próprios e fatalmente decairiam.

Mas há as mal compreendidas batalhas. Competições servem (mais entre outras coisas menos) para tentar inflar o Ego, sempre à mercê de descobertas, promovendo a colorida vaidade e o lustroso orgulho, devido à superação de obstáculos em relação aos primórdios, algo deveras incomensurável. Difícil não crer em progresso, mas quão útil ele é? Pregamos nossas medalhas na parede branca a fim de martelar diariamente autoelogios e autopromoção. E cutucamos a infâmia e o ridículo dos outros, também para nos sentirmos por cima do vulgo. Sobressaem-se os “ah, oh, buh e rá”.

Sinto-me estranho, isso tudo não me atrai mais. Os louros da vitória não me aproximam de Apolo. Não ergui uma resplandecente reputação. Deveria, pois é um impactante cartão de visitas, tudo bem que mais voltado aos adultos, que, ao contrário dos jovens, não estão esboçando uma. Ao menos não visei imitar ninguém. E de que essa invisível ousadia me serviu?

A autenticidade nunca foi tão desmerecida. Ela rompe com a zona de conforto e com os nichos tão bem amarrados, o que resulta na parvoíce dessa homogeneidade insípida. Em grupinhos as surpresas apenas são bem-vindas se trazem consigo diversão, não se portarem enfados, incômodos e sérias reflexões. “Sai daqui, seu chato” é dito tácita ou explicitamente.

Ah, como a perturbação é útil. De início, é claro, o Ego se refugia em algum canto para esperar a tempestade passar, contudo após um tempinho nota as qualidades dessa simplória má afamada. (Flamejante discórdia?) Sem distúrbios não haveria critérios de comparação. Porém, a tendência de optar pela via mais cômoda deixa a sociedade blasé. “Deixa que eu deixo”. É o reinado do politicamente correto e do pessoal do contra que pentelha só para chamar atenção, não traz muita coisa considerável nem simpaticamente perturbável.

Sintoma estranho, nunca satisfeito. Identidade perdida. Confusão de papéis, mixórdia de interesses, miríade de tentações e excesso de versatilidade. Será mesmo? Ou seria somente conversa mole de quem não se especializa e restou incapaz de produzir algo diferenciado e rentável? Ou seria desilusão? Fim das esperanças por reconhecimento além do pequeno círculo íntimo, sempre disposto a dar apoio, ainda que discorde de tudo, pois o que vale é um pouco de carinho e a boa convivência; o laço deve perdurar. Chamam a isso de amor, dizem que combate a ira e o rancor.


Intimista e circunspeto. O eremita caminha por terrenos acidentados e pouco trilhados, sua fiel sombra e seu rígido cajado o acompanham. Seu amigo quase caiu da corda bamba e por pouco não se estrepou no irregular solo. Quando este desceu, abraçaram-se e rumaram a uma caverna, não para falar de seus honrosos feitos, como faria a maioria de seus conterrâneos, mas para debater sobre o gosto das romãs e das graviolas.  Frugalidades fundamentais – inteireza de espírito? Beberam a água do rio que captaram com a cabaça e, contentes, criticaram-se sinceramente. Não se incomodaram, pelo contrário, brindaram com seus humildes recipientes. Todo estranho sonha com uma terra não estranha, contudo o outro será sempre um mistério, ainda que interrogatórios reduzam o assombro e a estranheza de tamanha complexidade. 

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