31 de dezembro de 2011

Resumidamente, por fim.

II

Corajosamente, dentre um mar de opções, arrisco-me pela boa escolha diariamente, e nem a certeza da incerteza abala a minha confiança no bom caminho traçado.

Cada pessoa não é o centro, nem o dono do mundo, e talvez nem do seu próprio. Tal qual um diretor de teatro, é preciso saber delegar papéis e funções, somos no máximo esse diretor, da tragédia da própria obra, que inevitavelmente acabará, quando as luzes de sua mente se apagar, esgotada.

Através da alteridade percebo no outro, o estranho ou sinistro, algo que em mim falta, minha falha inerente, e passo a admirar nele essa completude; basta que eu ainda me ame, mesmo sendo imperfeito, para evitar a idolatria, o que cobraria o preço da perda de autonomia. Admiração não é sinônimo de idealização.

Para atravessar as clausuras disciplinares de cada isolada ciência é preciso de metáforas férteis, que formam pontes àquela ilha. Ocorre um desmoronamento gradativo do narcisismo por meio de uma atuação pública, com projetos coletivos que servem de bússola ética, retirando a apatia e promovendo a iniciativa pessoal ou popular.

As gerações surgem e sucedem as anteriores no poder, e agora são privilegiadas com mais liberdade e acesso às informações, ainda que sob olhares desconfiados e vigilantes, pela alta expectativa depositada nelas. Da observação destas, infere-se que elas não passam necessariamente por um progresso ético e intelectual, ao contrário do que era de supor. Parece haver somente uma sucessão dialética do comando, ciclicamente, como sempre aconteceu.

Pais e filhos, como Homer e Bart, se relacionam numa diferença insuportável e invejosa no tipo de vínculo mais forte que existe. É uma condição sine qua non: o amor (philia) acima dos sentimentos destrutivos. Caso contrário surgirá um inimigo íntimo, com falta de respeito e asco à autoridade e à intemperança.

Adolescentes aos 50: cadê a aposentadoria, o último degrau onde se dá para fazer algo antes de vegetar e fenecer? Viver muito custa caro, ao bolso, aos cofres e à mente. Todos devem se preparar à nova realidade da longa expectativa de vida, a fim de se tornar um idoso e não um velhote, um encosto aos parentes e à sociedade, que se sente impotente diante das dificuldades, com tendências suicidas, que são odiosas e rancorosas.

Temos um medo primitivo do não pertencimento, de ser jogado no ostracismo ou de não se sentir parte dos círculos sociais, ainda que estes estejam longe do ideal de convívio. O lance é que com a socialização a mente se defende de uma potencial depressão. Apesar de vivermos juntos e morrermos a sós, tendemos a não nos conformar com a ideia de ser descartável ou substituível. Mas o que se pode fazer com o momento limítrofe de não existir? Inventar e conjecturar paraísos e almas etéreas flutuando sobre um mundo idealizado qualquer? Eu acho que o insuportável é jamais deixar de existir – a condenação vampiresca.

A libertação da maternidade pelo padrão de beleza da magreza escravizou muitas mulheres nas teias da ditadura midiática. Ou então em padrões fetichista: tudo deve ser grande, exceto a cintura, sobretudo a cintura! Tola idealização, como se ao se tornar belo, a saúde, a felicidade e a grana viriam juntos, e como se os objetivos de estar bonito fossem só esses.

Fazer alisamento, borrifar colônias, usar acessórios de ouro ou, mais absurdo, de couro ou de diamante, vestir roupas chamativas ou brilhantes, nada disso é suficiente na tentativa de escapar do estigma de ser pobre e fracassado, pois a expressão verbal denunciará a origem e o destino miserável ou medíocre. E por vezes até mesmo a linguagem não-verbal deixará nítida a falta de cultura e de gosto. Cônscio disso, a dor e a solidão crescem no embusteiro.

Pessoas concupiscentes perdem a capacidade de enxergar rostos, só vêem o sexo. Se vierem a descobrir a poesia, quem sabe, de quebra, redescubram o amor.

Imagens belas nos reconfortam e nos distraem sobre as falências, e ver desgraças alheias alivia. Death is all around.

Que os contos de fadas que ouvimos na infância desmoronem aos poucos, mas desde cedo, para que a capacidade de resiliência às corriqueiras mortes simbólicas seja fortalecida.

Escrever ou compor ou pintar ou cantar ou rimar costuma ser uma boa alternativa para impulsos inconclusos, é um ato de sublimação que torna a fraqueza em arte. A vida é coser; saber fazer arte é ter estilo próprio, é emocionar a si e os outros, sendo que estes se identificarão com a idéia também sentida, mas que não encontraram uma maneira de expressá-la.

A liberação das tensões corpóreas pela movimentação é extravasar e sentir-se vivo e apto ao que vier. Essa descarga de frustrações e de perdas estimula a readaptação a novos hábitos em que volta e meia somos jogados, sem percebermos. Então, flui novamente o sangue por coágulos e varizes, veias acumuladas de má energia, simbologia de nossas minúsculas mortes. Inspire, expire, toque, sinta, perceba, e pouco a pouco você será reinserido à natureza.

Ainda que desejemos ignorar o confronto entre Eros e Thanatos em nós, vendo-o ou não, a angústia será despertada. Temos o costume vão de nos acharmos importantes demais – sentir-se imortal! –, daí tanto temor e sofrimento com a defrontação com a morte. Mas se for a falência do outro, talvez desperte a consciência de que poderia ser a minha, e então passo a conjecturar. Mas se eu morresse os maiores prejudicados seriam as pessoas que me querem bem e não eu mesmo...

O ego busca conquistas que inflem o orgulho e que mascarem a insegurança vaidosa. Qual será o ponto que, uma vez atingido, a pessoa possa afirmar categoricamente que está realizada? Quando se sentir autêntico e íntegro e de posse de algo por ela valorizado, fruto de seu esforço, de seu trabalho de formiga operária?

Imprevistos e desvios dos objetivos iniciais podem sair melhores do que a encomenda, é preciso estar desapegado para aceitá-los e se surpreender com a boa mudança de trajeto, sejam pelos acasos da vida ou pelos ardis impetrados. A maioria, orgulhosamente, se acha pronta para os encargos da vida de adulto, mas é corriqueiro ocorrer o oposto – a maioria das pessoas não preparada. É torcer para que algum dia atingirem o estágio da maturidade.

Devemos olhar de soslaio, de nariz torcido, os reducionismos, que mais parecem paraísos aos desesperados. Enquanto isso, a literatura de autoajuda vende e bamburra.

Dominar os outros não é a mesma coisa que dominar a si, e muitas vezes não tem qualquer relação. Ter boa reputação não garante um equilíbrio interno, psicológico. A solução exclusiva pela boa imagem externa raramente supre as carências internas. Baixar a guarda e pedir auxílio e apoio a fim de um efetivo desenvolvimento pessoal é um ato de humildade e de ousadia, sem isso será barra superar os percalços e as más tentações da vida.
--++**
(Fim de 2011, Feliz 2012)

28 de dezembro de 2011

Em suma, posto isso, noutras palavras...

I

Transparecendo chistes, um psicólogo vê e observa, compreende e entende, então conclui sobre o analisado, podendo este ser ele mesmo. A atenção flutuante da livre-associação alheia é o melhor instrumento para uma boa análise psicológica. Quem sabe ver está em constante viagem, mesmo que só, em casa.

Esconder traumas debaixo do tapete da psique resolve o problema ou acumula frustrações que crescem como um câncer maligno? A cura pela fala, ou por outra forma expressiva, sempre ajuda, no mínimo em parte.

O inconsciente deve ser um inimigo ou um aliado? Não é o Id quem deve ser suprimido pelo Ego, a batalha deve ser travada em conjunto contra o Superego, esse repressor contumaz. É como se ao se retirar a polícia das ruas a violência diminuísse, os muros agora sendo feitos de papel manteiga, com a vigilância e a desconfiança se arrefecendo e a tranqüilidade emergindo.

Quando arrancamos ou obturamos um dente que incomodava, passamos a língua sobre ele, para sentirmos a dor de volta, essa antiga companheira que não volta mais, para alguns este sofrimento é maior que o anterior. Quem sente essa falta possuirá um desejo, que será compensado ou projetado em outro objeto, logo esse alvo é inferior e posterior à vontade, que é propulsora e dominadora do ser.

Os detentores de acrofobia, também conhecida como vertigem, costumam possuir uma perda de equilíbrio do ouvido interno. E os que são desequilibrados internamente, sem ouvir seu interior e muito menos o exterior, costumam ter medo da vida, a distância entre o chão e sua cabeça costuma ser um abismo aterrador, tudo roda e enoja. Qualquer causa desagradável dispara o gatilho do medo, até então dormente, todavia à espreita.

Todo medo é uma defesa a uma ameaça pessoal. Por que ter vergonha de não existir, de perder-se? É um mundo desértico, vazios nos habitam, é preciso um esforço radical e incondicional para viver, ainda que de passagem, e sempre trabalhando o desapego. Sejamos ousados, flexíveis e realistas, esse otimismo converterá os problemas em oportunidades.

A autopunição é uma reação à má consciência de quem não tem traços psicóticos, mas pode ser a vingança interna, refletida em gestos, por um amargor sádico de neurótico perturbado. Apesar disso, deve-se haver um tempo introspectivo para uma fossa esporádica; os atos de gastar e usufruir são os objetivos do mercado, nunca foi um padrão de comportamento.

Vamos acabar com o autoengano, essa infantilidade disfarçada de azar e/ou infelicidade: “ó vida, ó mundo”. Paremos de apontar o dedo para outras pessoas, outros objetos e outros fatos, e passemos a assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas. Ao deixarmos a posição de vítimas, e com ela as reações agressivas, evoluímos pela via da cortesia.

O depressivo melancólico convive com a falta de algo supervalorizado, contudo, por não querer sofrer e nem deixar o hábito do sofrimento: torna-se um covarde moral. Enquanto que uma autoanálise profunda e, na medida do possível, imparcial, torna a pessoa mais íntegra e sincera. Quando deixar de haver esse ódio, ou desprezo, a si mesmo, os outros (humanos, animais, objetos) passarão a parecer agradáveis, o passado será apenas um retrato na parede da memória, e a simpatia à rotina da vida florescerá. Aquele que junta os cacos e as cinzas do passado deixa a prisão da nostalgia e se expõe apto ao futuro.

O prazer hedonista é usado como tática para fugir do contato com a crua realidade de nosso destino: o não controle sobre as coisas, inclusive sobre si próprio.

Os jovens buscam novos vínculos, suas identidades estão fragilizadas pela confusão hormonal e pela transição à vida adulta – os rituais de passagem foram quase todos obliterados e os que surgiram não cumprem bem a sua função. Qualquer tola novidade tem o potencial de encantar esses incautos que querem se agarrar a qualquer bóia que os salvarão do afogamento. A liberação da angústia via gritos e explosões (rebeldia) serve de acolhimento/proteção.

Um pai bebaço serve de espelho para a autoafirmação juvenil. Não é incomum esses jovens apresentarem condutas impulsivas e violentas, culpa de um inconsciente selvagem reprimido que aguarda por estas brechas para escapar, porém essa pessoa pensa erroneamente que se liberta, e na verdade se aprisiona mais. Os vícios alimentam uma ansiedade difusa.

O que é novo nos inquieta e violenta com a rotina e com o hábito; na fase de transição sofremos com as dores do parto, e ai daquele que pensa que não muda.
Pelas experiências pessoais e subjetivas são formados padrões perceptivos, podendo dirigir-se a: ciclos virtuosos ou viciosos; forças centrípetas ou centrífugas; expansões ou contrações. Memórias, vontade e intenções ditam o quê e como vemos o mundo à nossa frente. A projeção desses referenciais internos constrói as cenas num telão imaginário. No caso de haver envolvimento emocional os detalhes e as cores serão mais vivos, e a gravação, mais veloz.

Enxergar sob a ótica de um cavalo domado e com viseira sobre os olhos impede significações expansivas e criativas, pois não há como conhecer o que não se vê e quando não está sob condições propícias ao exercício do intelecto. E alguém pode se vangloriar de estar plenamente sob essas condições, sem pedras e sem limites à razão?
(...)

26 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 4

IV

Liberdade de opinião, de expressão, de contestação, de voto, de veto, de associação e de gosto. Essas garantias institucionais fazem um país democrático e livre. O Estado deve assegurá-las, ainda que certos grupos tramem para impedi-las. Os censores sempre existirão, eles não suportam a idéia de contrariedade. A presunção de certeza absoluta impede discussões, como se uma opinião não fosse apenas mais do que isto, uma doxa, carregada de preconceitos e limites técnicos e teóricos, o que apenas atesta a falibilidade de qualquer um que se aventure em algum assunto dinâmico. A Verdade não existe. Porém, os semideuses, os Ph.D(euses), os arautos do conhecimento sem modéstia e os ignorantes sobranceiros inviabilizam quaisquer debates entre livres e iguais. A historicidade comprova o relativismo dos valores. Tudo pode ser dito, mesmo a burrice, mas é a boa argumentação que persuade solida e legitimamente uma ética longeva, ainda que em constante mutação.

Sobre si mesmo há independência, e sobre os outros há interdependência, é no limite do direito que os crimes devem ser prevenidos e o respeito assegurado. A autoproteção deveria ser o único propósito para o poder intervir, a fim de evitar danos sociais. As pessoas podem se regular pelas leis ou normas, pela moral, pelos princípios e bons costumes, pelo medo, pela vergonha e pelo anseio de ser agradável e manter a boa reputação. Mas para a maioria basta a religião, com a punição ou premiação divina, e a legislação, com o horror de ser enjaulado. As normas de condutas devem ser formuladas tendo por bases questões técnicas e analíticas, mas principalmente as políticas e práticas, para que humilde e consensualmente as leis se consolidem e façam os cidadãos cumprirem-nas conscientemente de que estão realizando o maior bem possível, e evitando que condutas perigosas sejam difundidas.

Exigências de responsabilidade, controles institucionais e agências reguladoras surgiram para limitar a atuação unilateral do Estado, esse Leviathan que assombra os “civilizados”. Mas a concessão à vontade popular também deve ser restrita, ainda que ninguém goste de admitir ser um monstrinho ganancioso; cada um de nós carrega em si uma besta ou um dragão, e tenta escondê-los atrás das cortinas da moral. Porém o mais intriguista bicho-papão é o fofoqueiro. A interferência da opinião coletiva sobre a individualidade, com suas preferências que não devem satisfação, muitas vezes tomba reprimida, para alegria das comadres recalcadas. A mídia e a idolatria servem de vigilância a desvios. A mesma mão dá e toma, afaga e apedreja. É isto, um lado exigirá deveres e o outro lutará por direitos e mais privilégios. Disciplinar pode ser a saída, desde que não se exceda, a ponto de degenerar em adestramento e covardia.

Para alguns, ser coagido a praticar algum bem é pior do que deixá-los à própria vontade. Saber se regular e ajudar aos outros quando solicitado, ou voluntariamente, é um certificado tácito de que esse cidadão merece a liberdade a que foi destinado. É provável que uma sociedade populosa jamais abdique de registrar leis e contratos, mais por receio do homem lobo do homem do que pela capacidade inerente de se autogovernar. Pode ser um lirismo o homem voltar a conviver sine Rex, sine Lex, sine Dei, ou seja, uma utopia anárquica, mas quem sabe chegaremos a esse patamar civilizatório de dispensar imposições e seremos felizes e cordiais. Enquanto isso, teorias e práticas tentam melhorar a ética e a política dos povos no mundo inteiro.

Autogoverno não significa cada um por si, ou “o que é meu, é meu, e o que é seu, é nosso”, mas isto: cada um por todo o resto. Num primeiro momento posso cuidar apenas de mim mesmo, porém superada essa fase de sobrevivência, é natural que eu zele pelo bem-estar de pessoas próximas, e posteriormente de todos os seres que fazem parte do ambiente. Esse utiliritarismo parte do pressuposto de que eu sou diferente dos demais, contudo possuo uma essência que me une à natureza, que é estar vivo e buscando um equilíbrio de forças. Com a consciência dessa alteridade, todo ato meu será pensado e concluído após considerações sobre o impacto dele no meio, o que não é pouca coisa, visto que restringe a minha liberdade, em troca de um ganho maior. Então, como suportar e convir com a observação de um mal, ou atitude antiética, ou o melhor seria protestar logo e pressionar o “agressor” pela conduta ética? Questões éticas nunca são tenras, ou alguém discorda? É árduo o trânsito entre o silêncio e a cobrança sem ser intruso (moralista), contudo é possível.

Idealmente, liberdade e felicidade devem conviver em níveis e padrões idênticos, e altos, para haver sentido, tanto no âmbito individual quanto no coletivo, sendo não apenas discurso vago. A realização pessoal e a auto-estima, que por alguns é definida como plenitude, são buscas pessoais, afinal os valores e a experiência adquiridos e defendidos são inalienáveis, ainda que a reciprocidade disso e do próprio indivíduo com o restante da comunidade e do contexto histórico seja marcante. É claro que a sociedade e o Estado pressionam seus membros a pensarem e agirem conforme planos e padrões, e a recíproca é verdadeira, no entanto quase sempre o elo mais fraco pende para o lado do indivíduo isolado, ou então somos condicionados a pensar dessa maneira, um erro, tornando-nos desistentes dos sonhos juvenis de mudar o mundo para melhor. Quantos males seriam evitados se, pensando e agindo com bem senso, reivindicássemos pela efetivação de nossos desejos e direitos.

Posto isso, quem deve tomar a iniciativa: cada cidadão ou os governantes? A superestrutura, tal como foi defendido por Platão, Marx e Durkheim, deve planejar os valores norteadores, fazendo com que os indivíduos pautem sua vida a partir das ordens de cima, esmagadoras e indiscutíveis; ou a infra-estrutura, recomendada por Aristóteles, Weber e Mauss, deve ser a base que, gradualmente, tornará uma nação mais complexa, sendo que os valores serão adquiridos e professados por cada estrato ou nicho social. Penso que no segundo caso a liberdade se faz mais presente; cada pessoa, ainda que sem uma autonomia total, poderá se associar, ou não, a grupos que combinem mais com seu estilo de vida, e podendo adentrar e sair quando bem quiser. Para muita gente esse alvará de atuação é um incômodo que enfraquece a sociedade e cria egoístas sem um pingo de solidariedade, o que é uma falácia, pois na grande maioria dos casos é a partir do associativismo que as pessoas se desenvolvem e realizam. O axioma de que é impossível ser feliz sozinho pode ser discutível, mas quando a felicidade não é compartilhada grande parte de seu valor é perdido.

Somos fruto do meio, a cultura nos condiciona, se não seremos eremitas. Entretanto, os afetos, advindos do inconsciente, é que nos movem e norteiam os interesses. O problema é quando essas paixões dominam a pessoa, tornando-se uma moral fanática. A intolerância sempre ronda um dogma teológico, como se um deus se importasse com o número de adeptos. Esses juízes convictos da verdade que professam pensam que suas crenças são indispensáveis à sociedade como um todo, ou ao menos à seita da qual participam, sendo assim, esta moral, tão humana e forjada a partir de fraquezas, se julga superior para que seus defensores se sintam importantes e merecedores de honrarias. A liberdade comumente é misturada com o poder de influência, e então se torna tirania; quem se acha senhor se sente no direito de subjugar os escravos, os não-livres, e pensa que ser livre é só para os fortes, portanto um bem para si e um mal para os outros, que podem derrubar seu poder. Todavia, penso que essa ação política se dá entre os ressentidos, aqueles que precisam pisar sobre os outros para se elevar ou puxar o tapete para se nivelarem. A liberdade é ubíqua, saber dosá-la é a sabedoria para o bem-estar.

Na sociedade moderna a razão passou a predominar sobre os outros aspectos subjetivos do sujeito. Isso quer dizer que devemos analisar os fatos, para que, uma vez cientes das causas e efeitos, agíssemos em busca do melhor resultado. Isso vai de encontro com a necessidade universal de possuir poder e controle sobre as coisas. Ora, mas não somos máquinas, o inconsciente, os afetos, as emoções, as reações e os pensamentos ilógicos ainda balizam nossos atos, em sua maioria. O medo é um grande freio, que pode ser visto como falta de controle sobre a situação, ou seja, sentir-se inferiorizado em relação ao objeto causador do temor. De posse dessa emoção, na maior parte das vezes infundada, aceita-se a restrição da liberdade, para que seja preservado um bem maior, seja a própria vida, a dos parentes, a dos amigos, sejam bens materiais ou seja o trauma de ser ameaçado por um animal ou por um .38.

Será que vale a pena trocar a aventura de viver em liberdade pela comodidade da segurança e da redoma do lar? Bem, isso faz movimentar a economia, a cultura do medo é estimulada para que o dinheiro circule entre os vários setores e estratos da sociedade. É preciso inventar nichos de mercado para haver emprego para todos, ainda que o custo seja a desconfiança. Uma vida humana hoje é muito mais valorizada do que há alguns séculos, ou mesmo décadas, atrás. Isso nos deu mais conforto e qualidade de vida, no entanto retirou nossa coragem e ousadia em enfrentar os acasos e perigos da natureza. Inclusive sendo desestimulado e estigmatizado o comportamento de risco, como o dos jovens aventureiros e inconseqüentes que se vê no noticiário. Dizem que entre uma atitude corajosa e heroica e uma tola e suicida há pouca diferença, mas esse pensar é de quem não sabe o que quer e não sente a mesma coisa que o outro, o bravo. Enquanto que para uns a vida deve ser vivida “a mil”, com todas as benesses que a liberdade proporciona, para outros o correto é ser comedido e esperar serenamente pela recompensa que um dia virá, ainda que não haja mais tanta energia para desfrutá-la. A razão pode ser hostil à liberdade, mas os impulsos podem ser hostis à vida. Como sempre, um equilíbrio aristotélico pode garantir sabedoria e felicidade.

(...et c'est fini)

24 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 3

III

A moralina se serve de controle fundamental em prol da coesão social, o que na verdade é apenas manifestação do ressentimento entre aqueles que não têm a vida que quiseram, portanto precisam aliviar seus egos recalcados com tentativas hostis de impedir o sucesso e a felicidade dos talentosos, ou ousados. Que tipo de coesão é essa? A mediocridade e a observação da cartilha como valores máximos, coagindo todo mundo em volta a aceitar e a seguir a prática dos amuados. Em outras palavras, a igualdade é mais importante do que a liberdade. Ocorre um detrimento da distinção e da ambição de quem se vê com potencial de ser grande, e não suporta o papo furado e homogêneo de velhacos nostálgicos com um passado que nunca existiu e que, mesmo tornado real, não seria adequado aos subversivos.

É muito comum haver evangélicos que possuem um passado “manchado” por atos nem um pouco honrosos pregarem contra os ‘delinqüentes’, os ‘libertinos’, os ‘devassos’ e os ‘ímpios’. A explicação mais óbvia é que eles se arrependeram de tamanha bobagem que fizeram em suas vidas e buscam redenção no outro extremo, com a perda da liberdade (a prisão voluntária e condicional dos tempos atuais). Como diz a canção: “Isso pra mim é aposentadoria de malandro, foi sangue ruim a vida inteira e depois de velho quer virar santo”. Querem refazer a reputação, tão maculada, a fim de se tornarem puros, como se o objetivo da vida fosse a retidão...

Ora, se pensam que de posse da liberdade as pessoas em geral só fazem besteira, em especial as que não foram salvas e não servem ao ‘Senhor’, a culpa é de quem precisa de um bode expiatório para aliviar a má consciência. Se não compreenderam o sentido da vida e o valor da existência, porque perturbar aqueles que estão quietos e satisfeitos com o caminho ‘escuso’ pelo qual optaram? Parece até que as coisas são resolvidas na marra e no grito, e se não é assim, falta algo – longe de mim esse ímpeto traumático! Nem todos precisam de cabresto para “entrar na linha”, o intelecto já é o suficiente para diferenciar o certo e o errado. Deixem os grilhões de rituais e costumes religiosos a quem sente necessidade de rotinas letárgicas. O servilismo, embora egoísta, origina sentimentos de ódio ao ‘estrangeiro’, ou ‘bárbaro’. Ideais diferentes passariam a originar não só opositores ou diversidade cultural, mas inimigos de fato.

Personalidades diferentes demandam lideranças diferentes, mas os chefes, os líderes, os patrões, os senhores, conseguem ser versáteis? Há os mandões, os carismáticos, os democráticos, os liberais e os burocráticos. Cada um, em seu estilo, tem preferência por liderados que combinem mais com seu perfil, e vice-versa. A situação se foca, então, em saber a dosagem correta para uma relação mais aprazível, o que nem sempre é possível; paciência e aprendizado que só advém da prática. Errando e aprendendo progredimos, infelizmente não são todos que se mostram dispostos, humildes e maduros bastante para reconhecer esse princípio social para a boa convivência. Quando são envolvidas duas ou mais pessoas, a interdependência, invariavelmente, existirá. Todavia, algum grau de autonomia, podendo ser em grande percentual, também haverá. Todos querem algum poder, o mundo não é dividido entre ‘senhores e escravos’, mas entre quem manda mais e quem obedece mais, e todos transitam entre as duas estradas. A preponderância numa pessoa de o orgulho e a vaidade, a imposição e a submissão, a prepotência e a modéstia, entre outros sentimentos, poderá definir se esse alguém permanecerá mais confortável dando ou recebendo ordens.

Aqueles que se julgam bem-sucedidos cobram os mais novos e os que vagueiam para terem um objetivo em suas vidas miseráveis. E mais, não os permitem sair do “caminho correto”, nunca, sob pena de ouvirem sermão sobre boas maneiras, solidariedade e comprometimento. Como se a vida que eles tiveram fosse a almejada por seus aconselhados. Então, descobrimos que há todo tipo de pessoa; que mania que os homens têm, e principalmente as mulheres, de cutucar e cobrar os outros por atitudes idênticas. Cada um deveria se autogovernar e se preocupar quando o direito dos outros foi violado. O modo de ver o mundo é sempre diferente, até gêmeos univitelinos e criados juntos crescem de forma diversa, imaginem aqueles sob rotinas e costumes incompatíveis.

Penso que o melhor conselho que se pode dar é: “seja feliz, e se precisar de ajuda e de uma assessoria, estarei aqui para facilitar o alcance dessa teleologia universal”. As cobranças deveriam se resumir a questionamentos sobre a má consciência de comportamentos constantes e que enfraquecem e rebaixam o indivíduo ou que nunca elevam um terceiro. Pois bem, os limites, às vezes, são conhecidos após muito sofrimento, se a educação não bastou para tornar essa pessoa esperta, deixe estar, os percalços da vida complementará sua formação ética. Apenas quando a crise se instalar e só um fiapo de esperança restar é que o desespero tomará conta de amigos e familiares, e esse decadente terá provado que não mereceu a liberdade que lhe foi imposta, servindo, agora voluntariamente, a chefes implacáveis na missão de reeducá-lo à liberdade. E se após tudo isso ele se mostrar incorrigível, no final a visão da morte lhe trará amargor, pois verá que sua vida fora triste e inválida, digna de pena, aconselhando os outros, se houver alguém, a não seguirem os seus passos.

(...e vem mais)

23 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 2

II

Além da definição epistemológica e analítica que os contemporâneos e linguistas atualizam conforme a indicação das suas hermenêuticas, o termo Liberdade possui três significados principais:
- a ausência de limites e de condições a exercê-la, aquilo que é causa de si (uma ilusão ou Deus), ou então a polêmica anarquia;
- a necessidade do Mundo, ou seja, partes que devem realizar seu ‘destino’ a fim de garantir a ordem total do cosmos e
- a possibilidade de efetivação das coisas, que passa pela escolha limitada e condicionada do ser pelo ambiente.

Sobre a primeira noção é importante a observação de Kant sobre a espontaneidade absoluta: vista como fenômeno (efeito) ela é necessidade (a 2ª noção) e vista como númeno (como deveria ser) ela é liberdade. A segunda noção é bastante hegeliana, vinculando o agir livre com a participação no intelecto do Absoluto; é romântico e ao mesmo tempo servil, ao ceder ao Estado todas as forças necessárias à efetivação da realidade. Porém, que tipo de valores o cidadão tem que defender se ele não participou de sua elaboração e não pode discordar do que lhe é imposto? Por fim, a terceira noção trata da determinação da medida em que se pode escolher. Sou inclinado a concordar com isto: o homem sofre as determinações das condições ambientais e históricas em que está inserido, contudo não há um fatalismo ao qual não poderá escapar, com resultados previsíveis de suas escolhas, de antemão. Há um conceito político republicano e liberal: os cidadãos participam da elaboração e da fiscalização das leis a que todos os membros da sociedade estarão submetidos.

No âmbito político, concorrem duas correntes, que parecem opostas, ainda que não contraditórias: uma defende o individualismo e a redução da ação do Estado sobre seus cidadãos, enquanto a outra defende o caráter absoluto, quase divino, do Estado, afirmando que liberdade civil é a obediência às leis. Apesar de não serem excludentes entre si, percebe-se a cisão/racha (ideológica) entre os militantes e simpatizantes dessas correntes: de um lado os que defendem o pluralismo de idéias e a garantia de formas de liberdade que não interferem no direito dos outros (liberais), e do outro lado os que prezam mais pela igualdade e pela idéia de que existe um ser ou ente superior ao qual todo mundo deve obediência e deve pedir licença para exercer sua idiossincrasia (socialistas). Grande exemplo disso atualmente é a liberdade de causar mal a si mesmo.

Se alguém resolver usar drogas, ele estaria isolado ou de alguma forma iria interferir em toda a sociedade, e prosseguindo, como assegurar o direito de praticar algo sem que qualquer outra pessoa tenha participação/interesse? Costuma-se aumentar a carga tributária a fim de bancar gastos com a saúde, contudo as políticas estatais estão cada vez mais restringindo essa individualidade e desestimulando comportamentos nocivos, como a proibição do fumo e a ingestão de álcool em certos locais e horários. Porém, vejam, há uma grande diferença entre proibir e desestimular. Por exemplo, o casamento homossexual; não faz sentido limitar os direitos dos gays, todavia estimular que a sociedade seja gay, ou drogada, ou bêbada, ou suicida, é outra história. Passa pela instrução cultural e ética a formação de uma sociedade livre e forte, mesmo possuindo membros ‘decadentes’.

A partir das influências que recebeu durante toda a vida e do projeto que assumiu para se tornar quem se deseja, tanto no futuro quanto no próprio presente, o indivíduo, por ser dinâmico, se reinventa constantemente e cria valores, sem qualquer desculpa metafísica, ainda que baseado em percepções vagas, peculiares e subjetivas. As escolhas contingentes irão progressivamente construir esse homem engajado, que sem dúvida passará por conflitos e angústias por não poder passar por cima de tudo e de todos com seus anseios, mas que procurará se afirmar e se realizar, sem possibilidades de queixas por escolhas equivocadas ou pelos acidentes que a vida traz, e é comum a todos. A experiência ensina e afeta, sendo o suficiente para os arrependimentos se esvaecerem.

As teorias deterministas, baseadas num Universo estático, afirmando a causalidade necessária e absoluta dos fatos, caíram por terra com a consolidação da física contemporânea. Se o espaço e o tempo são uma coisa só e a percepção do movimento dos objetos e do tempo depende da posição relativa dos referenciais; se todas as partículas subatômicas estão em movimento incessante (em temperaturas logo acima de zero kelvin) e o princípio da incerteza, paradoxalmente, é uma certeza, torna-se uma falácia a conclusão de que o mundo é predeterminado. Transpondo esse conceito às ordens social e moral, podemos concluir que a mente das pessoas e a relação política entre essas pessoas também são indeterminadas, ainda que sob circunstâncias limitadas. Sendo assim, temos um determinismo restrito, que nos permite esperar certas atitudes e pensamentos, probabilisticamente, mas não de forma taxativa. Com a liberdade também é assim, o imponderável ou o milagre não acontecerá, entretanto o mesmo padrão de resposta repetindo-se indefinidamente também não haverá. Somente uma consciência viajando a velocidade da luz seria capaz de observar o mundo inercial, mas ela seria capaz de repassar as percepções de tal proeza?

A relatividade da liberdade e dos valores é um fardo para quem aceita somente o ‘preto no branco’, quando se notar que a realidade é efêmera e inconstante, perceber-se-á que os ventos da mudança carregam consigo bons frutos, ainda que sazonalmente. No entanto, a concretude das coisas existe para quem nela acredita. Apesar dessa visão objetivada do mundo, é preciso salientar que nem tudo é racional, melhor ainda, na maioria das vezes basta confiar nos instintos e nos sentimentos para se viver bem e em paz. Com as várias bifurcações que a vida nos impõe diariamente, muitas decisões acabam sendo tomadas intuitivamente, de forma ilógica, sem o devido cuidado reflexivo, e mesmo assim parece ser o melhor procedimento, ou não estaríamos aqui. Somos lançados no absurdo que é o mundo e a sociedade, num primeiro olhar, contudo ainda desejamos nosso bem-estar, sempre. A liberdade deveria ser concedida apenas a quem a merece, no entanto as nossas ações são sempre voltadas para a potência, isto é, para a efetivação do poder que nos é inerente e nos empurra em direção à auto-afirmação. Logo, todo aquele que se engajar numa vida de ações conforme seu desejo o induzir e ceder no que não for conveniente, estará livre, podendo ser um fardo ou um bem.

(...tem mais)

22 de dezembro de 2011

Liberdade... pt 1

Liberdade: um fardo, um destino ou um bem em si?

I

“Tal é a fraqueza humana: temos frequentemente de nos curvar perante a força, somos obrigados a contemporizar, não podemos ser sempre os mais fortes.” Assim dizia em seu “Discurso” La Boétie, lamentando o fato da escravidão e da submissão dos homens, principalmente a voluntária, mas também a imposta. Como são desgraçados os prisioneiros que não querem escapar, os impotentes que se deixam tiranizar, ou ainda, parecem covardes os idólatras. E há o triste vício de quem não luta por sua liberdade e se deixa levar, como um pusilânime, à conversa mole de um babaca cheio de defeitos que só pode se sentir bem, isto é, valorizado, se tiver súditos em suas mãos sujismundas e gordurosas, tal qual bactérias em volta do furúnculo. Cortem a fonte e eles ficarão com suas malas vazias, assim como uma planta, sem água, seca e definha. Enquanto houver a politicagem corrupta, composta de bajuladores, séquitos do trono, medrosos e cúmplices, os carniceiros reinarão, regozijando-se em suas luxúrias depravadas, tal qual um Kadhafi, um Borgia ou um Kim Jong-il. O uso de capangas ressentidos e de guardas humilhados atormentando a população não é o suficiente para que não se lute por um governo democrático ou republicano.

Que um povo preferisse morrer a ter que viver por décadas, séculos, ou mesmo milênios, sob o jugo de déspotas; perseguição sem fim que incorpora à cultura, logo às personalidades de seus membros, o sentimento de resignação, de que não se deve contestar e nem enfrentar os líderes. Como a liberdade parece ser um conceito estranho, julgam, pois, pelo hábito, que a vida de seus pais é a correta para eles também. Mas que povo doente e decadente – incurável? Qual o sentido em viver sob a trêmula lâmina da espada, sempre pronta a decapitar insurgentes e homens sedentos pela vida livre e plena? Sem a liberdade tudo o mais é tedioso e sem sentido; é um primado, sem ela, assim como sem a razão ou os sentimentos, a vida humana não vale a pena ser vivida, é apenas sobrevivência nauseante, sendo impossível de se dizer “isto é meu”.

Os tiranos não são bobos, eles fazem infundir em seus comandados, desde o berço, a ideia de que a vida correta é a da alienação, a do rebanho, e os hipnotizados, que pena, só dizem amém às palavras e aos atos cruéis dessas autoridades. Grande educação e formação republicana, tal qual a compaixão de um pirata por suas cativas! Somente o saber e a experiência do prazer de ser livre tornarão uma pessoa, bem como um povo, defensores impetuosos de seus direitos naturais. Que os reacionários e conservadores, sejam os incautos ou os malditos, compreendam: não há ‘natureza escrava’, a escravidão é uma humilhação, ninguém que reflita razoavelmente desejará uma vida passada em servidão. Ainda que a maioria precise de um guia ou mestre para dar sentido à existência. A questão é saber por que, ainda hoje, muitos refutam a liberdade como algo universalmente desejável e se negam a fazer escolhas próprias, isto é, autênticas: não querem contestar ou sua ignorância os leva a serem enganados? Após tanto ingerirem comida estragada deixam de sentir a podridão de seu sabor?

Ademais, tal qual uma criança birrenta que não aceita ser contrariada, haverá sempre um inepto que desconfia de quem o quer bem, por meio de ações desagradáveis à primeira vista, e prefere ser tapeado por traiçoeiros que oferecem o doce com uma mão, escondendo o punhal na outra. É por existir uma massa inculta e incauta que políticos populistas prometem – e por vezes entregam – mixarias, migalhas, esmolas, engodos, a fim de mantê-la sob rédeas curtas (artimanhas coronelistas e do “pão e circo” deitaram e rolaram com essa tática). É o hedonismo em troca da estupidez; foram os néscios absortos pelo ópio chinês, enquanto seus governantes perversos usurparam a nação, sob a imagem de uma pompa invejada e venerada, claro que demagógica. Um pouco de promessa de segurança, pelo medo forjado de que os estrangeiros e os inimigos podem atacar e aterrorizar, é o suficiente para que muitos prefiram um mal conhecido em detrimento do terrível desconhecido.

E, a partir dessa manipulação de reis incompetentes e gananciosos, não poucas vezes, surgiram lendas, mitos e deuses que a própria populacha inventava para acalmar os egos das pessoas, pois ser submisso a um grande senhor é válido – metafísica religiosa que consola, justifica e adestra uma sociedade de dezenas de milhares de membros. A devoção é base para a perpetuação no poder. E a ostentação é uma forma de causar inveja e servir de exemplo/modelo para que os demais sigam o caminho e tentem manter esse sistema autofágico e odioso, como é o caso dos traficantes. Doravante, ninguém de dentro desse círculo restará imune aos malefícios de tamanho desprezo pelo bem-comum. O hábito costuma cegar. Parece que é melhor estar unido na lama do que independente num terreno estranho e cercado por ameaças incontroláveis e sorrateiras.

Há, ainda, o martírio de sentinelas conspiradoras num ninho de cobras opulentas. E há o outro lado da moeda, isto é, a vingança, um prato que se come frio: a punição dos reis narcisistas e de mentes perturbadas, que será por meio de pequenas revoluções e pela danação imortal de seus nomes e restos por um povo instruído e ético que repudiará comportamentos fascistas, punindo inclusive os descendentes inocentes, alheios à perversão de seus antepassados. Alguém que se chame Hitler, Herodes ou Saddam será estigmatizado e provavelmente desejará trocar de nome o quanto antes. A justiça não é divina, é humana e social, a vida não se resume ao presente, ela se amplia às gerações futuras, estas tomarão ciência do que é desejável e respeitado e do que é nojento e repugnante; noção que é construída por meio de debates e acordos (formais ou tácitos).

(...e continua)

11 de dezembro de 2011

Causas necessárias e desconhecidas do agora

Causas e efeito

Aspiração vital, isto é,
Aspirar poder,
O máximo que se puder,
Intimista e imanente.
É tão óbvio, tão banal e venial,
O mecanismo é somente,
Após a sucessão dos fatos,
Semiótica das conseqüências.

Tornar-se-á ortodoxo, quiçá,
Colapsar o remorso
Em concomitância, ver-se-á,
Com contumazes infartos
De ineptos catatônicos
Em suas idílicas, líricas
Reminiscências paradoxais
Dos vórtices outrora causais

________---------''''¹²³

Não querer é poder

Se eu quero, só posso querer,
Não posso não querer, por ora.
Já se não quero, posso vir a querer,
Tal é a minha liberdade intuitiva

Ao querer algo, tomarei a decisão,
Entre agir ou não agir; é humana ética,
Que limita o espaço e cessa a sessão.
A angústia sorrateira sai furtiva

Pode-se estar apto a algo atraente
Ou julgar-se não apto; é controlável.
Já com a vocação é bem diferente
A faísca do dom não é contornável

O inconsciente, vital, subjuga a si
O mundo por ele representado,
Nada tendo de racional ou universal,
Põe as normas e as regras de lado

O excesso de carência aumenta o desejo,
Desejo que será frustrado ou não;
Ao eliminá-lo, vai-se com ele a frustração.
Se nada me falta, há poder de sobejo
+
-

14 de novembro de 2011

Dialética: Dois logos, Um caminho

O diálogo como desenvolvimento pessoal

Conversar, debater, dialogar, enfim, a arte grega da dialética como processo de autoconhecimento e resolução de conflitos ou impasses, ou apenas um agente de mudança de perspectiva, a fim de alcançar uma unidade que de outra forma não seria atingida. Para tanto, é preciso haver dois sujeitos de opiniões distintas e, se não convictas, bem embasadas, além de humildade para reconhecer a força da argumentação contrária. À primeira vista pode parecer, mas não é para ser uma queda de braço com objetivo de subjugar o adversário por meio da retórica. Pontos de vista de longa duração dificilmente serão alterados após um confronto de ideias, o importante é a tomada de consciência de que a própria opinião pode ser enriquecida com detalhes não percebidos antes das formulações postas pela outra pessoa.

O imperativo de se sentir e de querer ser valorizado através da exposição dos argumentos, ou dos princípios professados, pode gerar a impressão de que se está sendo arrogante; às vezes se está sendo mesmo, mas não conscientemente, é apenas a necessidade de poder se manifestando através da fala mais prolixa e incisiva. Para muitos falta o conselho de alguém dizendo para pegar leve, que se está exagerando, que ninguém precisa ouvir sentenças impositivas e achá-las agradáveis, além de que dificilmente uma opinião será alterada desta forma: na marra. Assim sendo, o prepotente poderá se tornar alguém cortês, mesmo com opiniões fortes e pouco ortodoxas, e desejável num círculo de debates, sendo mais observado e influente com a nova atitude.

Em um relacionamento isso se apresenta como fundamental, afinal a maioria das discussões provém de ideias ou atos reprováveis que antes não foram esclarecidos como detestáveis. Pode acontecer de um dos dois querer passar por cima só para irritar ou demonstrar que está em situação superior ou independente ao outro, algo que não aconteceria se tivesse havido uma predisposição para deixar bem claro o que se pretende ou quem se é. A individualidade, a sinceridade e os dilemas são subjetividades que quase todo mundo prefere fugir a enfrentar de uma vez, postergando para um futuro qualquer, é claro que no formato de uma bola de neve.

Não vou ser tolo para afirmar que a solução é ser totalmente sincero, porque todos sabem que muitas coisas escondemos até de nós mesmos, imagina para um outro que inevitavelmente é diferente e provavelmente estará contrariado em ouvir ou ver algumas verdades. Porém, um meio termo entre as partes pode ser acordado, de preferência antes que aconteça a situação desagradável. É difícil, gostamos de manter as aparências, de olhar para as coisas boas e de ignorar os defeitos, sofreríamos se convivêssemos, o tempo todo, com a dura, crua, terrível e tenebrosa realidade, sem as fantasias metafísicas que nos consolam e nos convencem de que o amor existe. É isto, temos medo do que poderá nos incomodar e entristecer a ambos; a fase de desencanto e término de namoro nós preferimos manter embaixo do tapete, que é quando a crise irrompe, magnífica.

Atualmente, com tantos seres mimados espalhados pelo mundo, essa minha premissa (queremos fugir a enfrentar as dificuldades) se torna evidente. Todos se acham certos, pois são o centro do mundo, e desejam apenas usufruir do outro em seu melhor, e quando os defeitos começam a emergir, tanto do outro como de si, a maioria foge para sua redoma confortável, no colo da mamãe ou do computador. A humildade de receber críticas, ou somente opiniões divergentes, para melhorar a própria personalidade ou conduta, encontra-se ausente. Após bastante dengo, aplausos e aprovações, as pessoas se arrefecem, optando por seguir o fluxo do mundo, que tende a forçar todos a se adaptarem – seja para mudanças de comportamento na aparência ou na ética –, apenas naquilo que lhe for mais conveniente, que não à toa costuma se resumir à postura externa, mais facilmente percebida e elogiada.
O poder, que traz o sentimento de glória, provoca na maioria dos sujeitos mudanças externas, contudo o padrão mental permanece; as modinhas vem e vão e o pertencimento (pela aceitação dos demais), ao se aderir a tal tendência, é o suficiente para essas pessoas, pois já cumpriram com seu dever de retribuição social ao sem coniventes com o que vem sendo feito. Elas não se aprofundam e acabam não mudando o mundo e nem si mesmas. O motivo é claro, não quiseram ouvir impactantes ideias que mudariam seu caráter, logo estão ainda numa zona de conforto, e não se fizeram ouvir, ou por não terem personalidades ou por não aceitarem o desafio de pôr à prova desejos e anseios que provavelmente a maioria discordaria ou faria pouco caso.

O etnocentrismo é um padrão universal de comportamento das culturas. Cada indivíduo tende a ver as coisas a partir do grupo em que está inserido, em especial a família, os vizinhos, a escola, o trabalho e os amigos, e chama o que vem de fora de “bárbaro” ou de algo semelhante. A globalização e a mais intensa troca de informações e acesso a diversos saberes e culturas deveriam ter reduzido essa mania de se achar sempre certo em relação aos demais, porém a teimosia em não dialogar com o diferente permanece. Talvez pela importância demasiada que cada indivíduo dá a si mesmo, ou então porque as relações que se dão com os mais diferentes indivíduos são superficiais, sem alterações de fato na mente e nos julgamentos morais. Enquanto isso vou debatendo e dialogando, claro que sem a frequência devida, mas ao menos de forma crônica e observando a importância disso para meu desenvolvimento. Creio que está sendo positivo, apesar de já ter sido acusado de ter me tornado outra pessoa, quase irreconhecível, embora eu insista que a minha “essência” permanece.
=]

P.S.: Post sem qualquer consulta bibliográfica, exceto a do Aurélio, que sempre me acompanha.

13 de novembro de 2011

Duas Antigas, por algum motivo, não antes publicadas

Corner Club

Ali eu consertei contigo meus erros
E em mim recuperaste a confiança
Enfim, ignorei uns antigos medos
Assim, ruína foi minha segurança

Lembro de nosso beijo choroso
Eu, tão sensível quanto um Caetano,
Demonstro como estou pesaroso,
Embalado por Los Hermanos

Era especial de Cazuza e Raul
Cruzando olhares escuros, te enganei
Quando soubes e choraste, respeitei
Porém, pareceu guerra em Cabul

Por lá, penso em ti, em nós; nada bem.
Só, eleva-me o favor de um alguém
Aprenderei o que é desapego,
Após tanto tempo, tanto apego?
Espero que sim, e tu também.
Fim é o começo, não somos reféns
|

Camaleoa

Ficarei para sempre grato
Pela compaixão de seu ato
Eu, num blues day, ignorei-a, altiva
Surpreendi-a, reparei-me, que viva

À alegria que transborda quero me juntar
As diferenças contornáveis instigam.
Magnético: opostos atraídos ficam!
Desconheço o perfume, conheço seu ar

Como dizer quem é mais arisco?
Ela é arredia, em primeiro seu orgulho
Desdenho as dores vindas dos riscos,
Fazem meu dia os beijos ao muro

Miro a lua cheia deste réveillon
Passado sem ela, não há de ser bom
Dela recebo uma boa surpresa;
Nada de resposta, vem a tristeza

Sua vaidade e a minha vontade
Ao menos em um a paixão arde
Duas garrafas não afogam as mágoas
Bebo e me curo nas mesmas águas

Dividir espaço e tempo - estima
Deu-me esperança - um bom alento
Colocar a felicidade acima
Mais que a consideração e me contento
-

P.S.: Ou elas estão em algum lugar e eu não percebi?

20 de outubro de 2011

Praticamente um rapsodo

Pacato marinheiro

A estória a seguir é de um marinheiro:
Agora sente o odor da densa maresia
Enquanto rememora os fatos, com ufania,
De quando fazia estada em navios cargueiros

Deleitava-se em vestir o fosco escafandro;
Diante da vida marinha era um assombro:
As algas, o sal, a água e seus meandros –
Cefalópodes, crustáceos e cetáceos

Retesava velas, bem aprumadas,
Acelerando o barco em alguns nós.
Gritava a seus ínclitos camaradas:
“Sintam o zéfiro de encontro a nós!”

Às ordens do insigne comandante
Empertigava-se, por diplomacia,
Mas não ao avistar bucaneiros errantes,
Pérfidos que suscitam aleivosia

Ao deglutir alimentos adstringentes,
Que irritavam sua gorja, ele finalmente
Se punha a pigarrear ou a gorgolejar,
Se não houvesse náusea, quando ia gorgolar

Se a embarcação tivesse de engolfar,
Torcia para ver os astutos delfins
E em portos délficos golfe jogar,
Então esgotado, é delfino tornado, enfim


Quando será a sua hora?

É uma pintura: risca e arrisca, surge o artista!

Quem é o maior cidadão do mundo?
Qual é o lado que me faz profundo?
Quanto tempo falta para lhe esquecer?
E quando é a hora para amar você?

Deve haver algo a mais àquele que busca a paz

Quando é pior invocar o orgulho?
Em qual lago límpido eu me misturo?
Quem é que vai a Malta para envelhecer?
Quem vê a lua nova em meio ao fumacê?

Se ela diz que sim, vem a mim um belo marfim

Como pode o mago trespassar um muro?
Quantos altos fados parecem barulhos?
Por que um homem mata e logo diz amém?
Até onde eu vou andar a fim de me aquecer?

Sei que não dura, ela acusa, escusa e infusa

Quem é o maior cidadão do mundo?
Em qual lago límpido eu me misturo?
Por que um homem mata e logo diz amém?
Quem vê a hora andar tende a desfalecer

2 de outubro de 2011

Os muros ruem num festival

Um Cochilo

Durante a guerra, eis que encontro
Um rato, adoecido, na agitada relva
Tento tratá-lo, não sou veterinário,
O roedor morre de frio; ouço um badalo.

Mas não, são bombas, minha face,
Por efeito moral, se desfigura.
Ninguém está por perto, há silêncio;
Um estrondo, bum! O sonho é um pesadelo...

Cochilo no colo de minha mulher
A circulação da perna se interrompe
Meu pé parece inchado de cachaça
A visão de duas mulheres se esvaece

É um beco sem saída, não sem vida,
Gritaria minha assusta um transeunte:
É o despertar do adormecido ciúme
Paciência talvez também seja ciência


Morremos Jovens

Ouça, se eu vier a morrer jovem,
No entanto quem não morre jovem?
Você diz que chorará por mim,
Mas, de fato, chorará por si.

As minhas se cinzas se espalharão;
Jogue-as em alto mar, às algas,
Peça isso ao cortês capitão
No fundo, as vidas ficam análogas.

O luto perdura por certos dias
Rejeite a contumaz melancolia
Seu comodismo não corrobora
Com os seus atos comigo, até agora.

Enfim me sinto como mais um só
Na multidão meu ser pôs-se anulado
Doravante, eu restarei isolado.
Vivemos juntos, morremos a sós.

27 de setembro de 2011

Amor platônico ou ciumento

É importante efetivar desejos e necessidades, mais para um conforto físico e, posteriormente, psíquico, do que para a completude de uma metafísica que teima em imperar em um indivíduo, mas que é mais comum não ser plenamente satisfeita, ora pelo sonho ser exigente demais, ora pelo desencanto natural da realidade. Quando uma pessoa se sente incondicionalmente atraída por outra, devaneios, delírios e fantasias manifestar-se-ão espontaneamente, afinal o desejo é mais importante que o objeto desejado. Veja, às vezes é melhor manter o amor platônico; alguns protestarão com o argumento da covardia, outros pelo empirismo ou pela primazia da tentativa (”quem não arrisca não petisca”); enquanto os defensores da fantasia dirão que cultivaram um amor, ainda que não correspondido, infelizmente, por ora.
De perto todos têm defeito, quem sabe os ficcionistas ou pessimistas não estão prontos a conviver com o confronto com a realidade “nua e crua”; contudo, se não mudarem de perspectiva nunca estarão! O castelo ruirá, o conto de fadas se dissipará, o príncipe se tornará sapo e as princesas parecerão bruxas. Pois bem, se o importante é ser feliz, uma vida virtual, fantasiosa, figurativa ou superficial seria, definitivamente, escapismo? Ou apenas cascas e máscaras devem brotar, sendo forjadas a fim de encerrar a ingenuidade de adultos ainda infantis?
Uma religião diferente, pontos de vista contraditórios e inconciliáveis, manias e cacoetes que emanam da linguagem corporal, indisciplinas e indulgências, educação e origens diversas, que deságuam em discussões difíceis de contornar, são exemplos do desmoronamento da pirâmide de cartas que cada um cria para se iludir e obter bem-estar. Ora bolas, também quem se relaciona tem expectativas platônicas, este apenas se arriscou – o passo decisivo – em realizar seu sonho, que com certeza não será uma cópia fiel no mundo material, mas que poderá ser uma versão 2.0, isto é, se o desejante tiver poder suficiente para mudar e ceder até onde achar conveniente e ainda convencer o parceiro em se tornar quem ele conjecturou.
Deixe o romance platônico acontecer apenas no sublime mundo das idéias, que mal pode haver? Bem como, que deixem os sujeitos superficiais manterem relacionamentos quase que contratuais, se a transa é boa porque embotá-la ao se querer conhecer o outro? Que a imaginação flua e hologramas surjam, pois é o que a memória arquivará, sendo reabertos em momentos de boa nostalgia. A prática já é árida demais, pode haver retórica que impeça essa metafísica hedonista de existir?
As mulheres têm o costume bobo de apagar da memória e varrer do quarto as recordações de antigos amores fracassados, como se não tivessem sido importantes e não as tivessem tornado pessoas melhores e mais amadurecidas. Além de possuírem o corriqueiro ciúme mesquinho, uma mera insegurança: vergonha idílica de não serem rainhas para seus respectivos companheiros. Replicam com a tese de “quem ama cuida”, ou “só quem sente ciúmes ama”, entre outras falácias circunstanciais. Isso não passa de possessividade e tirania, corroborando a idéia de que o desejo é mais importante do que o objeto desejado.
Se não houver concordância, o enciumado faz uma tempestade, até que seja aceito seu tolo argumento, se não, partirá em busca de alguém “mais compreensivo”. A relutância do sujeito analítico do ciúme em aderir totalmente a essa premissa ilógica (ciúme é amor) não tem o incomum desfecho de obsessão/paranoia. A liberdade, então, só será permitida em companhia, a vigilância é contínua, para combater a desconfiança contrata-se um segurança. Isso porque o amor-paixão, o verdadeiro, aquele das almas gêmeas, é raro, para os demais o remédio é a tolerância. Portanto, aquele que ama tem que convencer o amado de que merece ser amado da mesma forma intensa, e será ensinado a tanto. Porém, isso é coisa que se sente, não é aprendida.
Por fim, a questão que se coloca: o primado é ser feliz ou ter poder?

3 de setembro de 2011

Sem títulos, há algum tempo

Tautologias

As pessoas são diferentes, elas divergem, distinguem-se, a discrepância idiossincrática torna-se mais saliente à medida que são vistos e analisados os detalhes (microcosmo). Há gente, ou agente, que é cortês, gentil, aprazível, empática e educada; há, ainda, aquela que tem interesse espontâneo, é prestativa, obsequiosa e civilizada. Por outro lado, existe o sujeito egocêntrico e incivil; insolente e narcisista; áspero, ignóbil e vil; severo, abjeto e personalista; tosco, grosseiro e ríspido; primitivo, sórdido e estúpido; rude e de difícil trato social; enfim, desabrido, estabanado e boçal.
O primeiro indivíduo deve criar casca e invólucro, isto é, revestimentos, ao surgimento de desventura e desastres, à apresentação de tragédias (que aflição), ao aparecimento de infortúnio e desgraças e à manifestação costumeira da má educação, enquanto a outra personagem deve reduzir sua arrogância, soberba e desdém, aprender sobre simpatia e apreender a alteridade. Vejam, ao ser útil a alguém evita-se uma calamidade.
Todo humano carrega a sua própria história. As decisões tomadas e os acasos levaram cada um à sua atualidade; que não restem desculpas mas responsabilidades. Até o ocaso! Compreender os motivos por trás das visões, noções e conceituações pensadas, imaginadas e sentidas por cada pessoa facilitará o convívio e as relações. Abandonem os arpões...


Androginia

São tempos confusos, há androginia:
Mulheres se tornando masculinas,
Homens de aparência tão feminina.
Contudo, cultivo a filoginia

Fora outrora sagrado o hermafrodita,
Mas agora deixa a sua mãe aflita,
Assim como os burlescos travestis;
Haja maquiagem para o zumbi!

A amarga aspereza dos machos une-se
À vaidade das fêmeas, muito forte.
Agir feito avatar se tornou esporte
Até seria legal, se alguém risse

Obnubilado mundo, em difusões,
A subterfúgios superficiais,
Sem exposição do íntimo, banais,
Vão esses levianos, a tropeções

Há um certo medo em ceder confiança
Dizem, afinal: “O inferno são os outros,
A reciprocidade é uma ignorância”
Compreende-se como são os canhotos...

27 de agosto de 2011

Enquanto isso, no Café...

Entre burburinhos e risadaria:
- Hey brother, esse povo se expõe demais, é nítida a atitude dos mais jovens, que parecem achar que o mais importante é a imagem, querem a fama acima de tudo, mesmo sem terem talento, justificativa para o sucesso e base psicológica para alcançarem e sustentarem essa exposição, bem como o julgamento dos desconhecidos que isso acarreta.
- Concordo contigo, por medo e pela superficialidade das relações muitas pessoas crescem com déficit de caráter e sem formação ética do que é uma sociedade forte; então, vemos os juvenis mostrando suas intimidades a quem não lhes interessa realmente, enquanto se fecham a quem deveria realmente importar. É como se julgassem que o outro também se satisfizesse com a falta de profundidade, pois é conveniente perceber as qualidades que cada indivíduo acha que possui e escolhe transmitir, ficando a vaidade confortável com o mundo da aparência e com os defeitos todos escusos, supostamente.
- Pois é, pois é, são juvenis e incautos... Como se não houvessem símbolos inconscientemente transmitidos, ou ainda, como se cada significante não formulasse sua própria verdade, que inevitavelmente é diferente de quem a comunica. Muito por culpa da mídia, esse reino de duas almas contrapostas, a busca pela verdade sem hipocrisias, e a busca pelas matérias que rendam anunciantes e mais vendas.
- Ah, a mídia, essa rainha do segredo aplicado, que informa e também desinforma, mas que, sem dúvida, forma um mercado leitor-consumidor, ávido pelo prazer das notícias e que alimenta e é alimentado pelas corporações marqueteiras. São negociantes e clientes com almas despedaçadas, com astigmatismo, impossibilitadas de ver além do aqui e agora.
- Sim, conseguir enxergar a médio e a longo prazo é um talento restrito, nossos ancestrais se contentavam em planejar o sustento da semana. O imediatismo, a fugacidade e o hedonismo devem lidar com o tédio, a preguiça e o vazio a que somos estimulados, num mundo onde quase todos os valores ruíram. O que restou? O individualismo e a necessidade de pertencer a um grupo idiota qualquer para poder ser rotulado de descolado e participativo. Porém, o interesse de fato na solidariedade e na construção gradual de uma sociedade mais sólida em termos econômicos, técnicos, de qualidade de vida, de maior equidade social e de formação ética e educacional fica para os velhos e tiozinhos de cabelo branco que em algum lugar mandam no mundo.
- Perceba, quem é que consegue enxergar e olhar claramente além de 50 anos? O homem e as sociedades foram se formando com o passar de muitos anos e nós mesmos somos agentes de transformação delas; querendo ou não repassamos valores, e se não os contestamos, ficamos coniventes com o presente que nos é imposto, jogando a culpa na tradição. O mundo continua a fluir e continuará desse modo enquanto houver vida, porém o humano é o que mais teve poder e possibilidade de mudá-lo, e com as tecnologias atuais pode mudar quase tudo, a seu bel-prazer; grande perigo que deve ser remediado com profundas reflexões éticas de pensadores, juristas e especialistas do momento.
- É, mas a ciência não tem resposta para tudo; ela se roga como a maior autoridade do momento, cadeira que antes era dos teólogos e dos sacerdotes, e pensa legitimar todas as verdades advindas dela, esquecem os cientistas que mesmo a fria e insensível lógica, e demais processos científicos, são construções humanas, portanto passam por questões morais e éticas, que relativizam as verdades. As conclusões sempre serão passíveis de dúvida e de suspensões de veredictos.
- Gosto dessa abordagem, a ciência sempre será humana, porém não é suficiente às vivências rotineiras, cabe às religiões, às artes e às filosofias esse papel de dar sentido à vida, tanto em comunidade quanto isoladamente, na medida do possível. Você já conhece minha postura crítica, polêmica e restritiva à religião – quero evitar me delongar ainda mais sobre ela; através da arte cada pessoa poderá explorar aspectos da própria vida e expor sua perspectiva da realidade, se permitindo abrir ao mundo e engajando outras pessoas a fazerem o mesmo: que todos sonhem, inventem, trilhem seus caminhos e sejam criativos, há infinitas maneiras de fazer e de perceber algo, porque continuar a repetir, a repassar, sem ruminar, o que foi recebido? Numa linha semelhante encontram-se as filosofias, elas traduzem em linguagem mais racional, esquematizada e metafórica essa atitude artística da vida, respeitando e estimulando a liberdade, as singularidades e subjetividades de cada ser, admitindo realidades paralelas e pensando nas implicações éticas e políticas de tamanhos interesses, diversos e difusos.
- Depois dessa aula, preciso tomar um gole deste líquido precioso (glup, glup). Ahhh! Pensam que os juízos moldam nossos desejos e anseios, mas ocorre o oposto. É a armadilha de ser racional demais, quer-se aperfeiçoar e acaba com o efeito inverso, de se sair prejudicado. Essa lógica instrumental destrói a auto-conservação, passa-se a viver um pesadelo, que gera emoções negativas, viciosas. Emoções positivas, que dão alegria, bem-estar e maior ligação com a natureza e a vida social é que deveriam ser almejadas, também penso que a arte e a inversão de valores nocivos à experiência corpórea e intelectual sejam um bom caminho a ser perquirido.
- É, às vezes temos insights maravilhosos que dificilmente são expressos em linguagem vulgar ou comum, mas eles são sensações únicas, quando a terra se abre e o véu de Maia é retirado; apenas o indivíduo consegue entender, e aqueles poucos mais desenvoltos em simbolismos alternativos conseguem explicar e traduzir esses signos tão pessoais. Ocorre então uma emancipação, uma salvação, uma autonomia, por um meio aparentemente egoísta, mas que é compassivo, pois há o desejo de que outros tenham o sentimento de pertencer à humanidade e de sublimar a existência, e sem moralismos!
- Sei, é como se conseguíssemos parar o tempo, retroceder e avançar o olhar e então se orgulhar da própria vivência e da tentativa de melhorar o mundo. A liberdade esclarecida e o existencialismo que se abre à alteridade, sem enterrar a metafísica – sem recorrer a um materialismo radical que tudo objetiva e quer arrogantemente controlar –, admitindo fluxos, choques e afetos, como uma saída, mesmo que provisória, isto é, transitória a certas fases da vida, contudo satisfatória aos tormentos emocionais e às assustadoras contradições racionais. Não que esses terríveis fantasmas desapareçam de uma vez por todas, mas descansarão toda vez que se recorrer às livres meditações esclarecidas e solidárias.
- Eu gostaria de me dividir em quatro (um para estudar, outro para trabalhar, mais um para se divertir e outro para se relacionar), a fim de continuar essa construtiva e fluída conversa que tivemos, mas como sou apenas um, devo ir embora e cuidar da vida, até mais, valeu.
- Até mais ver, obrigado pela conversa de nível.

25 de agosto de 2011

Apenas duas opiniões (doxas)

1 - Questões metafísicas persistem, as neurociências, que passaram a assumir o encargo (momentâneo) da filosofia contemporânea, o de acabar de uma vez por todas com a agourenta metafísica (para os lógicos, racionalistas e materialistas), parecem se julgar – sem qualquer modéstia – detentoras da teoria de tudo, assim como ramos especulativos da física, que já dão sinal de desistência dessa empreitada hercúlea, para não dizer onipotente. Basta aceitar o perspectivismo e a psicologia tradicional, que admitem subjetividades únicas, que por vezes são classificadas no mesmo rótulo ou padrão apenas por analogia, uma necessidade imperativa da nossa lógica maníaca.
Se fossemos apenas a matéria, ou seja, o cérebro destituído de mente/alma/espírito, um conjunto, mesmo que complexo, de processos físico-químicos, estaríamos reduzidos a um órgão, isto é, o eu, o indivíduo, o ser humano, seria a sua massa encefálica, e qualquer afirmação no sentido de efetuar projeções, imaginações e ideologias seriam quimeras de um maluco metafísico; que coisa ultrapassada há tanto tempo! E olha que quem simplificava e reduzia em generalizações interessadas a realidade (aparente e/ou efetiva) eram os primeiros cientistas e pensadores. Sugestões e conclusões oferecidas por filósofos da mente devem servir como contraponto ao reducionismo acima criticado, a fim de compreender melhor o que é humano, que com certeza é mais do que algoritmos e gráficos extraídos de ressonâncias magnéticas.
Enfim, eu defendo que temos que acreditar em alguma coisa, pois o cinismo e o ceticismo, que são radicais no sentido estrito, ficam parecendo atitudes de idiotas, um escapismo, uma avocação de posturas supremas, porém sem sentido, apesar do rigor lógico intrínseco a essas correntes de pensamento. Porém, o homem não é uma máquina que só executa ordens, mesmo que internas (da própria psiqué), é preciso conviver com as contradições, oras; só os tolos desejam e advogam nunca cair em paradoxos. Afinal, o princípio da não-contradição não resolve problemas existenciais, um pouco de pragmatismo é importante.

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2 - Em problemas e realidades tão atuais e recentes, sob mudanças e transformações provenientes especialmente da rápida evolução tecnológica e das invenções e traquinagens que mais servem para fins hedonistas do que utilitários à sociedade em geral – leia-se desfavorecidos de primeiras necessidades –, velhos hábitos, antigos conceitos, ultrapassadas práticas, deslocadas atitudes, noções démodés, todos eles permanecem, portanto não realizam efetivas mudanças. Assim como a legislação não acompanha, na mesma velocidade, as mudanças sociais, as pessoas não se associam ao avanço técnico das máquinas e teorias científicas, mundos paralelos emergem e submergem continuamente.
Na tentativa de pensar sobre temas demasiado contingentes, autores elaboram teses e expõem conclusões incipientes, que pululam a toda hora, dessa forma é possível que diminua o hiato entre o que acontece e o que é inferido historicamente (de forma verdadeira), devido ao crescimento exponencial do número de análises – mesmo eu sabendo que quantidade não significa necessariamente qualidade. Todavia, é óbvio que antes de dez anos nenhuma tese se solidifica, se surgem obras que influenciam fortemente alguma área do saber, é de se desconfiar, é provável que houve um mero comportamento de manada.
A aparência, que no mundo da imagem parece ser tudo o que pode haver (num primeiro momento), domina e influencia; afinal, instintivamente tendemos a favorecer os apelos visuais, e quanto mais chamativos eles forem, mais a memória atuará em esforço conjunto com as específicas redes neuronais para guardar a lembrança, e os sentimentos e seus hormônios correlatos atuarão identicamente, para que deem a impressão de lembranças vivas e frescas, quando de seu resgate. É o mundo da pose que insiste em se sobrepujar ao senso crítico. Contudo, sobre a prevalência dos sentidos ou da razão abstrata, fico com o antigo ditado “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”.

30 de julho de 2011

2 para manter a média mensal

Regurgitar

Metafísica, que pode falsear memes,
Todavia reúne razão e episteme
A existência, com suas ontologias,
Parece, mas se difere das fantasias

Exprimindo o cinismo que me é peculiar,
O ceticismo que irrompe do particular,
O ateísmo, à minha reputação recorrente,
E as críticas sobre a forma e a matéria, mormente

Recuso, refuto, rejeito, regurgito
O que eles – incautos, sensíveis e ilógicos –
Chamam de alma, entidade ou sobrenatural,
O incorpóreo - sem matéria e espiritual

Talvez pela falta de fé eu me coroo;
Algumas verdades eu rotulo de ilusões
Há também o oposto e demais combinações.
Não julguem o fenômeno, assaz restrito,
De energia sem causa; entendimento, insisto!

&

Apelo à estação

Divague sobre a nouvelle vague,
Divulgue-a sem pressa e sem vagar
Noviço, sem apelar a convícios,
Que atropela o serviço, sem vícios

A tentativa de instruir o menino,
De obstruir o malogrado destino
É a alternativa de destruir o fascínio
A fim de construir seu autodomínio

É sabido que a admoestação da libido
E do que mais for assim tão descabido
Será a manifestação do proibido
E a gestação dos que foram sucumbidos

Está, então, concebida a contestação
Do ressabido: tem-se uma infestação
De zumbidos do exibido e deslambido;
E uma prestação de contas do inibido

22 de julho de 2011

Devagar a Divagar

Veja bem, ou vejam bem, hoje divagarei, ou melhor, neste post escreverei sobre banalidades, sobre ideias difusas, ora confusas e obtusas, ora inertes ou meros flertes. A princípio este blog foi parido para que eu mesmo começasse a parir meus pensamentos, a fim de me conhecer melhor, principalmente, mas também para conhecer melhor o mundo, para tentar me expressar melhor e para me sentir bem melhor – pesos tendem a derrubar qualquer um, meu pessimismo precisou aprender a lidar com as adversidades.
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Ando escrevendo pouco, eu sei, ou então nem é tão pouco assim, mas como tenho lido coisas tão diversas e interessantes, acabo sentindo que escrevo menos do que eu gostaria. O fato é que estou conseguindo crescer sem a necessidade de me expressar por este meio, são por outras maneiras e não me disponho a elencá-las, at least not right now!
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Circunstâncias diferentes acabam levando a ideias e opiniões diferentes, é inevitável, estou apreciando a nova fase. Somos egoístas, porém as perspectivas me levam a compreender melhor os outros lados, as outras pessoas, os fatos passados, as minhas atitudes e conceitos; revejo e reflito; naturalmente as mudanças chegam, elas não são abruptas como parecem, perceba que as sementes explodem sob o chão, contudo a situação indicava que aquilo aconteceria, anyway, nós apenas teimamos e relutamos em aceitar o contínuo fluxo das informações e dos organismos. Êtes vous plus Zen.
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Meu niilismo foi superado, continuo contestador e com opiniões peculiares, porém ânsia por um sentido da vida e a negação de todo e qualquer valor ficou para trás. Essa tendência de um ateu mandar tudo às favas e pensar em destruir porque nada está bom ou faz sentido são as turbulências da transição; todo começo é difícil, mas veja bem, toda mudança é um começo e uma continuação do que havia antes, o processo é dialético, os resíduos da construção anterior permanecem, sobretudo a cultura, os memes, as informações subjetivas, fluidos sutis que não desaparecem, no máximo obliteram após um longo tempo e árduo esforço de transformação.
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O existencialismo é uma salvação filosófica do vazio, do nada da contemporaneidade, e se oferece sem muletas, cada um se esforçará por uma vida autêntica, livre ao máximo de influências fúteis e tristes, com valores que vão fazer sentido a esta única pessoa: o ateu que acredita na vida e no progresso pessoal, social e da natureza. As pessoas não deveriam precisar das religiões, todavia num mundo de rebanho isso se faz necessário ainda, infelizmente, bad lucky for them. Porém, de filosofias o homem sempre será carente, pelo menos enquanto não se tornar máquina. Bem como ele precisa de ciência e tecnologia, mas com um dosador realístico, consciente de si, a fim de não se tornar um escravo de inovações muitas vezes supérfluas. E necessita, sobremaneira, da arte, não apenas para ver e apreciar, mas para se expressar e se esforçar em compreender a si mesmo emocionalmente e intelectualmente, afinal o ato artístico envolve lógicas e padrões, bem como o insconsciente e as intenções desconhecidas, ou ainda l’art pour l’art.
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Contatos, mesmo que superficiais com a sabedoria oriental me levaram a esse preenchimento. Lições importantes a um mundo globalizado pela dominação ocidental, em especial a do imperialismo americano, é claro. Pois bem, as influências dos EUA foram, majoritariamente, a do cristianismo protestante, a da democracia liberal e burocrática e a do capitalismo, com os judeus dando várias mãos para que ele vingasse bem. As filosofias orientais pouco se fizeram presente, até mesmo porque elas surgiram em cenários de restritos recursos naturais e em locais densamente povoados, o oposto do nascimento do USA. O resto da América acaba engolindo esse materialismo frio, consumista, contratual, competitivo, com um orgulho quase que tribal, e se esquece que isso tudo foi criado artificialmente e em muito pouco tempo, relativamente. Sabedorias de séculos, de milênios – sem correr o risco de proferir uma hipérbole –, não podem ser ignoradas, escamoteadas e escarnecidas, devem ser apreendidas; a vida não se faz só de dinheiro e status. Além disso, o cristianismo é, indeed, enganação e hipocrisia.
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Para finalizar, desviando do assunto, ou não, afinal também diz respeito ao tio Sam, queria expor rapidamente sobre a intolerância. Todos querem se sentir superiores; ser orgulhoso e vaidoso é natural no homem, nosso instinto bairrista, etnocêntrico e antropocêntrico nos inclina a se sentir bem onde estamos; os outros – “l’enfer c’est les autres” – são piores, uma vez que são “exóticos, profanos, ignorantes, amaldiçoados, infelizes” e termos depreciadores afins. A nossa ética nos diz para lutarmos por um mundo e uma sociedade na qual acreditamos, então rebaixamos quem não se comporta da forma correta idealizada por nós, que somos os outros também! Só que ser um moralista é cair no erro de legitimar os conflitos, pois as visões são inúmeras, então todo mundo que tiver uma opinião diversa poderá agredir seu oponente, o que é um absurdo.
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Agressões a gays, ateus, adúlteros ou mendigos nunca deveriam ocorrer, pois essas pessoas não ferem a dignidade e o direito de ninguém mais por serem assim, enquanto se abstiverem de provocar o próximo; a justiça e o revide são legítimos, mas não quando esta “agressão visual” choca os mais conservadores ou os sensíveis. Todos têm o direito de causar o mal a si (se o outro assim entender), pode até ser ultrajante alguns casos, como sexo explícito e jogatinas a céu aberto, porém, clubes e locais específicos devem ser liberados, pois há consentimento mútuo na participação de seus membros, logo não faz sentido proibir puteiros, cassinos, casas de swing, cerimônias gays de casamentos, entre outros atos, desde que sejam privativos, consensuais e dentro dos requisitos legais. A briga deve ser pacífica e nos argumentos. Lobbies ocorrem porque hoje o que manda é o dinheiro, mas quem sabe um dia o que comandará será o melhor embasamento técnico e social.
=
Talvez eu não tenha estruturado tão bem meus pensamentos, mas me livrei de passar mais de um mês sem fazer uma postagem sequer. Écrit, mon fils, écrit!

30 de junho de 2011

Hobbies e Ociosidade

O ócio, isto é, descansar, vagar; a inação, a moleza, a suavidade agradável; um privilégio da vida folgada, que se distingue de seu oposto, daquele que nega o ócio, pelo trabalho – que para nós, brasileiros, majoritariamente assume o sentido original de sacrifício ou tortura –, pela labuta, que nada lembra o lazer e aliena, segundo a corrente marxista. Sociedade que define papéis sociais aparte da existência plena e total do cidadão, ao contrário dos indígenas e primitivos, que tudo misturam– vida espiritual, produtiva, material e social.
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Mas o discurso para convencer os “colaboradores” é de integração, de equipe, de realização a partir do esforço em garantir o lucro e melhorar a organização. Vontade modelada e moldada para todos serem mais uma das peças do sistema e da ordem (pré)estabelecida de cima para baixo. Formas inconscientes de comportamento em mensagens sublimadas e subliminares pela coação das expectativas do mercado. Como no esporte, o importante é vencer e ter sucesso, quando o fato é gostar de ser marionete. Mesmo com a alienação industrial, seria ingenuidade pensar que não haveria efeitos colaterais no indivíduo. Durante o tempo livre, ele continua amortecido e condicionado a seguir a marcha da retórica conservadora. Liberdade organizada, vigiada e estressada, concordo... Não, como assim?!
/
Ou vive-se para trabalhar ou trabalha-se para gastar em diversão, bem é verdade que para os privilegiados que podem fazer sobrar dinheiro após os gastos com contas e demais obrigações diárias e mensais. Contudo, até mesmo os pobres se sentem pressionados em gastar com coisas que não sejam indispensáveis à sobrevivência, então muitos acabam se endividando. A adrenalina sentida ao usufruir de seus hobbies muitas vezes é argumento suficiente para os gastos extravagantes. Torna-se um vício que dificilmente se consegue se desfazer, um tema ubíquo das conversas tolas. É o entretenimento, o hedonismo, como o sentido da vida, um sinal claro e simbólico do esvaziamento ontológico da sociedade ocidental. Essa obsessão e paranoia tende a ser vista como psicopatologia, mas é claro que todos precisam de lazer, a prática de atividades relaxantes inspira e afasta a melancolia.
*
O hobby torna-se o “matar o tempo”, que sem dúvida mata as pessoas, em contrapartida. Tudo delimitado e burocrático como a vida no escritório, na oficina ou na fábrica. Para se adaptar deve-se renunciar à fantasia, sendo mais objetivo e menos subjetivo. Norma voluntariamente aceita de que a carreira e os planos devem permear as demais áreas da vida. Afinal, tempo é dinheiro, deve-se correr atrás do lucro e fugir do prejuízo. Ué, cadê a tal folga? Ética protestante que sempre vê com maus olhos a vadiagem, a miséria, a inutilidade e até mesmo o avarento ou poupador, pois o objetivo da vida é o sucesso e a salvação, claro que através da grana, a si e ao senhor, e não por meio da contemplação e do repouso monetário.
-
A indústria cultural precede o gosto da massa popular, regulando seus hábitos e inculcando o sonho da fama; ela compensa a morte de Deus com outros ídolos, cada vez mais coisificados; de preferência exclui-se o gosto pela reflexão, revertendo o esforço durante o lazer em aborrecimento. Ou então sensacionaliza, para que o pacato cidadão se sinta representado e tenha exposta a sua indignação à violência que sofre diariamente. Pois bem, isso não passa de fuga sadomasoquista. Fica a pergunta: onde são localizados os interesses pessoais, livres de influências hipnotizantes da grande mídia?
³
Propaganda, pressões de colegas, da vaidade forjada e da mídia onipresente que idiotizam ao dirigir a felicidade à aparência, ao supérfluo e ao consumo. Que cada um pense que faz o que tem vontade, no mundo liberal, todavia a ilusão é espalhada por esses mecanismos suplementares de controle e manutenção do status quo. Diversão superficial que é inventada em prol da produtividade; massa adestrada que nunca se realizará, visto que foi destruída sua capacidade criativa, não foi incentivada para se expressar autenticamente, restringe-se em imitar, ou a praticar artesanato, no máximo; cópias em série, o mais do mesmo, paródias, o lugar comum, que faz nascer o tédio, que logo é suprimido pelo surgimento e usufruto da moda da última semana. Tem-se a semiformação cultural através da padronização das condutas. Tudo é transformado em mercadoria, cada uma com seu preço justo, de oferta e procura. Ora, com essa comercialização perde-se o sentido desejável, autônomo e idiossincrático de reflexão, emancipação, espontaneidade e protesto.
£
Nichos e mais nichos emergem como resistência e movimento alternativo (contracultura) às imposições do gosto dominante e monopolista. Porém, o objetivo desse imperialismo não é a formação qualitativa do sujeito, pensante e atuante, mas o seu oposto – a mera quantidade. A fim de evitar as cíclicas crises capitalistas, estimula-se a compra de inovações tecnológicas e científicas, que deixa todo mundo abismado com tamanho progresso; é nítida a aura de superioridade de quem tem acesso aos últimos modelos, à última geração, a sua vaidade é gananciosamente alimentada.
O que é pop precisa ser veloz, imagético e evitar o espírito crítico, afinal o seu conteúdo é o que menos importa. A censura ocorre de forma sutil, com a exposição maçante apenas do que é vinculado aos interesses dos patrocinadores. Tenta-se produzir objetos diferentes, mas que serve apenas para cada um de nós se sentir pressionado a se inserir em um rótulo específico e afirmar a sua identidade, claro que falsificada. Como esse sujeito bestificado é incapaz de se governar, ele se limita a digerir, grosseiramente, o que vem de fora e a repassar aos outros a batata quente, sem se expressar.
²
P.S.: Post inspirado em vivências e observações, é claro, e também no texto de T. Adorno “Tempo Livre”.
¹

17 de junho de 2011

C'est ma vie, chérie

Relações são jogos de poder, sejam eles implícitos ou explícitos, intensos ou sutis, com discursos de defesa prolixos ou lacônicos. É certo que divergências, e com elas os conflitos, emergirão. E atenção ao afã de se expressar, ao calor do momento, às faíscas da raiva, que não devem resultar, no porvir, em arrependimentos.
Confiança é algo que se constrói ao longo prazo, stone by stone, step by step, e que desmorona em um único erro, que nem precisa ser grosseiro e crasso. Voltar a confiar como antes não existe, pois temos memória, e as sentimentais são as que mais demoram a fluir corredeira abaixo.
Há segredos que não devem ser compartilhados, não há onisciência, logo não há porque querer saber de tudo. Nem mesmo o dono do sigilo irá se lembrar de tudo o que houve; laissez-faire, laissez-passer.
Envolvimentos podem ser profundos ou serenos, porém quem sofre deseja modificar o outro, para embarcá-lo em sua trajetória sentimental, ou ambos chorarão ou ambos comemorarão. Pois é, todos somos egoístas, gostamos de compartilhar os prazeres e os desalentos. Todo mundo erra.
Não abro mão de minha liberdade, mesmo sabendo que ela é sempre limitada, pois é, vigilância é uma prisão. Restringir meus movimentos é amputar a minha perna; sofro com isso, tenho formigamentos em partes perdidas; vale a pena abrir mão de tudo em nome da liberdade, sinônimo de existência?
Necessária solidão, a vontade de ficar só e não apenas de se sentir sozinho, que poucas vezes foram efetivadas e que aparentemente será nada além de um sonho perdido. Alguns apreciam a exclusiva companhia da própria sombra, enquanto outros sofrem sem ter quem abraçar ou com quem conversar. Sim, para muitos o ostracismo é a maior pena que se pode imputar.
Preocupações práticas destroem sonhos teóricos, hipóteses e fantasias. A práxis nos torna burgueses. O pão e a carne de cada dia é indispensável ao pensamento. O tempo à contemplação e ao ócio criativo fica cada vez mais reduzido, e pior, contestado! Pressões do ambiente quase nos convencem de que o mundo etéreo e abstrato das ideias é tolice.
Compromissos e obrigações com pessoas, animais, plantas, casas e textos – adulto é responsabilizar-se. Sociedade de adultos infantilizados e de crianças sem infância completa nos faz repensar valores. Seria bom poder escolher com o que se preocupar e ocupar, contudo não há plenitude, somos encurralados e as decisões são de qualquer modo tomadas.
Quais objetivos são inflexíveis, quem sabe como será o futuro? Há planos, mas num ambiente aberto e em constante mudança, as situações são adaptadas às vontades. Ainda não sei direito o quero, mas estou fazendo o devir, cotidianamente, algum dia saberei exatamente para onde vou? De qualquer maneira vagarei, se estiver vivo e saudável.
Ao segurar a mão fria eu me lembro de que ela morrerá para mim se a deixar partir, não tornaria a segurá-la, o que trava ímpetos de desistência. Nonada, viver é assaz perigoso, a morte está em todo lugar.
Após a partida, o tempo e os sonhos curarão a dor, mas saiba que personalidades não mudarão. Pessoas mudam, mas o que elas são, seu valores éticos e morais pouco se alteram, então.
Os sentimentos imanentes de quem é ou se faz de indiferente são genuínos ou manipulados para evitar constrangimentos? Parceiros se manipulam reciprocamente. A cultura também ensina a se ter emoções.
Sentimento de carência exige afetos para contrabalançá-lo. O que é desejável: diminuir a carência para não necessitar mais de tanto afeto ou aumentar as demonstrações de afetividade para reduzir a carência que sempre volta? E o perigo de se tornar mania e obsessão? Frieza e distanciamento seria uma boa solução. Todavia, quem deseja um mundo de pessoas com déficit de carinho? Seriam infelizes ignorando o motivo de suas tristezas, isto é, uma sociedade doente e deprimente.
Excesso de carência resulta em nervosas doenças, fico cansado de exigências, deixe-me curtir a decadência. Tenho direito a tomar líquidos banais e a dialogar com amigos superficiais. Aprendi a aceitar a mediocridade, apesar disso impedir a plena felicidade.
Uma família deveras coesa pode ser motivo de alegrias e de tristezas, abdica-se de si em nome da união, devo ambicionar esse turbilhão? Bem, somente quando estiver preparado, enquanto isso, é melhor ficar parado.
A linguagem corporal não mente, exceto para aqueles que foram treinados a mascará-la. Mas quem aprendeu a reconhecê-la? Por livros ou por intuição muitos conseguem captar sinais além da gramática e das palavras explícitas. Eu não sei mentir direito e não sei identificar mentiras, sou um ingênuo, minha saída é desconfiar, ser cético, sempre. Sei que não sou desenvolto socialmente, precisei racionalizar para entender os humanos, enquanto a maioria os compreende instintivamente.
Defendo o ceticismo e o método científico contra as religiões e as crenças infundadas. Pelo embasamento de argumentos ao alcance de verdades, mesmo que provisórias. O real só é válido se for legítimo. Ainda assim, é preciso conceituar, por vezes toscamente, para se ter alguma segurança, contanto que seja com método e não pela fé ou por mitos.
Tolerar ou toler: quem cede se ilude com as mudanças que não virão, e quem impõe impede idiossincrasias, que são qualidades para um e defeitos para outro, de se manifestarem. No desespero aceitamos tudo, todavia as frustrações são inevitáveis. Individualidades devem ser admiradas, amar não é tolerar, é se apossar de tudo, é por isso que só as almas gêmeas têm amor-paixão.
Uma parte oferece lições de desapego, enquanto a outra oferece lições de maturidade, nesse cabo-de-guerra o crescimento acontece. Porém, os fins se aproximam à muralha, como saber quando um ciclo terminou? A inefável admiração mútua dos corpos e de atos sustenta levemente quaisquer insinuações de derrocada.
Um desligamento automático é impossível entre os espíritos, a energia continua a conectá-los, e vai se arrefecendo e obliterando com o tempo e com a distância até restar apenas a partícula da lembrança. Entretanto, todo começo, bem como todas as transições, é difícil. A resiliência e a entropia negativa adaptam o corpo à nova realidade até se transformarem em aconchego, que é novamente rompido pela inserção de outra fonte calor no ambiente fechado.

26 de maio de 2011

Seu Peru não morreu!

Espírito Anão

O anarquista narcotizado,
Com seus olhos de defunto,
Trazem-no almas levianas
Mais o espírito anão

Ser, estar e parecer,
Em repouso permanecer.
Transeunte em ligação -
Predicados prejudicados

Locução, ora objeto direto,
Ora diretriz indireta;
A gramática, enquanto tal,
Tornada sintaxe fatal

O ímpio ignora a gnose,
Vez não ser um asceta.
A seita aceita o agnóstico:
Ceticismo profético

Mentes versadas aprendem
Semântica ou semiótica,
Mas robôs, zumbis e autômatos
Não apreendem a eubiótica


Maturidade não sobremaneira

Pensa-se que se é, pode ser,
Em parte se é, só, mas não o todo;
Ademais, se é a menos, ou a mais.
Julga-se do mármore ou do lodo

Menos reclamações, mais conselhos,
Impaciência perdida, por apelos.
Uma discussão não é para ser ganha,
É para embasar futuros argumentos –
Acumulações em processamento

É sério, firme e confiante
O equilibrado circunspecto
Da diplomacia agora amante
Adquiriu luzidio aspecto

Se disser possuir pleno exercício
De suas mentais funções, equivoca-se;
Erra, então, em seu lugar recoloca-se,
A hora de aprender é nesse interstício

Como se livrar ou se lavar,
Ser autônomo ou ser autômato
Se para nós não há sol a sós?

Oh, ledo e tolo independente,
Somos da dependência carente.
Com responsabilidade existencialista
Da sociedade o progresso assista

Porém, ‘inda insistem em lhe dizer
A tomar o caminho da virtude:
Os grilhões da moralina habitual
Todos os papéis sociais urdem

Cresce, a inocência cessa de ter
E a alegria da ignorância juvenil.
Labutou, inferiu e se precaveu,
Cidadão feito, seu sonho fugiu!

Negou, renegou e relegou
Ao subsolo as intempéries.
Foi dialético e se felicitou
Com as recém contraídas peles


P.S.: 2 anos de blogagem. Oba!...

18 de maio de 2011

Hatred is all around

Administração da Raiva

A raiva, o ódio pelo sofrimento
Erupções: externar o peso alivia
Pressões irrefreáveis dos tormentos
Única saída é pela rebeldia

Batalhas internas, explodem granadas
Respinga a violência em pessoas paradas
Ofensa, injúria, heresia e grosseria
Insolentes agressões feito epidemias

Alegria esvaída em ruínas
As catástrofes autoritárias
Aviltam a elite, agora pária
Triste derretimento da platina

Ser vil não pode ser conveniente
Quem é com a derrota conivente?
Saber perder e se manter sereno,
Somente o monge está sempre vencendo

Impropérios ditos fora de si
Provêm as desculpas e os pesares
Por vezes falsos como os dos farsis
Encosto é embuste dos populares

Quais dos objetos é a causa da raiva?
Qual ressalva é para manter a calma?
Os valores impedem a venda d’alma
Contudo, ainda cai a pesada saraiva

Instinto hostil e rude erode e domina
Perverso tal qual o sol sobre a melanina
Embrutece, envelhece, aquece e apetece
É-nos, porém, indispensável alicerce

O que faz animar a explosão incendiosa?
Justifica-se a detonação insidiosa?

A paz é sempre preferível à guerra?
Pretere-se a que menos potência emprega
A vida vilipendia o odioso homem
Que esse fastidioso as parcas assombrem


P.S.: Tudo isso para dizer "Puta que o pariu, vai tomar no cu!"

28 de abril de 2011

À droite e à gauche

Efeito de perspectiva; dos ruídos da aparência a oitiva. Ambiente que, em sua variedade, invariavelmente, a vários muda a mente. Avançar em idade, o que muitos, cometendo um equívoco, generalizam em maturidade.
Quem se satisfez ou se acomodou com seus objetivos ou suas metas – como se em viver houvesse finalidade, mesmo que específica a cada vivente – guinou à direita. O jovem é sonhador, falange de hormônios em conflito que supõe-se tender a revoluções; angústia que rebela. Basta dar-lhe pequenos desejos, ou basta a conquista de pequenas vitórias, que sua impaciência se reduz consideravelmente.
Faz-se exceção aos compulsivos e aos hospedeiros de outras psicopatologias que apetecem egos inseguros. Traumas de infância, que geralmente são provocados por infantis personalidades que ora protegem em demasia e ora exige em excesso; intervenções intempestivas e tempestuosas. Tempestades que parecem não acabar para quem não estava preparado para passar pelo olho do furacão.

Cobras matreiras que aprenderam e improved a eficiência da manipulação pela manutenção do status quo e da “ordem social”. Povo hedonista que se tranquiliza morbidamente com os prazeres alcançáveis, mas nem tanto, inventados e empurrados pelos publicitários de plantão.
Condicionamento concebido e concretizado por sacerdotes que se atualizam e se revezam no altar. É impressionante essa evolução de técnicas obtusas paralelamente à educação (quase) universal e ao intercâmbio exponencialmente crescente de informações e ideias. Todavia, mobilizações subversivas se arrefeceram, ou viraram clichês, ou ainda migraram para os sítios reclusos da grande rede mundial.
Ademais, a direita ruge e se diverte com o imobilismo da esquerda de ideias e ideais repetidos, quiçá arcaicos, mesmo que corretos, quem sabe apenas teoricamente, que, contudo, não se difundiram e se enraizaram na massa incauta, sedente e esfomeada por pragmatismo. Abstrações da teoria exigem atitudes e pensamentos como que transcendentes, num círculo de divinos e/ou oniscientes: “é certa coisa de outro mundo, meu filho”.
A cesta básica mensal e o conserto do fogão têm mais valor; o populismo é efetivo, pois sempre haverá alguém disposto a se deixar enganar e favorecer outrem, desde que resolvido seu problema momentâneo. E não faltarão raposas que retiram seu alimento instantâneo e sua riqueza consentânea da miséria alheia. Incômodo será quando esses animais de famintos olhos se aglomerarem e, sem limites, destruírem tudo em volta – espólios.
Porém, os impostos garantirão a sobrevivência dos predadores que descansam em piscinas; o turbilhão da crise dissipar-se-á, enquanto a base, e até mesmo o centro, da pirâmide paga as fichas da jogatina. E pode apostar que esse nocivo ciclo voltará a acontecer. Ninguém largará o osso voluntariamente, ainda mais se o seu vizinho (raposa, hiena, abutre?) estiver de olho em sua diversão.

O sonho metafísico do paraíso medieval foi estilisticamente transformado no sonho materialista americano (fama e grana). Efeitos colaterais dessas plásticas são secundários, irrelevantes, mundanos.
A fim de legitimar o processo, ciências são instrumentalizadas em prol do sistema defendido por seus operadores e seus investidores. Bem como é condicionada a massa popular a pensar como eles. Hoje é o “fique rico ou morra tentando”, antes era o “ora que melhora”, ou então “o salvador voltará”, entre outros slogans alucinatórios; ilusões que regozijam o poder. Perca-as!
Crítica, ceticismo, resistência e combate como contraponto à inércia transmitida pela corrente do sistema, em prol do conhecimento pessoal e interpessoal. Eis o lema.

14 de abril de 2011

De volta às reflexões toscas

O existencialismo humanista afirma que todos devem se responsabilizar, e não apenas por seus atos, mas como se cada ação fosse realizada visando a humanidade e o bem comum. Logo, a angústia será inevitável, pois além de carregar o fardo de sempre ser culpado, não haveria como o indivíduo saber se as escolhas tomadas, de fato, melhoraram a vida do próximo e dos incontáveis desconhecidos. O livre-arbítrio é tido como irredutível, o homem é condenado à liberdade, não se admite justificativas ou desculpas pelos atos, ou seja, todas as pessoas têm consciência plena das circunstâncias e de suas decisões. E são sempre culpadas.
Ora, então não existe qualquer tipo de determinismo e nem se admite que pressões sociais, históricas ou políticas como condições superiores ao poder individual que, por vez, pode tecer a “linda” teia da humanidade. Portanto, ninguém pode fazer quaisquer concessões para ter benefícios, pois comportamentos radicais são restritivos. Pode-se chamar esta doutrina de estoica? É uma ética dicotômica, ou tudo está conforme se pensa e idealiza como justo e correto, ou deve-se optar pela abstenção, para não cair em hipocrisia. Pois bem, quem é que consegue ser um monge hoje em dia?
As paixões, o id, são maiores que nosso autocontrole, quem as reprime restringe sua capacidade de gozar a vida, e privilegia o logos em detrimento da vontade, que na verdade nos comanda. Acredito que decidimos antes de tomarmos consciência disso e que não há pensamento desinteressado. Porém, como adivinhar qual era a intenção, original, e de onde ela partiu? Somos passíveis de decifração, apenas não surgiram métodos filosóficos, ou antropológicos, ou neurológicos, suficientemente complexos para responder mais satisfatoriamente às idiossincrasias do homem.
A mentira e a tolerância caminham juntas, e como não há metafísica, não há dívida moral ao alcance de objetivos que impeça de se servir de meios em que ninguém se machuca ou perde. Eu mando o imperativo categórico para o lixo, afinal tudo é contingencial e hipotético, valores e princípios devem ser relativizados. O mundo das virtudes é platônico, kantiano, hegeliano – cristão; a práxis exige mais ação instintiva e menos hesitação moralista. Não há bem ou mal, há sucesso ou fracasso. Os dilemas emergem e não há resposta exata para eles. O que há são evidências e decisões baseadas em probabilidades.
A política é o jogo dos interesses, alguém – ou quem sabe todos – ficará insatisfeito, ou pelo menos não plenamente contente. Porém, a algum acordo, a alguma decisão, se chegará; a democracia é a maneira mais legítima de se estabelecer consenso. É claro que os nossos representantes políticos não espelham como a sociedade deveria ser, e muitas vezes nem o que ela é, mesmo em perspectiva de segmentos ou de nichos, contudo foram as peças postas à mesa, que melhorias sejam feitas. A menos que aconteça uma revolução, que na grande maioria das vezes é frouxa, visto que é deposta por outra, convivamos.
Fino equilíbrio, quem melhor agradar o povo, ou convencer de que está agradando, mais tempo ficará no poder. Os caminhos do indivíduo e da sociedade sempre se cruzam, todavia pensar que um ser humano que não se encontra no topo da pirâmide mude o mundo, como a fábula do beija-flor apagando incêndio, é prepotência. Pense globalmente, aja localmente. Mas, de fato, a mobilização tem um certo poder de provocar mudanças. Que cada um carregue o peso de seu mundo, e seja proporcionalmente fiscalizado por isso; chega da exigência de uma nação de Atlas.
Fatídico político sem mediador. A hierarquia continuará a existir, e a justiça, no caso, consiste em distribuir as benesses e as cobranças gradativamente, com punições burocráticas, além do inevitável julgamento subjetivo e efêmero do público. Contra a homogeneidade. Por um egoísmo responsável e por uma distribuição meritocrática e ligeiramente solidária de riquezas. Que os economistas respondam qual é o melhor modelo a ser adotado e que os cidadãos elejam quem os beneficie.
Bem, o exposto pode não ser um sistema filosófico, está mais para um desabafo anárquico, porém, interpreto como um ensaio que defende mais a liberdade que a doutrina que critiquei acima, e que faz mais sentido cobrar pela responsabilidade individual. Como deveria ser definida a humanidade, ou o humano? Pelo pensar, pela razão que o permite dominar quem não a possui ou não a utiliza? Tamanhas análise e racionalidade enxergam o mundo mecanicamente. Os instintos e os sentimentos também têm direito à liberdade. Somos mais prisioneiros do que homens livres. Nossa mente ainda não atingiu o potencial suficiente para dispensar o corpo e ultrapassar os limites atuais do livre-arbítrio.


P.S.: Falei e ouvi demais durante as últimas semanas, então justifico minha ausência, até porque costumam ser as pessoas próximas a mim que leem este incongruente blog.