31 de dezembro de 2011

Resumidamente, por fim.

II

Corajosamente, dentre um mar de opções, arrisco-me pela boa escolha diariamente, e nem a certeza da incerteza abala a minha confiança no bom caminho traçado.

Cada pessoa não é o centro, nem o dono do mundo, e talvez nem do seu próprio. Tal qual um diretor de teatro, é preciso saber delegar papéis e funções, somos no máximo esse diretor, da tragédia da própria obra, que inevitavelmente acabará, quando as luzes de sua mente se apagar, esgotada.

Através da alteridade percebo no outro, o estranho ou sinistro, algo que em mim falta, minha falha inerente, e passo a admirar nele essa completude; basta que eu ainda me ame, mesmo sendo imperfeito, para evitar a idolatria, o que cobraria o preço da perda de autonomia. Admiração não é sinônimo de idealização.

Para atravessar as clausuras disciplinares de cada isolada ciência é preciso de metáforas férteis, que formam pontes àquela ilha. Ocorre um desmoronamento gradativo do narcisismo por meio de uma atuação pública, com projetos coletivos que servem de bússola ética, retirando a apatia e promovendo a iniciativa pessoal ou popular.

As gerações surgem e sucedem as anteriores no poder, e agora são privilegiadas com mais liberdade e acesso às informações, ainda que sob olhares desconfiados e vigilantes, pela alta expectativa depositada nelas. Da observação destas, infere-se que elas não passam necessariamente por um progresso ético e intelectual, ao contrário do que era de supor. Parece haver somente uma sucessão dialética do comando, ciclicamente, como sempre aconteceu.

Pais e filhos, como Homer e Bart, se relacionam numa diferença insuportável e invejosa no tipo de vínculo mais forte que existe. É uma condição sine qua non: o amor (philia) acima dos sentimentos destrutivos. Caso contrário surgirá um inimigo íntimo, com falta de respeito e asco à autoridade e à intemperança.

Adolescentes aos 50: cadê a aposentadoria, o último degrau onde se dá para fazer algo antes de vegetar e fenecer? Viver muito custa caro, ao bolso, aos cofres e à mente. Todos devem se preparar à nova realidade da longa expectativa de vida, a fim de se tornar um idoso e não um velhote, um encosto aos parentes e à sociedade, que se sente impotente diante das dificuldades, com tendências suicidas, que são odiosas e rancorosas.

Temos um medo primitivo do não pertencimento, de ser jogado no ostracismo ou de não se sentir parte dos círculos sociais, ainda que estes estejam longe do ideal de convívio. O lance é que com a socialização a mente se defende de uma potencial depressão. Apesar de vivermos juntos e morrermos a sós, tendemos a não nos conformar com a ideia de ser descartável ou substituível. Mas o que se pode fazer com o momento limítrofe de não existir? Inventar e conjecturar paraísos e almas etéreas flutuando sobre um mundo idealizado qualquer? Eu acho que o insuportável é jamais deixar de existir – a condenação vampiresca.

A libertação da maternidade pelo padrão de beleza da magreza escravizou muitas mulheres nas teias da ditadura midiática. Ou então em padrões fetichista: tudo deve ser grande, exceto a cintura, sobretudo a cintura! Tola idealização, como se ao se tornar belo, a saúde, a felicidade e a grana viriam juntos, e como se os objetivos de estar bonito fossem só esses.

Fazer alisamento, borrifar colônias, usar acessórios de ouro ou, mais absurdo, de couro ou de diamante, vestir roupas chamativas ou brilhantes, nada disso é suficiente na tentativa de escapar do estigma de ser pobre e fracassado, pois a expressão verbal denunciará a origem e o destino miserável ou medíocre. E por vezes até mesmo a linguagem não-verbal deixará nítida a falta de cultura e de gosto. Cônscio disso, a dor e a solidão crescem no embusteiro.

Pessoas concupiscentes perdem a capacidade de enxergar rostos, só vêem o sexo. Se vierem a descobrir a poesia, quem sabe, de quebra, redescubram o amor.

Imagens belas nos reconfortam e nos distraem sobre as falências, e ver desgraças alheias alivia. Death is all around.

Que os contos de fadas que ouvimos na infância desmoronem aos poucos, mas desde cedo, para que a capacidade de resiliência às corriqueiras mortes simbólicas seja fortalecida.

Escrever ou compor ou pintar ou cantar ou rimar costuma ser uma boa alternativa para impulsos inconclusos, é um ato de sublimação que torna a fraqueza em arte. A vida é coser; saber fazer arte é ter estilo próprio, é emocionar a si e os outros, sendo que estes se identificarão com a idéia também sentida, mas que não encontraram uma maneira de expressá-la.

A liberação das tensões corpóreas pela movimentação é extravasar e sentir-se vivo e apto ao que vier. Essa descarga de frustrações e de perdas estimula a readaptação a novos hábitos em que volta e meia somos jogados, sem percebermos. Então, flui novamente o sangue por coágulos e varizes, veias acumuladas de má energia, simbologia de nossas minúsculas mortes. Inspire, expire, toque, sinta, perceba, e pouco a pouco você será reinserido à natureza.

Ainda que desejemos ignorar o confronto entre Eros e Thanatos em nós, vendo-o ou não, a angústia será despertada. Temos o costume vão de nos acharmos importantes demais – sentir-se imortal! –, daí tanto temor e sofrimento com a defrontação com a morte. Mas se for a falência do outro, talvez desperte a consciência de que poderia ser a minha, e então passo a conjecturar. Mas se eu morresse os maiores prejudicados seriam as pessoas que me querem bem e não eu mesmo...

O ego busca conquistas que inflem o orgulho e que mascarem a insegurança vaidosa. Qual será o ponto que, uma vez atingido, a pessoa possa afirmar categoricamente que está realizada? Quando se sentir autêntico e íntegro e de posse de algo por ela valorizado, fruto de seu esforço, de seu trabalho de formiga operária?

Imprevistos e desvios dos objetivos iniciais podem sair melhores do que a encomenda, é preciso estar desapegado para aceitá-los e se surpreender com a boa mudança de trajeto, sejam pelos acasos da vida ou pelos ardis impetrados. A maioria, orgulhosamente, se acha pronta para os encargos da vida de adulto, mas é corriqueiro ocorrer o oposto – a maioria das pessoas não preparada. É torcer para que algum dia atingirem o estágio da maturidade.

Devemos olhar de soslaio, de nariz torcido, os reducionismos, que mais parecem paraísos aos desesperados. Enquanto isso, a literatura de autoajuda vende e bamburra.

Dominar os outros não é a mesma coisa que dominar a si, e muitas vezes não tem qualquer relação. Ter boa reputação não garante um equilíbrio interno, psicológico. A solução exclusiva pela boa imagem externa raramente supre as carências internas. Baixar a guarda e pedir auxílio e apoio a fim de um efetivo desenvolvimento pessoal é um ato de humildade e de ousadia, sem isso será barra superar os percalços e as más tentações da vida.
--++**
(Fim de 2011, Feliz 2012)

28 de dezembro de 2011

Em suma, posto isso, noutras palavras...

I

Transparecendo chistes, um psicólogo vê e observa, compreende e entende, então conclui sobre o analisado, podendo este ser ele mesmo. A atenção flutuante da livre-associação alheia é o melhor instrumento para uma boa análise psicológica. Quem sabe ver está em constante viagem, mesmo que só, em casa.

Esconder traumas debaixo do tapete da psique resolve o problema ou acumula frustrações que crescem como um câncer maligno? A cura pela fala, ou por outra forma expressiva, sempre ajuda, no mínimo em parte.

O inconsciente deve ser um inimigo ou um aliado? Não é o Id quem deve ser suprimido pelo Ego, a batalha deve ser travada em conjunto contra o Superego, esse repressor contumaz. É como se ao se retirar a polícia das ruas a violência diminuísse, os muros agora sendo feitos de papel manteiga, com a vigilância e a desconfiança se arrefecendo e a tranqüilidade emergindo.

Quando arrancamos ou obturamos um dente que incomodava, passamos a língua sobre ele, para sentirmos a dor de volta, essa antiga companheira que não volta mais, para alguns este sofrimento é maior que o anterior. Quem sente essa falta possuirá um desejo, que será compensado ou projetado em outro objeto, logo esse alvo é inferior e posterior à vontade, que é propulsora e dominadora do ser.

Os detentores de acrofobia, também conhecida como vertigem, costumam possuir uma perda de equilíbrio do ouvido interno. E os que são desequilibrados internamente, sem ouvir seu interior e muito menos o exterior, costumam ter medo da vida, a distância entre o chão e sua cabeça costuma ser um abismo aterrador, tudo roda e enoja. Qualquer causa desagradável dispara o gatilho do medo, até então dormente, todavia à espreita.

Todo medo é uma defesa a uma ameaça pessoal. Por que ter vergonha de não existir, de perder-se? É um mundo desértico, vazios nos habitam, é preciso um esforço radical e incondicional para viver, ainda que de passagem, e sempre trabalhando o desapego. Sejamos ousados, flexíveis e realistas, esse otimismo converterá os problemas em oportunidades.

A autopunição é uma reação à má consciência de quem não tem traços psicóticos, mas pode ser a vingança interna, refletida em gestos, por um amargor sádico de neurótico perturbado. Apesar disso, deve-se haver um tempo introspectivo para uma fossa esporádica; os atos de gastar e usufruir são os objetivos do mercado, nunca foi um padrão de comportamento.

Vamos acabar com o autoengano, essa infantilidade disfarçada de azar e/ou infelicidade: “ó vida, ó mundo”. Paremos de apontar o dedo para outras pessoas, outros objetos e outros fatos, e passemos a assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas. Ao deixarmos a posição de vítimas, e com ela as reações agressivas, evoluímos pela via da cortesia.

O depressivo melancólico convive com a falta de algo supervalorizado, contudo, por não querer sofrer e nem deixar o hábito do sofrimento: torna-se um covarde moral. Enquanto que uma autoanálise profunda e, na medida do possível, imparcial, torna a pessoa mais íntegra e sincera. Quando deixar de haver esse ódio, ou desprezo, a si mesmo, os outros (humanos, animais, objetos) passarão a parecer agradáveis, o passado será apenas um retrato na parede da memória, e a simpatia à rotina da vida florescerá. Aquele que junta os cacos e as cinzas do passado deixa a prisão da nostalgia e se expõe apto ao futuro.

O prazer hedonista é usado como tática para fugir do contato com a crua realidade de nosso destino: o não controle sobre as coisas, inclusive sobre si próprio.

Os jovens buscam novos vínculos, suas identidades estão fragilizadas pela confusão hormonal e pela transição à vida adulta – os rituais de passagem foram quase todos obliterados e os que surgiram não cumprem bem a sua função. Qualquer tola novidade tem o potencial de encantar esses incautos que querem se agarrar a qualquer bóia que os salvarão do afogamento. A liberação da angústia via gritos e explosões (rebeldia) serve de acolhimento/proteção.

Um pai bebaço serve de espelho para a autoafirmação juvenil. Não é incomum esses jovens apresentarem condutas impulsivas e violentas, culpa de um inconsciente selvagem reprimido que aguarda por estas brechas para escapar, porém essa pessoa pensa erroneamente que se liberta, e na verdade se aprisiona mais. Os vícios alimentam uma ansiedade difusa.

O que é novo nos inquieta e violenta com a rotina e com o hábito; na fase de transição sofremos com as dores do parto, e ai daquele que pensa que não muda.
Pelas experiências pessoais e subjetivas são formados padrões perceptivos, podendo dirigir-se a: ciclos virtuosos ou viciosos; forças centrípetas ou centrífugas; expansões ou contrações. Memórias, vontade e intenções ditam o quê e como vemos o mundo à nossa frente. A projeção desses referenciais internos constrói as cenas num telão imaginário. No caso de haver envolvimento emocional os detalhes e as cores serão mais vivos, e a gravação, mais veloz.

Enxergar sob a ótica de um cavalo domado e com viseira sobre os olhos impede significações expansivas e criativas, pois não há como conhecer o que não se vê e quando não está sob condições propícias ao exercício do intelecto. E alguém pode se vangloriar de estar plenamente sob essas condições, sem pedras e sem limites à razão?
(...)

26 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 4

IV

Liberdade de opinião, de expressão, de contestação, de voto, de veto, de associação e de gosto. Essas garantias institucionais fazem um país democrático e livre. O Estado deve assegurá-las, ainda que certos grupos tramem para impedi-las. Os censores sempre existirão, eles não suportam a idéia de contrariedade. A presunção de certeza absoluta impede discussões, como se uma opinião não fosse apenas mais do que isto, uma doxa, carregada de preconceitos e limites técnicos e teóricos, o que apenas atesta a falibilidade de qualquer um que se aventure em algum assunto dinâmico. A Verdade não existe. Porém, os semideuses, os Ph.D(euses), os arautos do conhecimento sem modéstia e os ignorantes sobranceiros inviabilizam quaisquer debates entre livres e iguais. A historicidade comprova o relativismo dos valores. Tudo pode ser dito, mesmo a burrice, mas é a boa argumentação que persuade solida e legitimamente uma ética longeva, ainda que em constante mutação.

Sobre si mesmo há independência, e sobre os outros há interdependência, é no limite do direito que os crimes devem ser prevenidos e o respeito assegurado. A autoproteção deveria ser o único propósito para o poder intervir, a fim de evitar danos sociais. As pessoas podem se regular pelas leis ou normas, pela moral, pelos princípios e bons costumes, pelo medo, pela vergonha e pelo anseio de ser agradável e manter a boa reputação. Mas para a maioria basta a religião, com a punição ou premiação divina, e a legislação, com o horror de ser enjaulado. As normas de condutas devem ser formuladas tendo por bases questões técnicas e analíticas, mas principalmente as políticas e práticas, para que humilde e consensualmente as leis se consolidem e façam os cidadãos cumprirem-nas conscientemente de que estão realizando o maior bem possível, e evitando que condutas perigosas sejam difundidas.

Exigências de responsabilidade, controles institucionais e agências reguladoras surgiram para limitar a atuação unilateral do Estado, esse Leviathan que assombra os “civilizados”. Mas a concessão à vontade popular também deve ser restrita, ainda que ninguém goste de admitir ser um monstrinho ganancioso; cada um de nós carrega em si uma besta ou um dragão, e tenta escondê-los atrás das cortinas da moral. Porém o mais intriguista bicho-papão é o fofoqueiro. A interferência da opinião coletiva sobre a individualidade, com suas preferências que não devem satisfação, muitas vezes tomba reprimida, para alegria das comadres recalcadas. A mídia e a idolatria servem de vigilância a desvios. A mesma mão dá e toma, afaga e apedreja. É isto, um lado exigirá deveres e o outro lutará por direitos e mais privilégios. Disciplinar pode ser a saída, desde que não se exceda, a ponto de degenerar em adestramento e covardia.

Para alguns, ser coagido a praticar algum bem é pior do que deixá-los à própria vontade. Saber se regular e ajudar aos outros quando solicitado, ou voluntariamente, é um certificado tácito de que esse cidadão merece a liberdade a que foi destinado. É provável que uma sociedade populosa jamais abdique de registrar leis e contratos, mais por receio do homem lobo do homem do que pela capacidade inerente de se autogovernar. Pode ser um lirismo o homem voltar a conviver sine Rex, sine Lex, sine Dei, ou seja, uma utopia anárquica, mas quem sabe chegaremos a esse patamar civilizatório de dispensar imposições e seremos felizes e cordiais. Enquanto isso, teorias e práticas tentam melhorar a ética e a política dos povos no mundo inteiro.

Autogoverno não significa cada um por si, ou “o que é meu, é meu, e o que é seu, é nosso”, mas isto: cada um por todo o resto. Num primeiro momento posso cuidar apenas de mim mesmo, porém superada essa fase de sobrevivência, é natural que eu zele pelo bem-estar de pessoas próximas, e posteriormente de todos os seres que fazem parte do ambiente. Esse utiliritarismo parte do pressuposto de que eu sou diferente dos demais, contudo possuo uma essência que me une à natureza, que é estar vivo e buscando um equilíbrio de forças. Com a consciência dessa alteridade, todo ato meu será pensado e concluído após considerações sobre o impacto dele no meio, o que não é pouca coisa, visto que restringe a minha liberdade, em troca de um ganho maior. Então, como suportar e convir com a observação de um mal, ou atitude antiética, ou o melhor seria protestar logo e pressionar o “agressor” pela conduta ética? Questões éticas nunca são tenras, ou alguém discorda? É árduo o trânsito entre o silêncio e a cobrança sem ser intruso (moralista), contudo é possível.

Idealmente, liberdade e felicidade devem conviver em níveis e padrões idênticos, e altos, para haver sentido, tanto no âmbito individual quanto no coletivo, sendo não apenas discurso vago. A realização pessoal e a auto-estima, que por alguns é definida como plenitude, são buscas pessoais, afinal os valores e a experiência adquiridos e defendidos são inalienáveis, ainda que a reciprocidade disso e do próprio indivíduo com o restante da comunidade e do contexto histórico seja marcante. É claro que a sociedade e o Estado pressionam seus membros a pensarem e agirem conforme planos e padrões, e a recíproca é verdadeira, no entanto quase sempre o elo mais fraco pende para o lado do indivíduo isolado, ou então somos condicionados a pensar dessa maneira, um erro, tornando-nos desistentes dos sonhos juvenis de mudar o mundo para melhor. Quantos males seriam evitados se, pensando e agindo com bem senso, reivindicássemos pela efetivação de nossos desejos e direitos.

Posto isso, quem deve tomar a iniciativa: cada cidadão ou os governantes? A superestrutura, tal como foi defendido por Platão, Marx e Durkheim, deve planejar os valores norteadores, fazendo com que os indivíduos pautem sua vida a partir das ordens de cima, esmagadoras e indiscutíveis; ou a infra-estrutura, recomendada por Aristóteles, Weber e Mauss, deve ser a base que, gradualmente, tornará uma nação mais complexa, sendo que os valores serão adquiridos e professados por cada estrato ou nicho social. Penso que no segundo caso a liberdade se faz mais presente; cada pessoa, ainda que sem uma autonomia total, poderá se associar, ou não, a grupos que combinem mais com seu estilo de vida, e podendo adentrar e sair quando bem quiser. Para muita gente esse alvará de atuação é um incômodo que enfraquece a sociedade e cria egoístas sem um pingo de solidariedade, o que é uma falácia, pois na grande maioria dos casos é a partir do associativismo que as pessoas se desenvolvem e realizam. O axioma de que é impossível ser feliz sozinho pode ser discutível, mas quando a felicidade não é compartilhada grande parte de seu valor é perdido.

Somos fruto do meio, a cultura nos condiciona, se não seremos eremitas. Entretanto, os afetos, advindos do inconsciente, é que nos movem e norteiam os interesses. O problema é quando essas paixões dominam a pessoa, tornando-se uma moral fanática. A intolerância sempre ronda um dogma teológico, como se um deus se importasse com o número de adeptos. Esses juízes convictos da verdade que professam pensam que suas crenças são indispensáveis à sociedade como um todo, ou ao menos à seita da qual participam, sendo assim, esta moral, tão humana e forjada a partir de fraquezas, se julga superior para que seus defensores se sintam importantes e merecedores de honrarias. A liberdade comumente é misturada com o poder de influência, e então se torna tirania; quem se acha senhor se sente no direito de subjugar os escravos, os não-livres, e pensa que ser livre é só para os fortes, portanto um bem para si e um mal para os outros, que podem derrubar seu poder. Todavia, penso que essa ação política se dá entre os ressentidos, aqueles que precisam pisar sobre os outros para se elevar ou puxar o tapete para se nivelarem. A liberdade é ubíqua, saber dosá-la é a sabedoria para o bem-estar.

Na sociedade moderna a razão passou a predominar sobre os outros aspectos subjetivos do sujeito. Isso quer dizer que devemos analisar os fatos, para que, uma vez cientes das causas e efeitos, agíssemos em busca do melhor resultado. Isso vai de encontro com a necessidade universal de possuir poder e controle sobre as coisas. Ora, mas não somos máquinas, o inconsciente, os afetos, as emoções, as reações e os pensamentos ilógicos ainda balizam nossos atos, em sua maioria. O medo é um grande freio, que pode ser visto como falta de controle sobre a situação, ou seja, sentir-se inferiorizado em relação ao objeto causador do temor. De posse dessa emoção, na maior parte das vezes infundada, aceita-se a restrição da liberdade, para que seja preservado um bem maior, seja a própria vida, a dos parentes, a dos amigos, sejam bens materiais ou seja o trauma de ser ameaçado por um animal ou por um .38.

Será que vale a pena trocar a aventura de viver em liberdade pela comodidade da segurança e da redoma do lar? Bem, isso faz movimentar a economia, a cultura do medo é estimulada para que o dinheiro circule entre os vários setores e estratos da sociedade. É preciso inventar nichos de mercado para haver emprego para todos, ainda que o custo seja a desconfiança. Uma vida humana hoje é muito mais valorizada do que há alguns séculos, ou mesmo décadas, atrás. Isso nos deu mais conforto e qualidade de vida, no entanto retirou nossa coragem e ousadia em enfrentar os acasos e perigos da natureza. Inclusive sendo desestimulado e estigmatizado o comportamento de risco, como o dos jovens aventureiros e inconseqüentes que se vê no noticiário. Dizem que entre uma atitude corajosa e heroica e uma tola e suicida há pouca diferença, mas esse pensar é de quem não sabe o que quer e não sente a mesma coisa que o outro, o bravo. Enquanto que para uns a vida deve ser vivida “a mil”, com todas as benesses que a liberdade proporciona, para outros o correto é ser comedido e esperar serenamente pela recompensa que um dia virá, ainda que não haja mais tanta energia para desfrutá-la. A razão pode ser hostil à liberdade, mas os impulsos podem ser hostis à vida. Como sempre, um equilíbrio aristotélico pode garantir sabedoria e felicidade.

(...et c'est fini)

24 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 3

III

A moralina se serve de controle fundamental em prol da coesão social, o que na verdade é apenas manifestação do ressentimento entre aqueles que não têm a vida que quiseram, portanto precisam aliviar seus egos recalcados com tentativas hostis de impedir o sucesso e a felicidade dos talentosos, ou ousados. Que tipo de coesão é essa? A mediocridade e a observação da cartilha como valores máximos, coagindo todo mundo em volta a aceitar e a seguir a prática dos amuados. Em outras palavras, a igualdade é mais importante do que a liberdade. Ocorre um detrimento da distinção e da ambição de quem se vê com potencial de ser grande, e não suporta o papo furado e homogêneo de velhacos nostálgicos com um passado que nunca existiu e que, mesmo tornado real, não seria adequado aos subversivos.

É muito comum haver evangélicos que possuem um passado “manchado” por atos nem um pouco honrosos pregarem contra os ‘delinqüentes’, os ‘libertinos’, os ‘devassos’ e os ‘ímpios’. A explicação mais óbvia é que eles se arrependeram de tamanha bobagem que fizeram em suas vidas e buscam redenção no outro extremo, com a perda da liberdade (a prisão voluntária e condicional dos tempos atuais). Como diz a canção: “Isso pra mim é aposentadoria de malandro, foi sangue ruim a vida inteira e depois de velho quer virar santo”. Querem refazer a reputação, tão maculada, a fim de se tornarem puros, como se o objetivo da vida fosse a retidão...

Ora, se pensam que de posse da liberdade as pessoas em geral só fazem besteira, em especial as que não foram salvas e não servem ao ‘Senhor’, a culpa é de quem precisa de um bode expiatório para aliviar a má consciência. Se não compreenderam o sentido da vida e o valor da existência, porque perturbar aqueles que estão quietos e satisfeitos com o caminho ‘escuso’ pelo qual optaram? Parece até que as coisas são resolvidas na marra e no grito, e se não é assim, falta algo – longe de mim esse ímpeto traumático! Nem todos precisam de cabresto para “entrar na linha”, o intelecto já é o suficiente para diferenciar o certo e o errado. Deixem os grilhões de rituais e costumes religiosos a quem sente necessidade de rotinas letárgicas. O servilismo, embora egoísta, origina sentimentos de ódio ao ‘estrangeiro’, ou ‘bárbaro’. Ideais diferentes passariam a originar não só opositores ou diversidade cultural, mas inimigos de fato.

Personalidades diferentes demandam lideranças diferentes, mas os chefes, os líderes, os patrões, os senhores, conseguem ser versáteis? Há os mandões, os carismáticos, os democráticos, os liberais e os burocráticos. Cada um, em seu estilo, tem preferência por liderados que combinem mais com seu perfil, e vice-versa. A situação se foca, então, em saber a dosagem correta para uma relação mais aprazível, o que nem sempre é possível; paciência e aprendizado que só advém da prática. Errando e aprendendo progredimos, infelizmente não são todos que se mostram dispostos, humildes e maduros bastante para reconhecer esse princípio social para a boa convivência. Quando são envolvidas duas ou mais pessoas, a interdependência, invariavelmente, existirá. Todavia, algum grau de autonomia, podendo ser em grande percentual, também haverá. Todos querem algum poder, o mundo não é dividido entre ‘senhores e escravos’, mas entre quem manda mais e quem obedece mais, e todos transitam entre as duas estradas. A preponderância numa pessoa de o orgulho e a vaidade, a imposição e a submissão, a prepotência e a modéstia, entre outros sentimentos, poderá definir se esse alguém permanecerá mais confortável dando ou recebendo ordens.

Aqueles que se julgam bem-sucedidos cobram os mais novos e os que vagueiam para terem um objetivo em suas vidas miseráveis. E mais, não os permitem sair do “caminho correto”, nunca, sob pena de ouvirem sermão sobre boas maneiras, solidariedade e comprometimento. Como se a vida que eles tiveram fosse a almejada por seus aconselhados. Então, descobrimos que há todo tipo de pessoa; que mania que os homens têm, e principalmente as mulheres, de cutucar e cobrar os outros por atitudes idênticas. Cada um deveria se autogovernar e se preocupar quando o direito dos outros foi violado. O modo de ver o mundo é sempre diferente, até gêmeos univitelinos e criados juntos crescem de forma diversa, imaginem aqueles sob rotinas e costumes incompatíveis.

Penso que o melhor conselho que se pode dar é: “seja feliz, e se precisar de ajuda e de uma assessoria, estarei aqui para facilitar o alcance dessa teleologia universal”. As cobranças deveriam se resumir a questionamentos sobre a má consciência de comportamentos constantes e que enfraquecem e rebaixam o indivíduo ou que nunca elevam um terceiro. Pois bem, os limites, às vezes, são conhecidos após muito sofrimento, se a educação não bastou para tornar essa pessoa esperta, deixe estar, os percalços da vida complementará sua formação ética. Apenas quando a crise se instalar e só um fiapo de esperança restar é que o desespero tomará conta de amigos e familiares, e esse decadente terá provado que não mereceu a liberdade que lhe foi imposta, servindo, agora voluntariamente, a chefes implacáveis na missão de reeducá-lo à liberdade. E se após tudo isso ele se mostrar incorrigível, no final a visão da morte lhe trará amargor, pois verá que sua vida fora triste e inválida, digna de pena, aconselhando os outros, se houver alguém, a não seguirem os seus passos.

(...e vem mais)

23 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 2

II

Além da definição epistemológica e analítica que os contemporâneos e linguistas atualizam conforme a indicação das suas hermenêuticas, o termo Liberdade possui três significados principais:
- a ausência de limites e de condições a exercê-la, aquilo que é causa de si (uma ilusão ou Deus), ou então a polêmica anarquia;
- a necessidade do Mundo, ou seja, partes que devem realizar seu ‘destino’ a fim de garantir a ordem total do cosmos e
- a possibilidade de efetivação das coisas, que passa pela escolha limitada e condicionada do ser pelo ambiente.

Sobre a primeira noção é importante a observação de Kant sobre a espontaneidade absoluta: vista como fenômeno (efeito) ela é necessidade (a 2ª noção) e vista como númeno (como deveria ser) ela é liberdade. A segunda noção é bastante hegeliana, vinculando o agir livre com a participação no intelecto do Absoluto; é romântico e ao mesmo tempo servil, ao ceder ao Estado todas as forças necessárias à efetivação da realidade. Porém, que tipo de valores o cidadão tem que defender se ele não participou de sua elaboração e não pode discordar do que lhe é imposto? Por fim, a terceira noção trata da determinação da medida em que se pode escolher. Sou inclinado a concordar com isto: o homem sofre as determinações das condições ambientais e históricas em que está inserido, contudo não há um fatalismo ao qual não poderá escapar, com resultados previsíveis de suas escolhas, de antemão. Há um conceito político republicano e liberal: os cidadãos participam da elaboração e da fiscalização das leis a que todos os membros da sociedade estarão submetidos.

No âmbito político, concorrem duas correntes, que parecem opostas, ainda que não contraditórias: uma defende o individualismo e a redução da ação do Estado sobre seus cidadãos, enquanto a outra defende o caráter absoluto, quase divino, do Estado, afirmando que liberdade civil é a obediência às leis. Apesar de não serem excludentes entre si, percebe-se a cisão/racha (ideológica) entre os militantes e simpatizantes dessas correntes: de um lado os que defendem o pluralismo de idéias e a garantia de formas de liberdade que não interferem no direito dos outros (liberais), e do outro lado os que prezam mais pela igualdade e pela idéia de que existe um ser ou ente superior ao qual todo mundo deve obediência e deve pedir licença para exercer sua idiossincrasia (socialistas). Grande exemplo disso atualmente é a liberdade de causar mal a si mesmo.

Se alguém resolver usar drogas, ele estaria isolado ou de alguma forma iria interferir em toda a sociedade, e prosseguindo, como assegurar o direito de praticar algo sem que qualquer outra pessoa tenha participação/interesse? Costuma-se aumentar a carga tributária a fim de bancar gastos com a saúde, contudo as políticas estatais estão cada vez mais restringindo essa individualidade e desestimulando comportamentos nocivos, como a proibição do fumo e a ingestão de álcool em certos locais e horários. Porém, vejam, há uma grande diferença entre proibir e desestimular. Por exemplo, o casamento homossexual; não faz sentido limitar os direitos dos gays, todavia estimular que a sociedade seja gay, ou drogada, ou bêbada, ou suicida, é outra história. Passa pela instrução cultural e ética a formação de uma sociedade livre e forte, mesmo possuindo membros ‘decadentes’.

A partir das influências que recebeu durante toda a vida e do projeto que assumiu para se tornar quem se deseja, tanto no futuro quanto no próprio presente, o indivíduo, por ser dinâmico, se reinventa constantemente e cria valores, sem qualquer desculpa metafísica, ainda que baseado em percepções vagas, peculiares e subjetivas. As escolhas contingentes irão progressivamente construir esse homem engajado, que sem dúvida passará por conflitos e angústias por não poder passar por cima de tudo e de todos com seus anseios, mas que procurará se afirmar e se realizar, sem possibilidades de queixas por escolhas equivocadas ou pelos acidentes que a vida traz, e é comum a todos. A experiência ensina e afeta, sendo o suficiente para os arrependimentos se esvaecerem.

As teorias deterministas, baseadas num Universo estático, afirmando a causalidade necessária e absoluta dos fatos, caíram por terra com a consolidação da física contemporânea. Se o espaço e o tempo são uma coisa só e a percepção do movimento dos objetos e do tempo depende da posição relativa dos referenciais; se todas as partículas subatômicas estão em movimento incessante (em temperaturas logo acima de zero kelvin) e o princípio da incerteza, paradoxalmente, é uma certeza, torna-se uma falácia a conclusão de que o mundo é predeterminado. Transpondo esse conceito às ordens social e moral, podemos concluir que a mente das pessoas e a relação política entre essas pessoas também são indeterminadas, ainda que sob circunstâncias limitadas. Sendo assim, temos um determinismo restrito, que nos permite esperar certas atitudes e pensamentos, probabilisticamente, mas não de forma taxativa. Com a liberdade também é assim, o imponderável ou o milagre não acontecerá, entretanto o mesmo padrão de resposta repetindo-se indefinidamente também não haverá. Somente uma consciência viajando a velocidade da luz seria capaz de observar o mundo inercial, mas ela seria capaz de repassar as percepções de tal proeza?

A relatividade da liberdade e dos valores é um fardo para quem aceita somente o ‘preto no branco’, quando se notar que a realidade é efêmera e inconstante, perceber-se-á que os ventos da mudança carregam consigo bons frutos, ainda que sazonalmente. No entanto, a concretude das coisas existe para quem nela acredita. Apesar dessa visão objetivada do mundo, é preciso salientar que nem tudo é racional, melhor ainda, na maioria das vezes basta confiar nos instintos e nos sentimentos para se viver bem e em paz. Com as várias bifurcações que a vida nos impõe diariamente, muitas decisões acabam sendo tomadas intuitivamente, de forma ilógica, sem o devido cuidado reflexivo, e mesmo assim parece ser o melhor procedimento, ou não estaríamos aqui. Somos lançados no absurdo que é o mundo e a sociedade, num primeiro olhar, contudo ainda desejamos nosso bem-estar, sempre. A liberdade deveria ser concedida apenas a quem a merece, no entanto as nossas ações são sempre voltadas para a potência, isto é, para a efetivação do poder que nos é inerente e nos empurra em direção à auto-afirmação. Logo, todo aquele que se engajar numa vida de ações conforme seu desejo o induzir e ceder no que não for conveniente, estará livre, podendo ser um fardo ou um bem.

(...tem mais)

22 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 1

Liberdade: um fardo, um destino ou um bem em si?

I

“Tal é a fraqueza humana: temos frequentemente de nos curvar perante a força, somos obrigados a contemporizar, não podemos ser sempre os mais fortes.” Assim dizia em seu “Discurso” La Boétie, lamentando o fato da escravidão e da submissão dos homens, principalmente a voluntária, mas também a imposta. Como são desgraçados os prisioneiros que não querem escapar, os impotentes que se deixam tiranizar, ou ainda, parecem covardes os idólatras. E há o triste vício de quem não luta por sua liberdade e se deixa levar, como um pusilânime, à conversa mole de um babaca cheio de defeitos que só pode se sentir bem, isto é, valorizado, se tiver súditos em suas mãos sujismundas e gordurosas, tal qual bactérias em volta do furúnculo. Cortem a fonte e eles ficarão com suas malas vazias, assim como uma planta, sem água, seca e definha. Enquanto houver a politicagem corrupta, composta de bajuladores, séquitos do trono, medrosos e cúmplices, os carniceiros reinarão, regozijando-se em suas luxúrias depravadas, tal qual um Kadhafi, um Borgia ou um Kim Jong-il. O uso de capangas ressentidos e de guardas humilhados atormentando a população não é o suficiente para que não se lute por um governo democrático ou republicano.

Que um povo preferisse morrer a ter que viver por décadas, séculos, ou mesmo milênios, sob o jugo de déspotas; perseguição sem fim que incorpora à cultura, logo às personalidades de seus membros, o sentimento de resignação, de que não se deve contestar e nem enfrentar os líderes. Como a liberdade parece ser um conceito estranho, julgam, pois, pelo hábito, que a vida de seus pais é a correta para eles também. Mas que povo doente e decadente – incurável? Qual o sentido em viver sob a trêmula lâmina da espada, sempre pronta a decapitar insurgentes e homens sedentos pela vida livre e plena? Sem a liberdade tudo o mais é tedioso e sem sentido; é um primado, sem ela, assim como sem a razão ou os sentimentos, a vida humana não vale a pena ser vivida, é apenas sobrevivência nauseante, sendo impossível de se dizer “isto é meu”.

Os tiranos não são bobos, eles fazem infundir em seus comandados, desde o berço, a ideia de que a vida correta é a da alienação, a do rebanho, e os hipnotizados, que pena, só dizem amém às palavras e aos atos cruéis dessas autoridades. Grande educação e formação republicana, tal qual a compaixão de um pirata por suas cativas! Somente o saber e a experiência do prazer de ser livre tornarão uma pessoa, bem como um povo, defensores impetuosos de seus direitos naturais. Que os reacionários e conservadores, sejam os incautos ou os malditos, compreendam: não há ‘natureza escrava’, a escravidão é uma humilhação, ninguém que reflita razoavelmente desejará uma vida passada em servidão. Ainda que a maioria precise de um guia ou mestre para dar sentido à existência. A questão é saber por que, ainda hoje, muitos refutam a liberdade como algo universalmente desejável e se negam a fazer escolhas próprias, isto é, autênticas: não querem contestar ou sua ignorância os leva a serem enganados? Após tanto ingerirem comida estragada deixam de sentir a podridão de seu sabor?

Ademais, tal qual uma criança birrenta que não aceita ser contrariada, haverá sempre um inepto que desconfia de quem o quer bem, por meio de ações desagradáveis à primeira vista, e prefere ser tapeado por traiçoeiros que oferecem o doce com uma mão, escondendo o punhal na outra. É por existir uma massa inculta e incauta que políticos populistas prometem – e por vezes entregam – mixarias, migalhas, esmolas, engodos, a fim de mantê-la sob rédeas curtas (artimanhas coronelistas e do “pão e circo” deitaram e rolaram com essa tática). É o hedonismo em troca da estupidez; foram os néscios absortos pelo ópio chinês, enquanto seus governantes perversos usurparam a nação, sob a imagem de uma pompa invejada e venerada, claro que demagógica. Um pouco de promessa de segurança, pelo medo forjado de que os estrangeiros e os inimigos podem atacar e aterrorizar, é o suficiente para que muitos prefiram um mal conhecido em detrimento do terrível desconhecido.

E, a partir dessa manipulação de reis incompetentes e gananciosos, não poucas vezes, surgiram lendas, mitos e deuses que a própria populacha inventava para acalmar os egos das pessoas, pois ser submisso a um grande senhor é válido – metafísica religiosa que consola, justifica e adestra uma sociedade de dezenas de milhares de membros. A devoção é base para a perpetuação no poder. E a ostentação é uma forma de causar inveja e servir de exemplo/modelo para que os demais sigam o caminho e tentem manter esse sistema autofágico e odioso, como é o caso dos traficantes. Doravante, ninguém de dentro desse círculo restará imune aos malefícios de tamanho desprezo pelo bem-comum. O hábito costuma cegar. Parece que é melhor estar unido na lama do que independente num terreno estranho e cercado por ameaças incontroláveis e sorrateiras.

Há, ainda, o martírio de sentinelas conspiradoras num ninho de cobras opulentas. E há o outro lado da moeda, isto é, a vingança, um prato que se come frio: a punição dos reis narcisistas e de mentes perturbadas, que será por meio de pequenas revoluções e pela danação imortal de seus nomes e restos por um povo instruído e ético que repudiará comportamentos fascistas, punindo inclusive os descendentes inocentes, alheios à perversão de seus antepassados. Alguém que se chame Hitler, Herodes ou Saddam será estigmatizado e provavelmente desejará trocar de nome o quanto antes. A justiça não é divina, é humana e social, a vida não se resume ao presente, ela se amplia às gerações futuras, estas tomarão ciência do que é desejável e respeitado e do que é nojento e repugnante; noção que é construída por meio de debates e acordos (formais ou tácitos).

(...e continua)

11 de dezembro de 2011

Causas necessárias e desconhecidas do agora

Causas e efeito

Aspiração vital, isto é,
Aspirar poder,
O máximo que se puder,
Intimista e imanente.
É tão óbvio, tão banal e venial,
O mecanismo é somente,
Após a sucessão dos fatos,
Semiótica das conseqüências.

Tornar-se-á ortodoxo, quiçá,
Colapsar o remorso
Em concomitância, ver-se-á,
Com contumazes infartos
De ineptos catatônicos
Em suas idílicas, líricas
Reminiscências paradoxais
Dos vórtices outrora causais

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Não querer é poder

Se eu quero, só posso querer,
Não posso não querer, por ora.
Já se não quero, posso vir a querer,
Tal é a minha liberdade intuitiva

Ao querer algo, tomarei a decisão,
Entre agir ou não agir; é humana ética,
Que limita o espaço e cessa a sessão.
A angústia sorrateira sai furtiva

Pode-se estar apto a algo atraente
Ou julgar-se não apto; é controlável.
Já com a vocação é bem diferente
A faísca do dom não é contornável

O inconsciente, vital, subjuga a si
O mundo por ele representado,
Nada tendo de racional ou universal,
Põe as normas e as regras de lado

O excesso de carência aumenta o desejo,
Desejo que será frustrado ou não;
Ao eliminá-lo, vai-se com ele a frustração.
Se nada me falta, há poder de sobejo
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