13 de janeiro de 2014

A Ilusão das Possibilidades

Ficar junto por amor, por vontade própria, por entrega sem coação, sempre foi complicado, algo excepcional. Se antes um casal se mantinha por um longo período (não raro até ambos morrerem), era mais por dever cívico, por tradição, por pressão social, aquela vergonha de ter a reputação maculada. Sem falar no mito da família sagrada e na devoção aos pimpolhos. Nomes para isso não faltaram, o ser humano é um bicho muito criativo. Só que chegou a liberação sexual: o jogo gradualmente mudou de figura e as gerações recentes nem se constrangem em transar antes do casamento (à exceção dos fanáticos religiosos). Portas se abriram, tabus foram quebrados, recalques foram esmagados – o rebu todo em busca da primeira vez e do primeiro orgasmo. A promiscuidade cobrou seu preço. Quero focar em apenas um: a ilusão das possibilidades (como indicado no título), no que se refere ao lado positivo de ter uma margem de escolha que aumente as chances de ser feliz.

Atualmente, costuma-se pensar que liberdade é assunto encerrado. Muitos sequer refletem sobre ela, não é à toa, pois as prateleiras repletas de produtos com marcas, formatos e cores diversas nos dão a opção de preferir A, B ou C, ou ainda de ignorá-los, substituindo-os por algo semelhante e de usufruto mais satisfatório. Não pretendo esmiuçar o fetichismo por trás do consumismo nem a compulsão por compras e novidades do mercado, isso renderia uma tese inteira (uma pesquisa e voilà, vários livros e artigos à disposição), quero simplesmente resvalar nesse aspecto materialista para compará-lo com as relações afetivas, em especial com a intensidade e a duração delas. (Talvez eu esteja repetindo o que Bauman escreveu em Amor Líquido, mesmo assim, exponho minhas ideias.)

Agora, algumas perguntas fundamentais. Se nós somos bombardeados com avisos, selos, imperativos, mensagens, slogans, notícias e afins, como escapar desse evidente jogo de sedução? Como julgar-se livre de fato? A emancipação passa em primeiramente reconhecer-se como indivíduo singular e posteriormente em identificar o senhor/opressor. Mas quem é você e seu chefe/titereiro? Mas como negar interesses maiores em prol de um sistema (ainda que obscuro)? Como resistir à correnteza de convenções? Toda aglomeração de pessoas tem essa característica de restringir comportamentos, diferindo-se em seu modus operandi. É preciso muita força de vontade e sapiência para se autoafirmar mais ou menos rebelde ao status quo. Na sociedade da informação o excesso de estímulos e de ordens para cambiar não afetaria fatalmente outras áreas, tidas como conservadoras e rígidas?  A vontade de mudar é um fato, senão a angústia e o tédio sobrevêm agudamente.

Os jovens serão massacrados pelos parentes e amigos se casarem cedo demais, seria adeus à carreira promissora, ao futuro glorioso e às levezas da juventude. Então adiam firmes namoros até o momento em que cansarem da farra, que julgarem sortudos por terem encontrado o(a) parceiro(a) ideal ou que chegarem à idade de tomar juízo – o que não significa necessariamente maturidade. Não é incomum encontrar solteiros convictos até seus 40 anos. Não é raro conhecer mulheres que não almejam engravidar. Não é nem um pouco difícil ver casais sem filhos. “Até que enfim podemos exercer nossa liberdade!” Será? E compensou? São mais perguntas sem resposta incisiva.

É o fenômeno do adiamento de planos estruturais em prol dos prazeres mundanos, prometidos rotineira e sutilmente por aí, ou por medo de comprometimento. Por isso chamei de “ilusão das possibilidades”. São tantas as tentações ao alcance das mãos e dos cartões que seria um crime (ou pecado se você for um cristão) deixá-las passar. Queremos sempre uma segunda chance para nos redimir das escolhas erradas. Ora, mas elas são inevitáveis. Porém, ao marrento errar parece tortuoso para conseguir dormir em paz, são poucos os que admitem suas limitações e fraquezas de bate-pronto numa conversa informal e displicente. Sendo assim, largamos facilmente nossos parceiros (em relação aos casais de algumas décadas atrás) ou convivemos com o medo da traição e do pé-na-bunda. Alguns se adiantam e sacaneiam logo para preservar o orgulho. Nesse cenário, rompimentos tornam-se corriqueiros. Basta pesquisar as estatísticas de divórcio.

Pelo exposto, compreende-se a noção de que o casamento tem que ser perfeito e os filhos, certeiros: rebentos mimados que jamais desconfiem de serem bastardos ou gerados sem amor, ou melhor, sem planejamento. Até esse momento sublime de povoar ordeiramente o mundo, muita energia deve ser gasta, muita experiência deve ser acumulada e muitos gemidos devem ser ouvidos. Pelo fato de sofrimentos serem evitados ao máximo, essa vida contemporânea parece inofensiva. Contudo, a neurose por coisas em seu devido lugar desmente o conto de fadas. O idealismo retorna, todavia sem metafísicas, apenas com resquícios do romantismo. Porque o amor que vale é o fornece garantias materiais, ou seja, aquele que harmonicamente se encaixa em rótulos, planilhas e listas pré-concebidas e que reflete ao público a vontade de ser um casal felicíssimo. Que bonitinho...

Porém, a sobrevida da miragem desse amor paradisíaco chega até o ponto em que não são identificadas rachaduras no castelinho, ou seja, quando o autoengano se desfaz cai o véu da perfeição e em pouco tempo o implacável desmoronamento do prédio que se pensava sólido expõe a fragilidade de tanto ordenamento. A busca pela verdade é incompatível com o uso de máscaras, mas como se relacionar sem elas? A razão e as emoções que se virem para coexistirem, daí a necessidade do autoengano. Por haver uma massa de jovens egoístas, vingativos, impacientes e ardilosos, fica explicada grande parte da imensa dificuldade de relacionamentos duradouros e sinceros hoje em dia.


Além da química, é preciso haver mágica nos olhos dos enamorados. Sempre foi assim. A diferença é que agora é mais penoso para o mágico iludir sua respeitável e sedenta plateia. O tenaz Cupido que continue alvejando sujeitos racionais e neuróticos, apesar dos japoneses labutarem em antídotos contra esse deus. É provável que o instinto embace a visão mais metódica, ainda que ocasionalmente, para fins de preservação da espécie. O homem é tão curioso por conhecer quanto é ávido por aventuras insensatas. É provável que continuemos chamando esse súbito amolecimento do coração de amor, mesmo sem guardar semelhanças com os clássicos do cinema e da literatura. Duas pessoas com cerca de 20 anos poderiam muito bem crescer juntas e bem como ocorria antigamente. Contudo, dores e prazeres intervêm sorrateira e incomodamente, o que leva a qualquer jovem casal balançar e questionar o amor um pelo outro. Ultimamente a esperança de que um outro alguém surja e seja melhor que o atual fala mais alto que outrora. Otimista por natureza a pessoa conclui: mudar fez bem. Quem sou eu para contestá-la? Mais um iludido. Espero.

2 comentários:

  1. Pessoalmente, acho que seus textos são grandes demais. Então, antes que você me chame de preguiçoso, sugiro que faça um enquete e descubra se a maioria do seus leitores pensa como eu.
    Aleḿ disso, não existem conexões lógicas entre alguns parágrafos, por exemplo, no último parágrafo você começa com "Além da química", mas afinal que química é essa que não foi citada anteriormente?
    No mais, não leio todos seus posts, mas continue atualizando o blog que de tempos em tempos dou uma passada por aqui para ver as novidades. Abs.

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    1. O objetivo é justamente ser mais longo que o normal e mais confuso que o padrão. Eu já fui pior, gosto que se esforcem, acabarei sendo pouco lido mesmo. Não ligo porque não busco quantidade. De qualquer modo, grato pela leitura. Apareça quando puder.

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