Ficar junto por amor, por
vontade própria, por entrega sem coação, sempre foi complicado, algo excepcional.
Se antes um casal se mantinha por um longo período (não raro até ambos morrerem),
era mais por dever cívico, por tradição, por pressão social, aquela vergonha de
ter a reputação maculada. Sem falar no mito da família sagrada e na devoção aos
pimpolhos. Nomes para isso não faltaram, o ser humano é um bicho muito
criativo. Só que chegou a liberação sexual: o jogo gradualmente mudou de figura
e as gerações recentes nem se constrangem em transar antes do casamento (à
exceção dos fanáticos religiosos). Portas se abriram, tabus foram quebrados,
recalques foram esmagados – o rebu todo em busca da primeira vez e do primeiro
orgasmo. A promiscuidade cobrou seu preço. Quero focar em apenas um: a ilusão
das possibilidades (como indicado no título), no que se refere ao lado positivo
de ter uma margem de escolha que aumente as chances de ser feliz.
Atualmente, costuma-se pensar
que liberdade é assunto encerrado. Muitos sequer refletem sobre ela, não é à
toa, pois as prateleiras repletas de produtos com marcas, formatos e cores
diversas nos dão a opção de preferir A, B ou C, ou ainda de ignorá-los,
substituindo-os por algo semelhante e de usufruto mais satisfatório. Não
pretendo esmiuçar o fetichismo por trás do consumismo nem a compulsão por
compras e novidades do mercado, isso renderia uma tese inteira (uma pesquisa e
voilà, vários livros e artigos à disposição), quero simplesmente resvalar nesse
aspecto materialista para compará-lo com as relações afetivas, em especial com
a intensidade e a duração delas. (Talvez eu esteja repetindo o que Bauman
escreveu em Amor Líquido, mesmo
assim, exponho minhas ideias.)
Agora, algumas perguntas
fundamentais. Se nós somos bombardeados com avisos, selos, imperativos,
mensagens, slogans, notícias e afins, como escapar desse evidente jogo de
sedução? Como julgar-se livre de fato? A emancipação passa em primeiramente
reconhecer-se como indivíduo singular e posteriormente em identificar o
senhor/opressor. Mas quem é você e seu chefe/titereiro? Mas como negar
interesses maiores em prol de um sistema (ainda que obscuro)? Como resistir à
correnteza de convenções? Toda aglomeração de pessoas tem essa característica
de restringir comportamentos, diferindo-se em seu modus operandi. É preciso muita força de vontade e sapiência para
se autoafirmar mais ou menos rebelde ao status
quo. Na sociedade da informação o excesso de estímulos e de ordens para
cambiar não afetaria fatalmente outras áreas, tidas como conservadoras e
rígidas? A vontade de mudar é um fato,
senão a angústia e o tédio sobrevêm agudamente.
Os jovens serão massacrados
pelos parentes e amigos se casarem cedo demais, seria adeus à carreira
promissora, ao futuro glorioso e às levezas da juventude. Então adiam firmes
namoros até o momento em que cansarem da farra, que julgarem sortudos por terem
encontrado o(a) parceiro(a) ideal ou que chegarem à idade de tomar juízo – o
que não significa necessariamente maturidade. Não é incomum encontrar solteiros
convictos até seus 40 anos. Não é raro conhecer mulheres que não almejam
engravidar. Não é nem um pouco difícil ver casais sem filhos. “Até que enfim
podemos exercer nossa liberdade!” Será? E compensou? São mais perguntas sem
resposta incisiva.
É o fenômeno do adiamento de
planos estruturais em prol dos prazeres mundanos, prometidos rotineira e
sutilmente por aí, ou por medo de comprometimento. Por isso chamei de “ilusão
das possibilidades”. São tantas as tentações ao alcance das mãos e dos cartões
que seria um crime (ou pecado se você for um cristão) deixá-las passar.
Queremos sempre uma segunda chance para nos redimir das escolhas erradas. Ora,
mas elas são inevitáveis. Porém, ao marrento errar parece tortuoso para conseguir
dormir em paz, são poucos os que admitem suas limitações e fraquezas de
bate-pronto numa conversa informal e displicente. Sendo assim, largamos
facilmente nossos parceiros (em relação aos casais de algumas décadas atrás) ou
convivemos com o medo da traição e do pé-na-bunda. Alguns se adiantam e
sacaneiam logo para preservar o orgulho. Nesse cenário, rompimentos tornam-se
corriqueiros. Basta pesquisar as estatísticas de divórcio.
Pelo exposto, compreende-se a
noção de que o casamento tem que ser perfeito e os filhos, certeiros: rebentos
mimados que jamais desconfiem de serem bastardos ou gerados sem amor, ou
melhor, sem planejamento. Até esse momento sublime de povoar ordeiramente o
mundo, muita energia deve ser gasta, muita experiência deve ser acumulada e
muitos gemidos devem ser ouvidos. Pelo fato de sofrimentos serem evitados ao
máximo, essa vida contemporânea parece inofensiva. Contudo, a neurose por
coisas em seu devido lugar desmente o conto de fadas. O idealismo retorna,
todavia sem metafísicas, apenas com resquícios do romantismo. Porque o amor que
vale é o fornece garantias materiais, ou seja, aquele que harmonicamente se
encaixa em rótulos, planilhas e listas pré-concebidas e que reflete ao público
a vontade de ser um casal felicíssimo. Que bonitinho...
Porém, a sobrevida da miragem
desse amor paradisíaco chega até o ponto em que não são identificadas
rachaduras no castelinho, ou seja, quando o autoengano se desfaz cai o véu da
perfeição e em pouco tempo o implacável desmoronamento do prédio que se pensava
sólido expõe a fragilidade de tanto ordenamento. A busca pela verdade é
incompatível com o uso de máscaras, mas como se relacionar sem elas? A razão e
as emoções que se virem para coexistirem, daí a necessidade do autoengano. Por
haver uma massa de jovens egoístas, vingativos, impacientes e ardilosos, fica
explicada grande parte da imensa dificuldade de relacionamentos duradouros e
sinceros hoje em dia.
Além da química, é preciso
haver mágica nos olhos dos enamorados. Sempre foi assim. A diferença é que
agora é mais penoso para o mágico iludir sua respeitável e sedenta plateia. O
tenaz Cupido que continue alvejando sujeitos racionais e neuróticos, apesar dos
japoneses labutarem em antídotos contra esse deus. É provável que o instinto
embace a visão mais metódica, ainda que ocasionalmente, para fins de
preservação da espécie. O homem é tão curioso por conhecer quanto é ávido por
aventuras insensatas. É provável que continuemos chamando esse súbito
amolecimento do coração de amor, mesmo sem guardar semelhanças com os clássicos
do cinema e da literatura. Duas pessoas com cerca de 20 anos poderiam muito bem
crescer juntas e bem como ocorria antigamente. Contudo, dores e prazeres
intervêm sorrateira e incomodamente, o que leva a qualquer jovem casal balançar
e questionar o amor um pelo outro. Ultimamente a esperança de que um outro
alguém surja e seja melhor que o atual fala mais alto que outrora. Otimista por
natureza a pessoa conclui: mudar fez bem. Quem sou eu para contestá-la? Mais um
iludido. Espero.
Pessoalmente, acho que seus textos são grandes demais. Então, antes que você me chame de preguiçoso, sugiro que faça um enquete e descubra se a maioria do seus leitores pensa como eu.
ResponderExcluirAleḿ disso, não existem conexões lógicas entre alguns parágrafos, por exemplo, no último parágrafo você começa com "Além da química", mas afinal que química é essa que não foi citada anteriormente?
No mais, não leio todos seus posts, mas continue atualizando o blog que de tempos em tempos dou uma passada por aqui para ver as novidades. Abs.
O objetivo é justamente ser mais longo que o normal e mais confuso que o padrão. Eu já fui pior, gosto que se esforcem, acabarei sendo pouco lido mesmo. Não ligo porque não busco quantidade. De qualquer modo, grato pela leitura. Apareça quando puder.
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