31 de dezembro de 2011

Resumidamente, por fim.

II

Corajosamente, dentre um mar de opções, arrisco-me pela boa escolha diariamente, e nem a certeza da incerteza abala a minha confiança no bom caminho traçado.

Cada pessoa não é o centro, nem o dono do mundo, e talvez nem do seu próprio. Tal qual um diretor de teatro, é preciso saber delegar papéis e funções, somos no máximo esse diretor, da tragédia da própria obra, que inevitavelmente acabará, quando as luzes de sua mente se apagar, esgotada.

Através da alteridade percebo no outro, o estranho ou sinistro, algo que em mim falta, minha falha inerente, e passo a admirar nele essa completude; basta que eu ainda me ame, mesmo sendo imperfeito, para evitar a idolatria, o que cobraria o preço da perda de autonomia. Admiração não é sinônimo de idealização.

Para atravessar as clausuras disciplinares de cada isolada ciência é preciso de metáforas férteis, que formam pontes àquela ilha. Ocorre um desmoronamento gradativo do narcisismo por meio de uma atuação pública, com projetos coletivos que servem de bússola ética, retirando a apatia e promovendo a iniciativa pessoal ou popular.

As gerações surgem e sucedem as anteriores no poder, e agora são privilegiadas com mais liberdade e acesso às informações, ainda que sob olhares desconfiados e vigilantes, pela alta expectativa depositada nelas. Da observação destas, infere-se que elas não passam necessariamente por um progresso ético e intelectual, ao contrário do que era de supor. Parece haver somente uma sucessão dialética do comando, ciclicamente, como sempre aconteceu.

Pais e filhos, como Homer e Bart, se relacionam numa diferença insuportável e invejosa no tipo de vínculo mais forte que existe. É uma condição sine qua non: o amor (philia) acima dos sentimentos destrutivos. Caso contrário surgirá um inimigo íntimo, com falta de respeito e asco à autoridade e à intemperança.

Adolescentes aos 50: cadê a aposentadoria, o último degrau onde se dá para fazer algo antes de vegetar e fenecer? Viver muito custa caro, ao bolso, aos cofres e à mente. Todos devem se preparar à nova realidade da longa expectativa de vida, a fim de se tornar um idoso e não um velhote, um encosto aos parentes e à sociedade, que se sente impotente diante das dificuldades, com tendências suicidas, que são odiosas e rancorosas.

Temos um medo primitivo do não pertencimento, de ser jogado no ostracismo ou de não se sentir parte dos círculos sociais, ainda que estes estejam longe do ideal de convívio. O lance é que com a socialização a mente se defende de uma potencial depressão. Apesar de vivermos juntos e morrermos a sós, tendemos a não nos conformar com a ideia de ser descartável ou substituível. Mas o que se pode fazer com o momento limítrofe de não existir? Inventar e conjecturar paraísos e almas etéreas flutuando sobre um mundo idealizado qualquer? Eu acho que o insuportável é jamais deixar de existir – a condenação vampiresca.

A libertação da maternidade pelo padrão de beleza da magreza escravizou muitas mulheres nas teias da ditadura midiática. Ou então em padrões fetichista: tudo deve ser grande, exceto a cintura, sobretudo a cintura! Tola idealização, como se ao se tornar belo, a saúde, a felicidade e a grana viriam juntos, e como se os objetivos de estar bonito fossem só esses.

Fazer alisamento, borrifar colônias, usar acessórios de ouro ou, mais absurdo, de couro ou de diamante, vestir roupas chamativas ou brilhantes, nada disso é suficiente na tentativa de escapar do estigma de ser pobre e fracassado, pois a expressão verbal denunciará a origem e o destino miserável ou medíocre. E por vezes até mesmo a linguagem não-verbal deixará nítida a falta de cultura e de gosto. Cônscio disso, a dor e a solidão crescem no embusteiro.

Pessoas concupiscentes perdem a capacidade de enxergar rostos, só vêem o sexo. Se vierem a descobrir a poesia, quem sabe, de quebra, redescubram o amor.

Imagens belas nos reconfortam e nos distraem sobre as falências, e ver desgraças alheias alivia. Death is all around.

Que os contos de fadas que ouvimos na infância desmoronem aos poucos, mas desde cedo, para que a capacidade de resiliência às corriqueiras mortes simbólicas seja fortalecida.

Escrever ou compor ou pintar ou cantar ou rimar costuma ser uma boa alternativa para impulsos inconclusos, é um ato de sublimação que torna a fraqueza em arte. A vida é coser; saber fazer arte é ter estilo próprio, é emocionar a si e os outros, sendo que estes se identificarão com a idéia também sentida, mas que não encontraram uma maneira de expressá-la.

A liberação das tensões corpóreas pela movimentação é extravasar e sentir-se vivo e apto ao que vier. Essa descarga de frustrações e de perdas estimula a readaptação a novos hábitos em que volta e meia somos jogados, sem percebermos. Então, flui novamente o sangue por coágulos e varizes, veias acumuladas de má energia, simbologia de nossas minúsculas mortes. Inspire, expire, toque, sinta, perceba, e pouco a pouco você será reinserido à natureza.

Ainda que desejemos ignorar o confronto entre Eros e Thanatos em nós, vendo-o ou não, a angústia será despertada. Temos o costume vão de nos acharmos importantes demais – sentir-se imortal! –, daí tanto temor e sofrimento com a defrontação com a morte. Mas se for a falência do outro, talvez desperte a consciência de que poderia ser a minha, e então passo a conjecturar. Mas se eu morresse os maiores prejudicados seriam as pessoas que me querem bem e não eu mesmo...

O ego busca conquistas que inflem o orgulho e que mascarem a insegurança vaidosa. Qual será o ponto que, uma vez atingido, a pessoa possa afirmar categoricamente que está realizada? Quando se sentir autêntico e íntegro e de posse de algo por ela valorizado, fruto de seu esforço, de seu trabalho de formiga operária?

Imprevistos e desvios dos objetivos iniciais podem sair melhores do que a encomenda, é preciso estar desapegado para aceitá-los e se surpreender com a boa mudança de trajeto, sejam pelos acasos da vida ou pelos ardis impetrados. A maioria, orgulhosamente, se acha pronta para os encargos da vida de adulto, mas é corriqueiro ocorrer o oposto – a maioria das pessoas não preparada. É torcer para que algum dia atingirem o estágio da maturidade.

Devemos olhar de soslaio, de nariz torcido, os reducionismos, que mais parecem paraísos aos desesperados. Enquanto isso, a literatura de autoajuda vende e bamburra.

Dominar os outros não é a mesma coisa que dominar a si, e muitas vezes não tem qualquer relação. Ter boa reputação não garante um equilíbrio interno, psicológico. A solução exclusiva pela boa imagem externa raramente supre as carências internas. Baixar a guarda e pedir auxílio e apoio a fim de um efetivo desenvolvimento pessoal é um ato de humildade e de ousadia, sem isso será barra superar os percalços e as más tentações da vida.
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(Fim de 2011, Feliz 2012)

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