23 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 2

II

Além da definição epistemológica e analítica que os contemporâneos e linguistas atualizam conforme a indicação das suas hermenêuticas, o termo Liberdade possui três significados principais:
- a ausência de limites e de condições a exercê-la, aquilo que é causa de si (uma ilusão ou Deus), ou então a polêmica anarquia;
- a necessidade do Mundo, ou seja, partes que devem realizar seu ‘destino’ a fim de garantir a ordem total do cosmos e
- a possibilidade de efetivação das coisas, que passa pela escolha limitada e condicionada do ser pelo ambiente.

Sobre a primeira noção é importante a observação de Kant sobre a espontaneidade absoluta: vista como fenômeno (efeito) ela é necessidade (a 2ª noção) e vista como númeno (como deveria ser) ela é liberdade. A segunda noção é bastante hegeliana, vinculando o agir livre com a participação no intelecto do Absoluto; é romântico e ao mesmo tempo servil, ao ceder ao Estado todas as forças necessárias à efetivação da realidade. Porém, que tipo de valores o cidadão tem que defender se ele não participou de sua elaboração e não pode discordar do que lhe é imposto? Por fim, a terceira noção trata da determinação da medida em que se pode escolher. Sou inclinado a concordar com isto: o homem sofre as determinações das condições ambientais e históricas em que está inserido, contudo não há um fatalismo ao qual não poderá escapar, com resultados previsíveis de suas escolhas, de antemão. Há um conceito político republicano e liberal: os cidadãos participam da elaboração e da fiscalização das leis a que todos os membros da sociedade estarão submetidos.

No âmbito político, concorrem duas correntes, que parecem opostas, ainda que não contraditórias: uma defende o individualismo e a redução da ação do Estado sobre seus cidadãos, enquanto a outra defende o caráter absoluto, quase divino, do Estado, afirmando que liberdade civil é a obediência às leis. Apesar de não serem excludentes entre si, percebe-se a cisão/racha (ideológica) entre os militantes e simpatizantes dessas correntes: de um lado os que defendem o pluralismo de idéias e a garantia de formas de liberdade que não interferem no direito dos outros (liberais), e do outro lado os que prezam mais pela igualdade e pela idéia de que existe um ser ou ente superior ao qual todo mundo deve obediência e deve pedir licença para exercer sua idiossincrasia (socialistas). Grande exemplo disso atualmente é a liberdade de causar mal a si mesmo.

Se alguém resolver usar drogas, ele estaria isolado ou de alguma forma iria interferir em toda a sociedade, e prosseguindo, como assegurar o direito de praticar algo sem que qualquer outra pessoa tenha participação/interesse? Costuma-se aumentar a carga tributária a fim de bancar gastos com a saúde, contudo as políticas estatais estão cada vez mais restringindo essa individualidade e desestimulando comportamentos nocivos, como a proibição do fumo e a ingestão de álcool em certos locais e horários. Porém, vejam, há uma grande diferença entre proibir e desestimular. Por exemplo, o casamento homossexual; não faz sentido limitar os direitos dos gays, todavia estimular que a sociedade seja gay, ou drogada, ou bêbada, ou suicida, é outra história. Passa pela instrução cultural e ética a formação de uma sociedade livre e forte, mesmo possuindo membros ‘decadentes’.

A partir das influências que recebeu durante toda a vida e do projeto que assumiu para se tornar quem se deseja, tanto no futuro quanto no próprio presente, o indivíduo, por ser dinâmico, se reinventa constantemente e cria valores, sem qualquer desculpa metafísica, ainda que baseado em percepções vagas, peculiares e subjetivas. As escolhas contingentes irão progressivamente construir esse homem engajado, que sem dúvida passará por conflitos e angústias por não poder passar por cima de tudo e de todos com seus anseios, mas que procurará se afirmar e se realizar, sem possibilidades de queixas por escolhas equivocadas ou pelos acidentes que a vida traz, e é comum a todos. A experiência ensina e afeta, sendo o suficiente para os arrependimentos se esvaecerem.

As teorias deterministas, baseadas num Universo estático, afirmando a causalidade necessária e absoluta dos fatos, caíram por terra com a consolidação da física contemporânea. Se o espaço e o tempo são uma coisa só e a percepção do movimento dos objetos e do tempo depende da posição relativa dos referenciais; se todas as partículas subatômicas estão em movimento incessante (em temperaturas logo acima de zero kelvin) e o princípio da incerteza, paradoxalmente, é uma certeza, torna-se uma falácia a conclusão de que o mundo é predeterminado. Transpondo esse conceito às ordens social e moral, podemos concluir que a mente das pessoas e a relação política entre essas pessoas também são indeterminadas, ainda que sob circunstâncias limitadas. Sendo assim, temos um determinismo restrito, que nos permite esperar certas atitudes e pensamentos, probabilisticamente, mas não de forma taxativa. Com a liberdade também é assim, o imponderável ou o milagre não acontecerá, entretanto o mesmo padrão de resposta repetindo-se indefinidamente também não haverá. Somente uma consciência viajando a velocidade da luz seria capaz de observar o mundo inercial, mas ela seria capaz de repassar as percepções de tal proeza?

A relatividade da liberdade e dos valores é um fardo para quem aceita somente o ‘preto no branco’, quando se notar que a realidade é efêmera e inconstante, perceber-se-á que os ventos da mudança carregam consigo bons frutos, ainda que sazonalmente. No entanto, a concretude das coisas existe para quem nela acredita. Apesar dessa visão objetivada do mundo, é preciso salientar que nem tudo é racional, melhor ainda, na maioria das vezes basta confiar nos instintos e nos sentimentos para se viver bem e em paz. Com as várias bifurcações que a vida nos impõe diariamente, muitas decisões acabam sendo tomadas intuitivamente, de forma ilógica, sem o devido cuidado reflexivo, e mesmo assim parece ser o melhor procedimento, ou não estaríamos aqui. Somos lançados no absurdo que é o mundo e a sociedade, num primeiro olhar, contudo ainda desejamos nosso bem-estar, sempre. A liberdade deveria ser concedida apenas a quem a merece, no entanto as nossas ações são sempre voltadas para a potência, isto é, para a efetivação do poder que nos é inerente e nos empurra em direção à auto-afirmação. Logo, todo aquele que se engajar numa vida de ações conforme seu desejo o induzir e ceder no que não for conveniente, estará livre, podendo ser um fardo ou um bem.

(...tem mais)

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