Liberdade: um fardo, um destino ou um bem em si?
I
“Tal é a fraqueza humana: temos frequentemente de nos curvar perante a força, somos obrigados a contemporizar, não podemos ser sempre os mais fortes.” Assim dizia em seu “Discurso” La Boétie, lamentando o fato da escravidão e da submissão dos homens, principalmente a voluntária, mas também a imposta. Como são desgraçados os prisioneiros que não querem escapar, os impotentes que se deixam tiranizar, ou ainda, parecem covardes os idólatras. E há o triste vício de quem não luta por sua liberdade e se deixa levar, como um pusilânime, à conversa mole de um babaca cheio de defeitos que só pode se sentir bem, isto é, valorizado, se tiver súditos em suas mãos sujismundas e gordurosas, tal qual bactérias em volta do furúnculo. Cortem a fonte e eles ficarão com suas malas vazias, assim como uma planta, sem água, seca e definha. Enquanto houver a politicagem corrupta, composta de bajuladores, séquitos do trono, medrosos e cúmplices, os carniceiros reinarão, regozijando-se em suas luxúrias depravadas, tal qual um Kadhafi, um Borgia ou um Kim Jong-il. O uso de capangas ressentidos e de guardas humilhados atormentando a população não é o suficiente para que não se lute por um governo democrático ou republicano.
Que um povo preferisse morrer a ter que viver por décadas, séculos, ou mesmo milênios, sob o jugo de déspotas; perseguição sem fim que incorpora à cultura, logo às personalidades de seus membros, o sentimento de resignação, de que não se deve contestar e nem enfrentar os líderes. Como a liberdade parece ser um conceito estranho, julgam, pois, pelo hábito, que a vida de seus pais é a correta para eles também. Mas que povo doente e decadente – incurável? Qual o sentido em viver sob a trêmula lâmina da espada, sempre pronta a decapitar insurgentes e homens sedentos pela vida livre e plena? Sem a liberdade tudo o mais é tedioso e sem sentido; é um primado, sem ela, assim como sem a razão ou os sentimentos, a vida humana não vale a pena ser vivida, é apenas sobrevivência nauseante, sendo impossível de se dizer “isto é meu”.
Os tiranos não são bobos, eles fazem infundir em seus comandados, desde o berço, a ideia de que a vida correta é a da alienação, a do rebanho, e os hipnotizados, que pena, só dizem amém às palavras e aos atos cruéis dessas autoridades. Grande educação e formação republicana, tal qual a compaixão de um pirata por suas cativas! Somente o saber e a experiência do prazer de ser livre tornarão uma pessoa, bem como um povo, defensores impetuosos de seus direitos naturais. Que os reacionários e conservadores, sejam os incautos ou os malditos, compreendam: não há ‘natureza escrava’, a escravidão é uma humilhação, ninguém que reflita razoavelmente desejará uma vida passada em servidão. Ainda que a maioria precise de um guia ou mestre para dar sentido à existência. A questão é saber por que, ainda hoje, muitos refutam a liberdade como algo universalmente desejável e se negam a fazer escolhas próprias, isto é, autênticas: não querem contestar ou sua ignorância os leva a serem enganados? Após tanto ingerirem comida estragada deixam de sentir a podridão de seu sabor?
Ademais, tal qual uma criança birrenta que não aceita ser contrariada, haverá sempre um inepto que desconfia de quem o quer bem, por meio de ações desagradáveis à primeira vista, e prefere ser tapeado por traiçoeiros que oferecem o doce com uma mão, escondendo o punhal na outra. É por existir uma massa inculta e incauta que políticos populistas prometem – e por vezes entregam – mixarias, migalhas, esmolas, engodos, a fim de mantê-la sob rédeas curtas (artimanhas coronelistas e do “pão e circo” deitaram e rolaram com essa tática). É o hedonismo em troca da estupidez; foram os néscios absortos pelo ópio chinês, enquanto seus governantes perversos usurparam a nação, sob a imagem de uma pompa invejada e venerada, claro que demagógica. Um pouco de promessa de segurança, pelo medo forjado de que os estrangeiros e os inimigos podem atacar e aterrorizar, é o suficiente para que muitos prefiram um mal conhecido em detrimento do terrível desconhecido.
E, a partir dessa manipulação de reis incompetentes e gananciosos, não poucas vezes, surgiram lendas, mitos e deuses que a própria populacha inventava para acalmar os egos das pessoas, pois ser submisso a um grande senhor é válido – metafísica religiosa que consola, justifica e adestra uma sociedade de dezenas de milhares de membros. A devoção é base para a perpetuação no poder. E a ostentação é uma forma de causar inveja e servir de exemplo/modelo para que os demais sigam o caminho e tentem manter esse sistema autofágico e odioso, como é o caso dos traficantes. Doravante, ninguém de dentro desse círculo restará imune aos malefícios de tamanho desprezo pelo bem-comum. O hábito costuma cegar. Parece que é melhor estar unido na lama do que independente num terreno estranho e cercado por ameaças incontroláveis e sorrateiras.
Há, ainda, o martírio de sentinelas conspiradoras num ninho de cobras opulentas. E há o outro lado da moeda, isto é, a vingança, um prato que se come frio: a punição dos reis narcisistas e de mentes perturbadas, que será por meio de pequenas revoluções e pela danação imortal de seus nomes e restos por um povo instruído e ético que repudiará comportamentos fascistas, punindo inclusive os descendentes inocentes, alheios à perversão de seus antepassados. Alguém que se chame Hitler, Herodes ou Saddam será estigmatizado e provavelmente desejará trocar de nome o quanto antes. A justiça não é divina, é humana e social, a vida não se resume ao presente, ela se amplia às gerações futuras, estas tomarão ciência do que é desejável e respeitado e do que é nojento e repugnante; noção que é construída por meio de debates e acordos (formais ou tácitos).
(...e continua)
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